Vicente Serejo
serejo@terra.com.br
Na
velhice, ou na maturidade - se alguém prefere amenizar - a memória de
vez em quando acende suas luzes, mesmo aquelas que parecem bem
encobertas, das quais se pode contar o milagre sem revelar os nomes dos
santos. É o caso da história de amor que vou contar. Tive um amigo rico
que se não tinha a riqueza exuberante e radiosa do mundo social, não
precisava fazer contas, do primeiro ao último dia de cada mês. Não
ostentava. Talvez até preferisse escondê-la do mundo.
Homem de personalidade forte, nunca
imaginou que um dia caísse no mais recôndito de sua alma, para buscar um
jeito bem parnasiano de dizer, ser surpreendido por um pedido de
separação. Não acreditou. Imaginou ser mais uma crise passageira e,
portanto, superável. Não era. A separação foi amigável, com advogado
comum e amigo, mas o fato ficou no peito como uma pedra afundando uma
amargura naquele salão da alma que não se abre as portas para ninguém.
Seu
último lance para tentar salvar a vida do naufrágio iminente, ele que
não nascera para ser abandonado, foi de um estrategista perfeito. Leu
que Frank Sinatra viria ao Brasil com mais alguns meses e faria dois
shows: no Maracanã, aberto a quem pudesse pagar para vê-lo e ouvi-lo; e
outro, fechado, no salão de convenções do Hotel Maksoud Plaza, em São
Paulo. Telefonou a um amigo e conseguiu reservar uma desejada mesa para
dois, a apenas alguns poucos metros do palco.
Na
chegada ao hotel, o primeiro sinal do fracasso de sua estratégia, mas
ainda assim podia ser, quem sabe, contornável: ela preferiu que ficassem
em apartamentos separados. O show de Sinatra seria dois dias depois.
Ora, a luta estava apenas começando. Teria tempo para vencê-la,
imaginou. Convidou para irem ao Iguatemi, disse para escolher um vestido
e viver a magia da noite do dia seguinte. Ela aceitou, se nem notar que
a expectativa a fazia mais bonita do que nunca.
Chega
ao salão com antecedência, pede um champanhe, desses suaves e vindos de
longe, e brinda o instante mágico. Perto de começar o show, pediu o
uísque preferido e, ali, ficou vendo o glamour da noite de São Paulo. A
riqueza é sempre muito bonita para quem sabe vê-la e vivê-la sem
preconceito. Uma noite perfeita. Até Sinatra, no elegante smoking, com
sua gravata borboleta pousada sobre o colarinho branco e impecável,
encerrar o show cantando New York, New York.
Mas,
a noite não foi perfeita. Ela despediu-se, em Natal, no elevador,
beijou seu rosto e disse que recebera o mais belo presente que uma
mulher pode desejar na ida. E contou, lavando a garganta com um gole de
uísque: ainda arriscou a última carta no seu desespero triste e calado.
Mas, ouviu que ela preferia que fosse assim, só um carinhoso adeus de
bons amigos. Ele só então compreendeu que o amor estava morto. Para
sempre. E o leitor fica livre para acreditar... ou não.
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