domingo, 6 de novembro de 2022

O amor fracassa...

 
Atualizado: 16:53:12 29/10/2022
Vicente Serejo
serejo@terra.com.br

Na velhice, ou na maturidade - se alguém prefere amenizar - a memória de vez em quando acende suas luzes, mesmo aquelas que parecem bem encobertas, das quais se pode contar o milagre sem revelar os nomes dos santos. É o caso da história de amor que vou contar. Tive um amigo rico que se não tinha a riqueza exuberante e radiosa do mundo social, não precisava fazer contas, do primeiro ao último dia de cada mês. Não ostentava. Talvez até preferisse escondê-la do mundo.    
Reprodução

Homem de personalidade forte, nunca imaginou que um dia caísse no mais recôndito de sua alma, para buscar um jeito bem parnasiano de dizer, ser surpreendido por um pedido de separação. Não acreditou. Imaginou ser mais uma crise passageira e, portanto, superável. Não era. A separação foi amigável, com advogado comum e amigo, mas o fato ficou no peito como uma pedra afundando uma amargura naquele salão da alma que não se abre as portas para ninguém. 

Seu último lance para tentar salvar a vida do naufrágio iminente, ele que não nascera para ser abandonado, foi de um estrategista perfeito. Leu que Frank Sinatra viria ao Brasil com mais alguns meses e faria dois shows: no Maracanã, aberto a quem pudesse pagar para vê-lo e ouvi-lo; e outro, fechado, no salão de convenções do Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. Telefonou a um amigo e conseguiu reservar uma desejada mesa para dois, a apenas alguns poucos metros do palco.   

Na chegada ao hotel, o primeiro sinal do fracasso de sua estratégia, mas ainda assim podia ser, quem sabe, contornável: ela preferiu que ficassem em apartamentos separados. O show de Sinatra seria dois dias depois. Ora, a luta estava apenas começando. Teria tempo para vencê-la, imaginou. Convidou para irem ao Iguatemi, disse para escolher um vestido e viver a magia da noite do dia seguinte. Ela aceitou, se nem notar que a expectativa a fazia mais bonita do que nunca.   

Chega ao salão com antecedência, pede um champanhe, desses suaves e vindos de longe, e brinda o instante mágico. Perto de começar o show, pediu o uísque preferido e, ali, ficou vendo o glamour da noite de São Paulo. A riqueza é sempre muito bonita para quem sabe vê-la e vivê-la sem preconceito. Uma noite perfeita.  Até Sinatra, no elegante smoking, com sua gravata borboleta pousada sobre o colarinho branco e impecável, encerrar o show cantando New York, New York. 

Mas, a noite não foi perfeita. Ela despediu-se, em Natal, no elevador, beijou seu rosto e disse que recebera o mais belo presente que uma mulher pode desejar na ida. E contou, lavando a garganta com um gole de uísque: ainda arriscou a última carta no seu desespero triste e calado. Mas, ouviu que ela preferia que fosse assim, só um carinhoso adeus de bons amigos. Ele só então compreendeu que o amor estava morto. Para sempre. E o leitor fica livre para acreditar... ou não.


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