Cheguei ao Assú a 1.0 de Dezembro apoz ter feito cerca de 340 milhas em 19 dias. A inquietude continua em que vivi impossibilitara-me de escrever um diario regular da jornada Do Assú ao Aracatí registei as denominações dos lugares que passava. A região é mais habitada e fomos mais proximos ao litoral. Viajava-se mais a comodo que entre Natal e Assú, excetuando o abandonado "Pai Paulo", não atrave 0 sei lugar que justificasse o nome de povoação. Encontrei, muito separadas uma das outras, algumas choupanas, algumas desertas, concentrando toda população do distrito. E' uma região desolada e pobre. A vila do Assú é edificada em qua:lrado e consta de cerca de trezentos habitantes, tendo duas igrejas e a Camara Munic:pal e prisão que então se construia. O Governador fôra o promotor da obra. Está situada á margem do grande rio do Assú, no ponto em que este se divide em dois braços, a curta distancia. Está na margem esquerda do ramo menor. Ha uma ilha de areia entre os dois braços, e a distancia de onde o rio se biparte ao ponto da junção, é de duas a tres milhas. Atravessamos os leitos ressequidos e entramos na praça, onde a areia é baixa e não ha calçamento. Muitos moradores estavam ás suas portas porque os viajantes são motivos de curiosidade e o nosso aspecto inda mais a aguçava.
Eu montava numa sela inglêsa, o que mais particularmente atraía os olhares desse povo de cavaleiro.
As casas tinham apenas o pavimento terreo, e algumas eram rebocadas e caiadas de branco, mais as paredes de muitas conservavam sua côr natural, por dentro e por fora, e o chão estava em seu estado bruto. Somente com grande esforço nessa terra onde a agua é escassa, os mordores conseguem manter-se · asseados. Os brasileiros, mesmo de classes inferiores, em todas as castas, têm alguns habitos que se ligam aos costumes da vida selvagem, são de notavel asseio em suas pessôas Um dos maiores incomodos para um brasileiro é o lugar onde residir ficar distanciado de um rio ou pôço d'agua onde se possa banhar.
Perguntei pela morada de um negro, seleiro de profissão, que meu guia conhecia. Estava, como os outros, á porta, para ver os viajantes, e logo reconheceu o amigo e avançou para falar-lhe. Foi então procurar uma casa para nosso abrigo durante a estada. Era pequena, sem recbôco nem caiação, com dois quartos, um abrindo para a praça e outro para o rio. Logo que terminei a instalação e me arranjei, saí para visitar o Vigario que residia na melho, ou menos feia, abitação da vila. Era do tamanho da casa dos camponeses ou pelos pequenos pro·prietarios na inglaterra, mas não tão conf ortavel, embora possuindo pavimento de tijolos. E' verdade que esses climas nada pedem, como os climas frios que exigem nas habitações inglêses e no progresso inglês tantas disposições, o in definível chamado "conforto". Disse ao Vigario que ele era a primeira pessôa na vila que tinha o prazer de visitar e que seria feliz em SP.r acompanhado em minha viagem pelas orações e bons auspicias de sua ordem e, em particular, os dele, de quem o Governador falava com tanta simpatia. A palestra pouco demorou e não a pude alongar por estar fatigadissimo.
Dispuz-me a mandar os cavalos para o P iató, onde havia pasto e verdes talos de milho, cana de açucar e outras plantas, mas o guia me recomendou demorar apenas o necessario. Assegurou-me de que os cavalos continuando a viagem sem interrupção resistiriam muito bem mas se repousassem ficariam fracos e inteiramente inuteis para o serviço por muito tempo. Mesmo não estando perfeitamente convencido do que me dizia, não tendo razão para retardar-me no Assú, enviei Julio para trazer os animais para o Assú e, no outro dia, ás duas horas, para termos, de qualquer forma as vinte e quatro horas de descanço. Aprendi depois, por experiencia, que o guia tinha toda razão, relativamente aos cavalos. O trabalho regular é melhor que o descanço de mais de um dia.
Nosso amigo, o seleiro, entre outras historias, nos contou ter passado, um pouco antes de nós, pelas mesmas terras que atravessavamos, vindo de S. Luzia. Estava ele na companhia de um outro homem e de um rapaz que trazia um cão. Fícaram durante a noite ao abrigo de um rochedo na vizinhança do lugar de que já falei. Seu companheiro tinha levado os cavalos para pastar a alguma distancia. O rapaz e o cão ficaram com ele. Acendêra o fogo e se preparava para assar a carne-sêca, quando o rapaz gritou:- "Onde está o cachorro?" E lhe respondêra:- "Está aqui, não está? " - "Que olhos são aqueles?" - disse o rapaz apontando ao mesmo tempo para um canto do rochedo. O seleiro reparou e viu dois olhos e nada mais. Chamou o cão e, tomando a espingarda disparou-a onde o cão estava mas sem apontar.
Um jaguar precipitou-se para fóra e fugiu . Estava escon dido nas pedras e o clarão do lume mais o ocultava nas sombras, impedindo ver seu corpo, tornando visíveis apenas os olhos. Estava agachado, esperando o momento, disposto a saltar quando todos estivessem tranquilos e descuidados.
Soube existir na embocadura do Assú muitas salinas importantes e que varias barcas pequenas vinham, de diversos pontos da costa, carregar a produção.
Tomei um outro guia porque o homem que trouxéra de Goiana não sabia a estrada a seguir. Embora não o estimasse muito, conservei-o porque era um mestre com sua profissão, tratando bem aos animais que, graças a sua atenção e conhecimento do oficio, chegaram sem feridas o que, alem de surpreender os que viam, denunciava muita felicidade ou muita pratica. Era contudo um fanfarrão, maltratando os pobres onde nos alojavamos, sempre que julgava faze-lo impunemente. Repetia sempre que eu era um personagem ilustre. Não dizia nada mas, quando do nosso regresso, estando eu adoentado, ele se .fez passar por chefe da caravana e o surpreendi nessa posição. Desconcertei-o ameaçando-o despedi-lo do meu serviço. Desde que me restabeleci. tratou de ocultar seus vícios e cuidou melhormente de tudo. O outro guia que levei comigo era um mulato escuro, jovem e robusto, filho de um morador do Assú, e tinha caracter. Partindo, trouxe um I:ndo cão, que Jogo depois adquiri.
Na manhã seguinte Julio regressou com os cavalos e, entre tres e quatro horas da tarde, deixamos o Assú.
_______
O Rio do Assú pode ter duzentas ou trezentas jardas de largura, sendo profundo e perigoso pela violencia do seu curso, tornando indispensavel um guia que conheça os lugares vadeaveis.
Os sertanejos se servem, para atravessar os rios, de um curioso aparelho formado de tres peças de macieira, sobre o qual se colocam e remam eles mesmos até a margem oposta. Já ouvira falar, sob a clenominac;ão ele Cavalête, mas como não vi um deles, não é possível pretender dar uma descrição exata. Os homens nos deixaram enquanto arranjava. com a passivei brevidade, as cargas. Voltando-me, vi Mimosa vir era minha direção, meio agachada e amedrontada. Fizera o possivel para comprar esse animal mas nada poude inriuzir seu dono a ceder. Ele dizia que a possuía desde pequen ina e, ajuntava, jamais puzéra a panela ao fogo que, antes desta ferver, não voltasse a cachorra com alguma cousa para a encher. Não disse exatamente deste modo mas desejou dar uma ideia de sua grande habilidade para a , caça. Seguia-nos porque fôra bem tratada por nós. Jornadeamos fazendo parada na fazenda S. Ursula, legua e meia distante do Assú, onde dormimos. O caminho passava por bosques espessos. Para diante, até o rio Ceará-Mirim, a região era nova para mim porque me desviara da antiga estrada que ia ao Assú, pelo norte.
Tomava agora o caminho mais curto para Natal mas devia cruzar varias vezes o tortuoso rio.
(...) Era filho de um proprietario residente ás margens do Assú. e possuindo muitas fazendas de gado nessa região. O velho era coronel de milícias e com quem eu palestrava era major no mesmo regimento.
NOTAS AO CAPITULO VI.
(13) Santa Luzia, antigo Põço da Lavagem, no municipio do Assú,
(22) O vigario do Assú em 1810 era o padre Antonio Ferreira de
Souza Monteiro.