segunda-feira, 27 de novembro de 2023

 PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


DOIS TALENTOSOS POETAS (II)

Publicado em 17 de novembro de 2023



Marcílio Pá Seca Siqueira e Jesus de Ritinha de Miúdo, colunista do JBF


* * *


O poeta Marcílio Pá Seca, pernambucano de Tabira, escreveu a seguinte sextilha:


Chorando me debrucei

Na tela da imensidade

Não foi de dor que chorei

Com tamanha intensidade

Foram lágrimas salgadas

Com soluços de saudade


Jesus de Ritinha de Miúdo, acariense do Seridó Potiguar, em cima da bucha respondeu-lhe:


Tais soluços na verdade

Quebrantaram o peito meu

Senti no rosto um riacho

Que do meu olhar desceu

Aguando os meus desejos

De me afogar nos seus beijos

E morrer num abraço seu.


* * *


Mote:


Sou poeta, sou mais um nordestino

Que defende demais nossa cultura.


Sou vaqueiro, gibão, sou vaquejada

Sou viola, Poeta e cantoria

Sou bancada, caneta e poesia

Sou beiju, tapioca e farinhada

Eu sou junta de boi,sou terra arada

Sou engenho de cana e rapadura

Sertanejo pintado na moldura

Meu chapéu e de couro de caprino

Sou poeta, sou mais um nordestino

Que defende demais nossa cultura.


Marcílio Pá Seca Siqueira


Sou caatinga na seca acinzentada

Sou o vento soprando a poeira

Sou tramela, mourão, eu sou porteira

Sou babugem no chão, pós invernada.

Sou mugido, balido e sou risada

Do Sertão quando vê que tem fartura

Sou vaqueiro aboiando com candura

No ofício real de tangerino

Sou poeta, sou mais um nordestino

Que defende demais nossa cultura.


Jesus de Ritinha de Miúdo


* * *


Um soneto de Marcilio Pá Seca Siqueira:


EU… PALHAÇO


Quando quero chorar choro sozinho

Pra fugir do olhar que me censura

Minha lágrima sensível no caminho

Com a tinta da face se mistura


Meu sorriso se perde em desalinho

Nos momentos medonhos de amargura

Meus segredos são pontas de espinho

Que exploram meu ego, fere e fura


Sou artista do palco do universo

Sou Poeta, componho, faço verso

Estou preso ao meu eu por forte laço


Sou ator desse bloco da ilusão

Sou as grades cruéis da solidão

Eu sou eu, sou você, eu sou palhaço.


Um soneto de Jesus de Ritinha de Miúdo:


SONETO DE OLHOS E DE LÁBIOS


O marrom dos teus olhos me encantaram

Prenderam-me a ti, me deixando louco

Mas esses teus olhos, não achando pouco

Olhando nos meus, logo se abalaram.


Então os meus lábios não se aguentaram

Sorriram para ti, sem nenhum apouco

E os teus lábios, lindos, assim tampouco,

De sorrir pros meus, também, não se negaram.


Senti teus lábios só chamando os meus

Percebi teu olhar me dando avisos

Recebidos por mim, um escravo fiel


Adentrando contigo no mais lindo céu,

Instante que meus lábios deitaram nos teus

E o meu sorrir beijou os teus sorrisos.


* * *


Marcílio Pá Seca Siqueira fez uma décima glosando mote da poetisa Paloma Brito, de Livramento da Paraíba:


Sou a alma matuta da campina

O aboio sonoro do vaqueiro

Sou a flor da caatinga, sou o cheiro

Da cacimba de água cristalina

Sou o som da seresta matutina

Da orquestra de vozes do sertão

Sou as vozes da seca e o trovão

Sou a própria quentura da poeira

Sou matuto no pé d’uma porteira

Sou poeira que veste esse meu chão.


Jesus de Ritinha de Miúdo lhe respondeu:


Sou gemido do eixo da carroça

Transportando comida para o gado

Sou a força do boi puxando o arado

Sou zoada da chuva quando engrossa.

Sou a lama depois que a água empossa

Sou a sombra da tarde, num oitão,

Sou a áurea divina do gibão

Eu sou pau de miolo da aroeira

Sou matuto no pé d’uma porteira

Sou poeira que veste esse meu chão.


* * * 


Duas glosas de Marcílio Pá Seca Siqueira:


Perco o sono, já Alta madrugada

Boto o rosto no quadro da janela

Para ver se encontro as feições dela

Mas no rasgo da noite não tem nada

Só se eu encontrasse uma fada

Pra fazer uma mágica com vareta

E mostrar com seu truque a silueta

Ou a face do amor que já foi meu

Tô chorando por ela igual Romeu

Que chorava querendo Julieta


* *


Um poeta não serve de semente

Nem é grão de semente que renova

Nem a lágrima surgiu pra regar cova

Quando cai na poeira do chão quente

Mas se morre um Poeta do repente

Desce inerte a matéria para o chão

E nas tábuas molhadas do caixão

Vão as lágrimas regando o trovador

Quando morre um poeta cantador

Nasce um pé de saudade no sertão


Duas glosas de Jesus de Ritinha de Miúdo:


Minha sombra não vem da obstrução

De uma luz que esteja à minha frente

Não rasteja na terra me seguindo

Sem missão, sem valor, inconsciente

Minha sombra é meu anjo da guarda

Bem armado e que nunca se acovarda

Mas que luta por mim diariamente.


Esse ser, esse espectro valente

É reflexo do bem e em mim produz

Alegria e paz, mais segurança

Me ajudando a andar sempre na luz

Eu não sei sua forma, aparência,

Mas, eu sei qu’essa sombra em sua essência

Me aconselha, me guia e me conduz.

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