PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS
DOIS TALENTOSOS POETAS (II)
Publicado em 17 de novembro de 2023
Marcílio Pá Seca Siqueira e Jesus de Ritinha de Miúdo, colunista do JBF
* * *
O poeta Marcílio Pá Seca, pernambucano de Tabira, escreveu a seguinte sextilha:
Chorando me debrucei
Na tela da imensidade
Não foi de dor que chorei
Com tamanha intensidade
Foram lágrimas salgadas
Com soluços de saudade
Jesus de Ritinha de Miúdo, acariense do Seridó Potiguar, em cima da bucha respondeu-lhe:
Tais soluços na verdade
Quebrantaram o peito meu
Senti no rosto um riacho
Que do meu olhar desceu
Aguando os meus desejos
De me afogar nos seus beijos
E morrer num abraço seu.
* * *
Mote:
Sou poeta, sou mais um nordestino
Que defende demais nossa cultura.
Sou vaqueiro, gibão, sou vaquejada
Sou viola, Poeta e cantoria
Sou bancada, caneta e poesia
Sou beiju, tapioca e farinhada
Eu sou junta de boi,sou terra arada
Sou engenho de cana e rapadura
Sertanejo pintado na moldura
Meu chapéu e de couro de caprino
Sou poeta, sou mais um nordestino
Que defende demais nossa cultura.
Marcílio Pá Seca Siqueira
Sou caatinga na seca acinzentada
Sou o vento soprando a poeira
Sou tramela, mourão, eu sou porteira
Sou babugem no chão, pós invernada.
Sou mugido, balido e sou risada
Do Sertão quando vê que tem fartura
Sou vaqueiro aboiando com candura
No ofício real de tangerino
Sou poeta, sou mais um nordestino
Que defende demais nossa cultura.
Jesus de Ritinha de Miúdo
* * *
Um soneto de Marcilio Pá Seca Siqueira:
EU… PALHAÇO
Quando quero chorar choro sozinho
Pra fugir do olhar que me censura
Minha lágrima sensível no caminho
Com a tinta da face se mistura
Meu sorriso se perde em desalinho
Nos momentos medonhos de amargura
Meus segredos são pontas de espinho
Que exploram meu ego, fere e fura
Sou artista do palco do universo
Sou Poeta, componho, faço verso
Estou preso ao meu eu por forte laço
Sou ator desse bloco da ilusão
Sou as grades cruéis da solidão
Eu sou eu, sou você, eu sou palhaço.
Um soneto de Jesus de Ritinha de Miúdo:
SONETO DE OLHOS E DE LÁBIOS
O marrom dos teus olhos me encantaram
Prenderam-me a ti, me deixando louco
Mas esses teus olhos, não achando pouco
Olhando nos meus, logo se abalaram.
Então os meus lábios não se aguentaram
Sorriram para ti, sem nenhum apouco
E os teus lábios, lindos, assim tampouco,
De sorrir pros meus, também, não se negaram.
Senti teus lábios só chamando os meus
Percebi teu olhar me dando avisos
Recebidos por mim, um escravo fiel
Adentrando contigo no mais lindo céu,
Instante que meus lábios deitaram nos teus
E o meu sorrir beijou os teus sorrisos.
* * *
Marcílio Pá Seca Siqueira fez uma décima glosando mote da poetisa Paloma Brito, de Livramento da Paraíba:
Sou a alma matuta da campina
O aboio sonoro do vaqueiro
Sou a flor da caatinga, sou o cheiro
Da cacimba de água cristalina
Sou o som da seresta matutina
Da orquestra de vozes do sertão
Sou as vozes da seca e o trovão
Sou a própria quentura da poeira
Sou matuto no pé d’uma porteira
Sou poeira que veste esse meu chão.
Jesus de Ritinha de Miúdo lhe respondeu:
Sou gemido do eixo da carroça
Transportando comida para o gado
Sou a força do boi puxando o arado
Sou zoada da chuva quando engrossa.
Sou a lama depois que a água empossa
Sou a sombra da tarde, num oitão,
Sou a áurea divina do gibão
Eu sou pau de miolo da aroeira
Sou matuto no pé d’uma porteira
Sou poeira que veste esse meu chão.
* * *
Duas glosas de Marcílio Pá Seca Siqueira:
Perco o sono, já Alta madrugada
Boto o rosto no quadro da janela
Para ver se encontro as feições dela
Mas no rasgo da noite não tem nada
Só se eu encontrasse uma fada
Pra fazer uma mágica com vareta
E mostrar com seu truque a silueta
Ou a face do amor que já foi meu
Tô chorando por ela igual Romeu
Que chorava querendo Julieta
* *
Um poeta não serve de semente
Nem é grão de semente que renova
Nem a lágrima surgiu pra regar cova
Quando cai na poeira do chão quente
Mas se morre um Poeta do repente
Desce inerte a matéria para o chão
E nas tábuas molhadas do caixão
Vão as lágrimas regando o trovador
Quando morre um poeta cantador
Nasce um pé de saudade no sertão
Duas glosas de Jesus de Ritinha de Miúdo:
Minha sombra não vem da obstrução
De uma luz que esteja à minha frente
Não rasteja na terra me seguindo
Sem missão, sem valor, inconsciente
Minha sombra é meu anjo da guarda
Bem armado e que nunca se acovarda
Mas que luta por mim diariamente.
Esse ser, esse espectro valente
É reflexo do bem e em mim produz
Alegria e paz, mais segurança
Me ajudando a andar sempre na luz
Eu não sei sua forma, aparência,
Mas, eu sei qu’essa sombra em sua essência
Me aconselha, me guia e me conduz.
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