quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Se todas as coisas…

Vicente Serejo

serejo@terra.com.br
Gosto sempre de pensar, talvez por ser vítima de pensamentos imperfeitos, que o mundo é pequeno e nele cabem todas as coisas, desde que bem postas e em boas medidas. Mas, também reconheço o prazer de sabê-las, e, às vezes, tão surpreendentes. Entre encontros e desencontros, casuais uns e outros nem tanto, há qualquer coisa de transcendental. Algo que foge ao apenas comum: um nome, uma palavra, um livro, um detalhe, coisas do céu das humanas sensações. 

É que estou convencido de que há um céu e um inferno em cada ser humano. E é neles que a alma deposita o que ama, o que odeia, o que inveja e nega-se ao que lhe é indiferente. E há também um limbo, inóspito e sombrio, lugar do pecado e do arrependimento. De superior, se existe, só o perdão. Mas ai são outros quinhentos. Aos vaidosos não é dado perdoar com facilidade. Já os simples, despojados de tudo, esses perdoam e são naturalmente mais felizes.

Tudo começa e acaba no grau maior ou menor de aspiração. Pode ser mansa, e também esconder a força bruta do desejo. Ora, o desejo é uma fera. Se rompe a jaula da civilização que o domesticou, acorda a fúria indomável. É bom lembrar que o ódio é um amor enlouquecido. Daí não ser tão verdadeiro o slogan, bem azeitado nos santos óleos da boa-fé, quando afirma: quem ama não mata. Mata, sim. Não deveria, mas mata. Exatamente por um dia ter sido amor. 

Veja, Senhor Redator, o perigo que é um homem velho, já passado nuns tantos anos, divagar sobre os mistérios da carne e da alma. Acaba caindo em inesperadas digressões, feitas de caminhos que vão cavando na própria narrativa o desfiladeiro de recorrências que voltam, como os pássaros, quando a noite dos dias começa a chegar. A noite que vai jogando sombras sobre todas as coisas, feitas e desfeitas em caminhos e descaminhos e, às vezes, em tristes ais. 

Outro dia fiquei admirando a frase de uma crônica de Gregório Duvivier, na Folha de S. Paulo. Foi como se ele fosse escrever sobre um assunto qualquer e, de repente, descobrisse que era um homem sem o direito de esperar por um novo dia. E começa a crônica assim, guardei aqui: “Faz um ano que todos os dias se parecem”. Fazia tempo que não batia com os olhos numa coisa tão simples e tão melancólica. É verdade, há muito tempo que todos os dias são iguais. 

Hoje, também larguei a leitura de um ensaio brilhante sobre o significado profundo da pintura de Van Gogh, além das raras sensações do seu delírio, para escrever sobre as últimas leituras do poeta João Lins Caldas que li no blog de Fernando Caldas sobre a figura de ermitão do grande poeta. E acabei na melancolia dos dias sempre iguais. Tem nada não. Fica pra depois a história dos livros achados debaixo de sua rede quando parou, velho e triste, seu coração… 

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