segunda-feira, 10 de novembro de 2025

 DONA FRANÇA

Estou a lembrar de tanta gente... fico até em dúvida por onde começar. Pensei em Jonoro e sua sortida bodega. Já contava uma certa idade, mesmo não jovem não gostava de usar camisa, a caixa de peito desmanchada em garras (por não usar camisa, acho que gastava dez bermudas para consumir uma blusa). Dona Juvita, sua esposa e seu inseparável cachimbo trajava um vestido vaporoso de fino tecido e alças não largas estando mais para camisola, que para vestido, suportando com dificuldade o peso dos volumosos seios.

Porém não é de Dona Juvita e seu Jonoro que eu quero falar. Tampouco do cabaré de Benigna, de Julia Feitosa, da casa alegre de Geni, de Toinha da Mãozinha... seu cabaré, uma choupana de taipa, quase caindo, erguida no meio da baixa, onde no inverno se fazia riacho, descendo as águas desde o buraco de Leonardo, alagando a parede e meia, quatro bocas, na frente o colégio Nossa Senhora das Vitórias, para desembocar no córrego, escoante ao Piranhas.

Quero mesmo falar de Dona França, a casa de Afonso Quió, família grande, onde havia predominância do sexo masculino tendo o sexo oposto, contando somente com Dalva, a menina de Dona França. Dona França fazia do impossível, possível para o bem de sua menina moça. Não é que não amasse seus filhos homens, pelo contrário, era amorosa e paciente com todos eles. Só que entre mãe e filha, impera cumplicidade em todos os atos. Dalva já mocinha, Dona França conseguiu (obra de Deus), uma vaga no curso normal do J.K. galante aquelas lindas mocinhas todas iguais, numa farda impecável: blusa branca, saia azul marinho, artisticamente pregueada, descendo a altura dos joelhos, sapatos pretos bem polidos, completando a linda e impoluta vestimenta, uma boina branca com bordas azuis, do tecido da saia, completando a beleza do paramento. Lembro de duas moças da cercania onde morávamos, que conseguiram vagas na escola normal do J. K.: Edilene de Maravilha e Dalva de Afonso Quió (com certeza outras moças da nossa vizinhança lá estudaram, é que no meu conhecimento de menino, só lembro dessas).

Eu não sei se o curso era muito oneroso, ou se era um curso feminino funcionando em escola publica em beneficio de um grupo seleto. Só sei que somente os gastos com o fardamento estava além de nossas posses (moradores da José Correia, a Dr. Adalberto Amorim, apelidada de rua do mato). Não era pra qualquer um, o labor escravista, pelo qual passava Dona França.

A vida de Afonso Quió, era pescar, caçar e outros afazeres contados no cordel: O pescador/ caçador maior que Assu já viu. Dona França tinha que cuidar da casa cheia de meninos/homens, Dalva, quase não ajudava nas tarefas, sua mãe não permitia, coitada, se desdobrava, além dos afazeres do lar, fazia tapiocas na parte da manhã e cocadas de coco à tarde. Tanto a cocada, quanto a tapioca doce de Dona França, tinham sabores divinos. Dizem as más línguas, que com a folha de bananeira que Dona França usava para isolar as tapiocas, também eram usadas para espantar os porcos, que teimavam em ali rondarem em busca de migalhas (por mim, nem ligava, nunca fui orgulhoso e o gosto do adocicado da tapioca ao se desmanchar na boca era divinal, fazendo a mente esquecer, qualquer falta de higiene. Complementando o bom gosto o leite de coco na ponta, deixava as guloseimas irresistíveis, realmente era sem igual os produtos de Dona França de Afonso Quió)

Josafá era hábil vendedor. Demorasse, o que demorasse, ele só voltava pra casa quando tudo tinha acabado. Do mesmo modo era quando seu pai, vinha das caçadas, ou pescarias, saia a vender patos selvagens abatidos, marrecos, rolinhas, avoantes, pindongas, traíras, cascudos etc. 

Exceto tilápias, ainda não corria nessas águas, esse peixe.

Não sei porque, Dona França, quando falava em seu filho José, que morava pras bandas de Areia Branca, franzia a testa num misto de preocupação e triste melancolia (não sei porque essa tristeza, já que Dona França nunca se lastimava). José, eu não conheci, acho que era seu filho mais velho. Não lembro o nome de um desmantelado, metido a mecânico, tomava mais cachaça do que trabalhava, morreu cedo, acho que é o pai daquela moça especial que mora com o tio Arimateia. Estudei com Josafá, o grande vendedor. Servi o exército no mesmo quartel que Mariano, sendo eu, do pelotão de comando e ele do terceiro pelotão. Arimateia (pé de tabaco), muito bom de bola. Marcos, o mais novo (caçula), acho que não sofreu, quanto os outros. Dalva se formou, concursada lecionou em varias escolas da nossa cidade. O diabetes foi a causa dela nos ter deixado precocemente. Faço este relato em memoria de Dona França, para que seus netos, bisnetos, todos que conheceram o casal: Afonso Quió e Dona França, fiquem cientes da coragem, perseverança, e hombridade de uma guerreira que nunca, jamais cogitou em:

                                                 DEPOR AS ARMAS.

F. A. Medeiros.

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