Considerados nômades, índios que viviam mais ao oeste do Brasil são pouco estudados se comparados aqueles da região litorânea e da Zona da Mata
A escassez de informações sobre o passado histórico do Sertão nordestino abre espaço para a reprodução de preconceitos com séculos de existência. Um conhecido mapa criado no século 16 pelo cartógrafo espanhol Diego Gutiérrez, por exemplo, generaliza a população sertaneja da época a índios canibais, representados em ilustrações de esquartejamento e assado humano. Para dar contornos mais claros à história brasileira, em especial referente ao território pernambucano mais ao oeste do país, duas gerações se uniram em um vasto estudo, agora disponível em livro. Mãe e filha, as historiadoras Socorro Ferraz e Bartira Ferraz Barbosa, que no último dia 20 de janeiro lançaram em Recife, na Arte Plural Galeria, o livro Sertão – Fronteira do medo (Editora UFPE, 283 páginas, R$ 75).
Na publicação, o Sertão dos tempos coloniais é descrito como uma fronteira física e, ao mesmo tempo, imaginária para a população do litoral. Era, portanto, representada graficamente pelos colonizadores, interessados em conquistar terras e riquezas em um local com características peculiares. “Há muitos trabalhos sobre a ocupação indígena litorânea e da Zona da Mata, mas muito poucas a respeito do Sertão, uma região onde a sobrevivência é mais difícil e, portanto, as informações não são tão fáceis de serem obtidas. Foi uma grande surpresa encontrar nos cartórios pesquisados livros de batismo de índios, negros e escravos brancos, com dados sobre como se batizava na época, sobre relações de parentesco, posse das terras”, relata Socorro Ferraz, doutora em história econômica pela Universidade de São Paulo e professora da UFPE.
Segundo a pesquisadora, a obra revela como o Sertão era habitado pelos índios, considerados nômades pelo fato de precisarem de todo o espaço necessário para sobreviver à ocupação violenta dos brancos. Esses colonizadores, ela esclarece, impingiram o medo para que a população indígena cedesse em muitos aspectos. Boa parte dela cedeu, negociou, tentou sobreviver de toda forma possível. Grande parte, contudo, foi extinta. Nesse contexto de adaptação, alguns índios chegaram, inclusive, a ter presença ativa no sistema colonial. Alguns foram capitães de milícias, outros tiveram cargos políticos, militares, serviram de intermediários para a própria conquista.
Para Bartira Ferraz, desde o século 16 os portugueses impuseram uma nova ordem política baseada em mecanismo de ocupação e controle, do vigiar e punir. “Os colonizadores vão primeiro punir, taxando os indígenas de selvagens, canibais, instalando um caos, que dá origem a guerras coloniais. Ocorreu a implantação brutal do sistema político por meio de um controle feito pela cruz e pela espada, com apoio do missionário e de tropas que controlavam essas populações”.
SERVIÇO – Lançamento do livro Sertão – Fronteira do medo, de Socorro Ferraz e Bartira Ferraz Barbosa
Editora: UFPE
Páginas: 283
Preço: R$ 75 (R$ 70 no lançamento).
Por: Felipe Torres – Diário de Pernambuco
Do blog: http://tokdehistoria.com.br/