sábado, 2 de abril de 2016

SOBRE COMO AREZ É MAIS UM PATRIMÔNIO HISTÓRICO POTIGUAR INEXPLORADO


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Conrado Carlos – Jornalista 
Um sujeito forte, de olhar mortífero e desconfiado, à sombra de um boné, me situou quanto ao itinerário:
“Aqui é Carnaúba”.
É um distrito de Senador Georgino Avelino, cidade vizinha ao meu destino, Arez, esta a segunda vila fundada na então capitania do Rio Grande, em 1760, cuja história registra presença de piratas franceses e espanhóis desde o final do século XVI, no escambo com índios por madeiras nobres, sobretudo pau-brasil – Extremoz foi a primeira.
Isso foi na última quarta-feira (23), dia em que eu e o fotojornalista John Nascimento saímos de Natal em busca de um paraíso perdido, em seu potencial turístico.

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Arez tem 14 mil habitantes e uma das igrejas mais antigas do Estado

Por R$5,20 peguei o ônibus na praça central de São José do Mipibu rumo a Arez, casa de 14 mil habitantes e de diversas atrações para além de sol, mar e areia.
Ainda na estrada, vislumbro um naco de terra coberto por vegetação fechada,
com um cruzeiro cristão no centro, cercado por águas sossegadas.
Falo de um dos maiores patrimônios históricos desta esquina da América do Sul: a Ilha do Flamengo, encravada na Lagoa de Guaraíras, palco de uma batalha selvagem entre holandeses e portugueses, no tempo em que aqueles tomaram parte do nordeste da Coroa lusitana.
A Lagoa abrigou uma aldeia chefiada pelo cacique Jacumaúma, dissidente da antiga Papari, hoje Nísia Floresta – sua taba ficava na atual Usina Estivas, enquanto outro aglomerado indígena sob seu poder ficava na Lagoa de Aranum.
Esse pacote cultural fica distante 60 km da capital potiguar, à espera de um olhar sensível ou da gritaria generalizada por investimentos equivalentes a meia dúzia de suingueiras patrocinadas a fole por prefeituras.
Antes das 09h estávamos em companhia de Ricardo Dantas, coordenador da Secretaria Municipal de Cultura e de Eclécio Fernandes, gestor ambiental e funcionário da Secretaria do Meio Ambiente.
Ao chegarmos à Lagoa, uma notícia preocupante: a maré baixava, o que vetava barco em direção a Ilha.
Era atolar o pé no mangue ou voltar outro dia.
APA Bomfim-Guaraíras
Seguimos por uma trilha ainda em terra firme, dentro da Área de Preservação Ambiental Bomfim-Guaraíras.
É uma porção do RN com 42 mil hectares, delimitado em 1999 via decreto estadual – mas só dez anos depois o Ministério Público começou a caçar licenças de carcinicultores; a partir de 2012, o IDEMA começou a explodir viveiros para, enfim, o manguezal se restabelecer e a fauna revigorar.
Hoje Senador Georgino Avelino e Arez formam um conjunto natural importante para o ecossistema do Estado, em um corredor ecológico que vai até Baía Formosa.

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Ecossistema da Lagoa revigorou com fim da carcinicultura

Quem me explicou tudo isso, no dia seguinte a minha ida a Arez, foi Gustavo Szilagyi, geógrafo, mestre em desenvolvimento regional, professor universitário, ex-diretor do IDEMA e atual supervisor de fiscalização ambiental da prefeitura de Natal.
Segundo ele, “A APA Bomfim-Guaraíras é da categoria de uso sustentável. É administrada pelo IDEMA e teve por principal objetivo salvaguardar e manter os recursos hídricos. É uma APA muito extensa. Envolve também a Mata Atlântica, extremamente importante para o Estado, pois na Lagoa do Bomfim é de onde parte a adutora Monsenhor Expedito, que abastece 23 municípios da região Agreste e Trairi. E essa APA ainda não tem um plano de manejo, não está regulamentada”.
A Ilha do Flamengo também é um importante berçário de aves silvestres.
Gustavo foi professor de Eclécio, nosso guia na jornada e morador de um sítio deslumbrante às margens da Lagoa.
O jovem de 20 anos empunhava um facão e nos explicava as dificuldades enfrentadas para manter o equilíbrio ambiental na redondeza.
“Nossa maior dificuldade aqui é a questão do desmatamento e do cuidado com o lixo. Um exemplo disso é que algumas pessoas utilizam a Lagoa de Guaraíras para divertimento no final de semana, mas deixam garrafas e sacolas plásticas na margem. Aí a maré enche e as correntes marítimas levam para outro espaço. Isso polui o mangue, alguns animais comem esse lixo. Aqui já aconteceu de tartaruga, que sempre tem entrado na Lagoa, comer esse lixo e morrer. E nas matas é o desmatamento, com frequência”.
Na medida em que nos aproximávamos da Ilha, o solo amolecia, com aquela pasta acinzentada e odorenta cada vez mais acima da canela. Para firmar o pé era preciso enfrentar uma espécie de corredor polonês de mariscos sob a lama. Qualquer vacilo, abriria um talho.
Ilha das lendas
Um dos cronistas holandeses da época das Invasões, Joan Nieuhof permaneceu no Brasil entre 1640 e 1649, a serviço da Companhia das Índias Ocidentais.
Assim ele descreveu a Ilha do Flamengo, em seu livro Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil:
“No lago de Groaíras, há uma quantidade incrível de peixes e a região produz farinha em grande escala. Daí vieram os fartos abastecimentos de carne e peixe para as nossas guarnições da Paraíba e outras partes, durante a rebelião dos portugueses”.
Em língua indígena, Guará significa ‘Pássaro’, e Iras, ‘peixe’.
Senhores da Ilha, os holandeses edificaram uma casa-forte no alto do terreno, voltada para onde fica a atual Tibau do Sul.

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Ilha do Flamengo fica na Área de Preservação Ambiental Bomfim-Guaraíras

Duas trincheiras de tropas luso-brasileiras, comandadas pelo ‘governador dos pretos’ Henrique Dias, massacraram 40 neerlandeses e um sem número de índios e escravos africanos “[…] não perdoando o sexo nem a idade”, segundo relato do Frei Rafael de Jesus.
O confronto durou toda a madrugada de 06 de janeiro de 1648, e somente cinco holandeses conseguiram fugir.
Trinta anos após a matança, os jesuítas fundaram a aldeia de Guaraíras – apesar dela existir em caráter oficioso desde 1647.
Seria a origem oficial de Arez.
E de lendas, como a existência de tesouros enterrados e de espíritos dos mortos na batalha a vagar e atormentar curiosos.
Semanas após a leitura de Luís da Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Olavo de Medeiros Filho, Marlene da Silva e Luiz Eduardo Brandão Suassuna e do Monsenhor Paulo Heroncio de Melo, venci o mangue o cheguei a Ilha do Flamengo.
Logo de cara, uma triste constatação: garrafas pet, copos d’água, sacolas de supermercado, latas de cerveja e até um sapato nos lembravam de que a besta humana é incansável, incurável e chega aos recantos mais impossíveis.

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Lixo abandonado por frequentadores da Lagoa chega ao coração da Ilha

Uma trilha íngreme força o visitante a pensar que todo esforço é pouco para vivenciar um lugar místico, com resquícios de um passado que o poder público insiste em nos negar.
Dois minutos antes de chegarmos ao centro da Ilha, vejo o buraco profundo cavado por um antigo morador, após sonhar com moedas de ouro enterradas nos Seiscentos – algo comum durante os séculos de colonização das Américas.
Um urubu nos assusta, ao sair do buraco fantasmagórico.
Até que descemos uma encosta, diante de uma gameleira imponente, onde restos do fortim holandês estão incrustrados.
Se isso gera pouca ou nenhuma emoção em quem toma conhecimento dessas histórias através de livros ou pela boca de algum conhecido, lamento bastante.
Porque, para mim, ter a oportunidade de saltar das páginas impressas e sentir a brisa, o cheiro, o calor, em meio àquelas plantas tropicais, como sentiu um holandês do século XVII, teve algo mágico, algo inexplicável nesta nota alongada de Sábado de Aleluia.
Cansados, fizemos o percurso de volta com pressa – o nativo Ricardo desconhecia a Ilha naquela condição.
Tínhamos um canhão, um cemitério e algumas pessoas para conhecer.
A cidade
A Ilha do Flamengo fica no distrito de Patané (de Pati-Hé, Palmeira ruim, que dá frutos mirrados), coisa de cinco minutos do centro de Arez.

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Arez é bucólica, pacata, com encantos inesperados

Como em todo lugar, existe um ranço entre a sede do município e seus ‘afluentes’ – assim como o natalense da Zona Sul debocha do da Zona Norte e com mossoroenses.
Uma besteira sem tamanho.
Sei que a tarde iniciava, senhoras mostravam sua arte em renda de labirinto nas calçadas e o dindim de mangaba (R$0,75) amenizava a fúria do Astro-Rei.
Fomos ouvir o prefeito Erço de Oliveira Paiva, em seu ultimo ano de administração.
Indagamos sobre o que foi feito nesses quase oito anos de gestão para divulgar a cidade, oferecer estrutura aos forasteiros e revelar a riqueza cultural do entorno às crianças aresenses.
Eis sua resposta:
“Nós sabemos que a cultura é importante, a história, a tradição deve ser preservada. Com relação a Ilha do Flamengo, há um projeto nosso de fazer um terminal turístico. Já existe o projeto. Isso demanda uma parceria com o Ministério do Turismo, mas com essa crise a gente não conseguiu ainda alguma verba”.
O prefeito informa que seriam necessários quase dois milhões de reais para a construção do terminal e que sente orgulho em guiar o destino de um lugar de história tão rica.

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Peça de artilharia holandesa fica na praça central

Do canhão ao frontal
Após a breve entrevista, conhecemos o frontal do cemitério de Arez, bloco arquitetônico em estilo rococó dos mais impressionantes neste Estado, construído pelo Frei Herculano, em 1882.
O Frei nasceu Hermenegildo Vieira da Costa, em Uiraúna, na Paraíba. Ordenado sacerdote pelo Seminário de Olinda, ele mudou de nome e peregrinou pelos dois Estados, vestido com o hábito de são Francisco.
As colunas da ordem coríntia dividem o frontal em cinco partes, com arcada central de acesso (o portão original foi roubado) e quatro painéis ornamentados para nos congelar, diante tanta beleza.
O monumento é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN.
Bem perto dali, como um conjunto de obras emolduradas por um céu azulado e gente sorridente, a praça central e a Igreja Matriz nos obrigou a postergar a volta no horário programado.
Da conversa de mais de uma hora que tivemos com o tabelião Giovany Teixeira de Menezes (foto), homem viajado e de raro nível intelectual, saíram os pormenores que acercam Arez como uma realidade incompleta.

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Tabelião Giovany Teixeira é natalense, mas mora em Arez desde 1993

“O canhão, na verdade, se você observar, é diferente daqueles que tem lá no Forte dos Reis Magos. Outros só existem lá em Pernambuco ou aqui na Paraíba. E Arez tem um canhão. O que me chama atenção é que, certa vez, fui visitar a Europa e fui no museu da guerra em Paris e vi que os canhões de lá são iguaizinhos ao que tem aqui. Portugal não produzia armamento. Todo armamento que a Coroa tinha era comprado dos franceses ou dos ingleses. E o daqui de Arez não é característico dos portugueses e, sim, dos holandeses. Era uma coisa abandonada, não tinha valor nenhum, vivia jogado no meio da rua. Era uma coisa que ninguém queria, que servia de banco de pracinha. Foi na administração de um prefeito nos anos 1970, chamado José Ferreira, que colocaram naquele lugar e deram cuidado. Mas fizeram uma coisa que não deveria ter sido feita: entupiram de cimento, para que não ninguém jogasse lixo dentro do canhão”.
Um hipotético segundo canhão protagoniza outra lenda aresense.
Giovany diz que antigos moradores, via tradição oral, juravam que ele existiu e que o coronel João Aureliano de Lima, poderoso aliado de Aluízio Alves e primeiro prefeito da cidade (Arez foi alçada a essa categoria em 1938), teria escondido em sua fazenda.
Fato é que ninguém precisa o destino do objeto, cujo ‘irmão gêmeo’ decora a praça – ainda que Giovany acredite que o segundo canhão esteja na Ilha do Flamengo, soterrado pela mata.
“Eu não gostaria de fazer uma crítica a pessoa que está na prefeitura, mas, de um modo geral, a um descaso histórico. Eles não sabem o que é cultura. Não entendem o processo da cultura numa sociedade. Eles também não tiveram essa cultura, pois é preciso ter para dar valor a esse processo de transformação de um individuo. Quem administra um município que não abraça uma politica voltada para isso, simplesmente está fazendo papel de correntista de banco, só administrando conta corrente. Isso não é gestão, isso não é administração, não é desenvolver um município. É um faz de conta que eu administro e vocês fazem de conta que são administrados”.
No trajeto de volta para casa, pensei no que disse o tabelião.
Três técnicas em enfermagem falavam sem parar, no micro-ônibus sacolejante que gasta mais tempo entre Parnamirim e o viaduto de Ponta Negra do que de Arez até o início do engarrafamento da Grande Natal.
A empolgação das mulheres era total.
De repente, toca o celular de uma delas, sonorizado por uma música estridente que entendi ser um dos atuais forrós de sucesso.
“Diz!”.
Ela abriu um sorriso, olhou para as amigas.
“Não, faz tempo que já sai. Tu num sabe que só volto amanhã?”.
É o desejo de quem visita aquele pedaço de chão com tantas possibilidades outrora chamado Vila Nova de Arez.
Fotografias: John Nascimento

Do blog: http://tokdehistoria.com.br/
PONTA NEGRA NATAL
Ponta Negra Beach- NATAL / RN

Ponta Negra Beach / NATAL,RN.
Via: Aventura DeRocha
A VIDA

Por Wiliame Caldas*

A vida  é como uma planta
que as vezes dá bom fruto
mesmo em terras áridas.
Depende também do clima
do carinho e do adubo
e como a vida é cuidada.
As vezes nasce em terra boa
pelas mãos de que ama
e o fruto não tem sabor.
pois a planta cresce à toa
espalha demais suas ramas
pelo excesso de amor.
proteção demais desprotege
que tem tudo não dá valor
e a vida perde o sentido.
Com muito adubo só cresce
e seja no mundo que for
é mais um fruto perdido...

*Wíliame Caldas, professor e poeta de ipanguaçu/RN
(...) sempre na minha imaginação...
e nas entrelinhas dos meus versos!


quarta-feira, 30 de março de 2016

COMO SURGIU A EXPRESSÃO “CABRA DA PESTE”?

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Cabra da Peste – Setembro/2014 – illustrator – Fonte –https://creatore1987.wordpress.com/2014/09/22/ilustracao-cabra-da-peste/
Existe mais de uma versão para a origem da expressão, que até hoje possui duplo sentido. “Em geral, é usada para designar o sujeito destemido, mas também pode ser dita em tom de ofensa, quando a valentia vira prepotência”, diz o lingüista Flávio de Giorgio, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). No Dicionário do Folclore Brasileiro, o folclorista Luiz da Câmara Cascudo afirma que “cabra” era como os navegadores portugueses chamavam os índios que “ruminavam o bétel”, uma planta com folhas de mascar. Com o passar do tempo, o bicho pode ter virado sinônimo de homem forte por causa de seu leite, considerado mais denso e nutritivo que o da vaca. Tudo indica que a associação com “peste” surgiu por causa da má fama da cabra, considerada um animal simpático ao diabo na tradição sertaneja. Vale lembrar que os nordestinos também usam a palavra “peste” para nomear doenças graves.
Assim, o “cabra da peste” seria o sertanejo que sobreviveu superando todos os sofrimentos, “da dentição difícil, do sarampo certo, da caxumba, da desidratação inevitável, da catapora, da coqueluche, da maleita e do amarelão, e de tudo mais que atormenta a vida de um cristão nascido no Nordeste”, como sugere o folclorista Mário Souto Maior no livro Como Nasce um Cabra da Peste. “Por tudo isso, a expressão completa só deve ter surgido por volta do século 17”, afirma Flávio. Mas alguns especialistas defendem outra hipótese. A expressão seria uma variação de “cabra-de-peia”, também usada para indicar a valentia do nordestino, que apanhava sem reclamar. “Depois de açoitada com a peia (chicote), a vítima era obrigada a beijar o açoite na mão do seu algoz”, diz o etimologista Deonísio da Silva, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
ADENDO DO BLOG TOK DE HISTÓRIA – Segundo o ilutes amigo Iaperi Araújo, potiguar da cidade seridoense de São Vicente, artista plastico, escritor, médico e professor da UFRN, a expressão “Cabra de pêia” referia-se ao escravo que vivia atado pelos pés com uma pêia feita de coro de boi prá evitar a fugir. Nos jumentos, a pêia é um laço de couro que liga os dois pés dianteiros do animal com uma distancia curta entre eles, não permitindo fugas para lugares distantes, pela limitação de sua movimentação.

terça-feira, 29 de março de 2016




!O Espaço Cultural Palácio Potengi, ou simplesmente Palácio Potengi ou Palácio da Cultura, é um imponente prédio histórico que data do século XX localizado na Praça Sete de Setembro, na cidade de Natal, capital do estado do RN.O prédio, em estilo neoclássico, foi sede do governo até a década de 1980, e, antes disso, abrigou a Assembleia Provincial. O prédio é tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional."
 
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segunda-feira, 28 de março de 2016


O ATAQUE DE LAMPIÃO AO SÍTIO PONTA DA SERRA

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Bela e preservada casa do sítio Ponta da Serra, tendo ao fundo uma parte da Serra de Martins. Mantida em grande parte original é um dos locais mais interessantes que se mantém preservado no trajeto do ataque do bando de Lampião ao Rio Grande do Norte – Foto – Rivanildo Alexandrino.
Autor – Rostand Medeiros
Era uma sábado, dia 11 de junho de 1927, pelos sertões da região oeste do Rio Grande do Norte, em meio à mata de caatinga fechada, seguindo por caminhos que praticamente não eram frequentados por automóveis, uma turba de homens armados e montados em seus cavalos levantava poeira. Era Lampião que seguia em direção ao seu objetivo principal – a cidade de Mossoró.
Aquele era o segundo dia do grupo de cangaceiros em sua jornada avançando em terras potiguares. No dia anterior o grupo armado havia travado um combate em um lugar conhecido como Caiçara, onde fizeram uma guarnição de soldados debandarem, mataram um valente militar que não negou fogo e ainda atingiu mortalmente o cangaceiro Azulão. Depois percorreram várias propriedades rurais roubando, saqueando, depredando, sequestrando pessoas e espalhando uma onde de medo e terror[1].
Desde 2010 o autor deste texto percorreu algumas vezes o caminho que os cangaceiros de Lampião utilizaram para atacar Mossoró. É uma viagem muito interessante.
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Rostand Medeiros defronta a casa do sítio Ponta da Serra, invadida pelos cangaceiros de Lampião – Foto – Rivanildo Alexandrino.
Muitos dos locais que testemunharam os fatos não mais existem. Mais em outros pontos as pessoas preservam tenazmente estes ambientes, quase que teimando para que a história permaneça viva e fazendo tudo para que aqueles dias estranhos não sejam esquecidos.
Um destes locais é o sítio Ponta da Serra.
Buscando o Caminho dos Cangaceiros
Antes da chegada de Lampião a Ponta da Serra, baseado no que foi escrito, o último local visitado foi a propriedade Morada Nova, de Antônio Januário de Aquino.
Naqueles tempos longínquos, as áreas rurais entre a Morada Nova e a Ponta da Serra pertenciam respectivamente aos municípios de Pau dos Ferros e Martins, muito maiores em suas áreas territoriais do que são na atualidade[2].
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Mas para Lampião, guiado pelo bandoleiro Massilon Leite, aquilo pouco importava. O que importava era encontrar propriedades que valessem a prática do saque e do roubo. A partir da Morada Nova o bando aponta seu rumo em direção Nordeste, em direção a uma das mais belas e estruturadas propriedades da região.
Ao percorrer estes caminhos em pleno século XXI, utilizando GPS, a distância compreendida entre a Morada Nova e o próximo alvo dos cangaceiros, a Ponta da Serra, ficou em cerca de nove quilômetros.
Ao percorrer este caminho que separa as duas propriedades eu encontrei poucas casas onde poderia conseguir maiores informações e saber o que ficou desta memória. Tentava buscar saber com as pessoas da região alguma informação sobre outro possível local de ataque dos cangaceiros, que não houvesse sido listado anteriormente, ou apenas para saber o melhor rumo a tomar em direção ao sítio Ponta da Serra. Mas é uma área onde não se observa muita gente, um tanto inóspita, sombria mesmo.
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Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, na cidade de Martins, Rio Grande do Norte. Foi a zona rural deste município uma das áreas mais atacadas por lampião e seus cangaceiros quando estiveram no Rio Grande do Norte em 1927 – Foto – Ricardo Sávio Trigueiro de Morais
Se hoje é difícil achar um cristão naquelas veredas, na época de Lampião, segundo as informações coletadas junto aos atuais moradores da Morada Nova, este trecho era um verdadeiro deserto.
Segui com cautela, em meio a uma caatinga atemporal, com a paisagem ao fundo tomada pelo maciço da Serra de Martins, até que cheguei a BR-226, marco de modernidade que liga Pau dos Ferros a cidade de Antônio Martins[3]. Em certo trecho existe uma cancela a margem da rodovia federal e aquilo apontava que eu havia chegado a Ponta da Serra.
Corre Que Lampião Vem Aí!
Naquele antigo lugar “visitado” por Lampião eu percebi a razão da Ponta da Serra despontar como uma referência na região quando o assunto são casas antigas e preservadas.
Sua construção data do início do século XX chama a atenção pela imponência em meio a casas tão singelas e, segundo informações apuradas, o local está mantido em grande parte original. Outro fator extremamente positivo em relação a esta local se refere à própria beleza paisagística do ponto onde a mesma foi edificada. Defronte a antiga casa existe o açude Ponta da Serra e uma elevação denominada Serra do Macapá, com quase 500 metros de altitude, segundo informa o mapa produzido pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, da região de Pau dos Ferros, na escala de 1:100:000.
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Francisco Javier de Lucena, conhecido na cidade serrana de Martins como Dr. Lacy,, quando entrevistado em 2010 – Foto Junior Marcelino.
Segundo o médico aposentado Francisco Javier de Lucena, conhecido na cidade serrana de Martins como “Dr. Lacy”, esta residência era em sua opinião “-A mais original do todas as que existem no pé da Serra de Martins”.
Em 2010, apesar de um relativo problema de surdez, encontrei na cidade de Martins o Dr. Lacy muito altivo e lúcido e o nosso encontro se deu através do apoio do amigo Junior Marcelino.
O Dr. Lacy nasceu no dia 15 de julho de 1917, tinha quase dez anos de idade na época da passagem do bando de cangaceiros de Lampião pela região e comentou que na ocasião o seu pai, João Xavier da Cunha, era cunhado e trabalhava para o então proprietário do sítio Ponta da Serra, João Frutuoso da Silva.
Este se encontrava com a sua família na propriedade, quando recebeu o aviso da chegada de Lampião através de uma senhora chamada Idalina, o já famoso “Corre que Lampião vem aí!”. Esta senhora vivia em um sítio próximo denominado Tabuleiro de Areia.
Logo a esposa de João Frutuoso, dona Alexandrina, buscou guardar objetos de importância para serem transportadas em dois tradicionais caçuas. Estes são uma espécie de saco de grandes dimensões, feito de couro de boi, montados em uma cangalha no lombo de um jumento. Este animal foi conduzido por um trabalhador da fazenda, enquanto a família seguiria para a cidade de Martins em um veículo Ford de três marchas.
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Dr. Lacy relata que na cidade de Martins havia certo número de soldados e pessoas do lugar armadas, sendo levados para piquetes organizados nas ladeiras da região, para assim resistir contra alguma investida do bando. Na opinião do Dr. Lacy, mesmo com muitos moradores buscando refúgio no mato e o clima de medo reinante, a situação não desbancou para uma fuga desesperada naquela urbe, houve certa ordem em Martins.
Seu pai João Xavier, assim que soube da aproximação do bando, mandou um irmão chamado Manuel Galdino seguir da cidade e ajudar João Frutuoso na propriedade. O motorista devia descer pela ladeira que seguia pelos sítios Comissário e Vertentes. Este caminho rústico, feito em 1915 por uma firma inglesa que construía o açude do Corredor, não era nada fácil de ser trafegado naqueles rústicos veículos, pois possuía muitas curvas nos contrafortes da Serra de Martins. Mesmo assim o motorista partiu.
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8 de março de 1928-pág. 2-Relatório de despesas de martins- Copy (2)
Notas existentes na página 2, do jornal natalense “A República”, edição de quinta feira, 8 de março de 1928, onde quase um ano depois o então prefeito daquela cidade, o Sr. Emídio Fernandes de Carvalho apresentava os custos municipais com a presença do bando de Lampião na área rural de Martins – Fonte – Coleção Rostand Medeiros
Ao chegar ao sítio Ponta da Serra, Galdino encontrou seus tios e seu primo João Batista da Silva, tratando de sair do local. Em meio a toda confusão associada ao medo, ele rapidamente deu meia volta no veículo e partiu. Acabou deixando de transportar as três empregadas da casa, que ficaram desesperadas e desorientadas. Coisa mesmo de verdadeira comedia pastelão em meio ao caos.
Catinga da Mistura de Perfume Barato, Suor e Cachaça
Segundo Dr. Lacy, foi por muito pouco que os membros da família não foram capturados, pois logo após a saída dos veículos o bando a galope chegou. Ríspida e rapidamente os bandoleiros invadiram todas as dependências da casa, onde arrombaram gavetas, malas e quebraram utensílios.
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Defronte a casa grande do Sítio Ponta da Serra, esta é a visão que temos. O Açude Ponta da Serra e a Serra do Macapá – Foto – Rostand Medeiros
Defronte a casa existia um comércio que era tocado pelo filho de Frutuoso, logo este lugar foi arrombado, sendo consumidas as bebidas do estoque e várias mercadorias foram roubadas ou depredadas.
Na casa os cangaceiros, aquecidos pelo álcool, fizeram as três empregadas passarem por apertos. Devido o rápido retorno do veículo de Galdino e da chegada dos celerados na sequência, elas não tiveram tempo de fugir para os matos. Mas o pior foi evitado devido ao chamado de Lampião para que deixassem as mulheres em paz. O próprio chefe comunicou às empregadas que se houvesse capturado Frutuoso, ele só seria libertado mediante o pagamento de quarenta contos de réis, verdadeira fortuna para época, demonstrando o poder econômico do proprietário do lugar.
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Na casa os cangaceiros mexeram em uma grande e pesada mesa de madeira, quebrando as gavetas que nela existiam. Em um fogão de ferro fundido, fabricado na Inglaterra, os cangaceiros buscavam avidamente comida, mas nada encontraram. A mesa e o fogão continuam na Ponta da Serra marcando a passagem dos cangaceiros[4].
Enquanto o saque prosseguia foi capturado o agricultor Francisco Dias, do sítio Corredor, propriedade existente mais adiante. Perguntado qual a próxima propriedade na sequencia da vereda existente comentou ser a Morcego, a um quilômetro de distância, cujo dono era Manoel Raulino. Rapidamente Francisco Dias foi “promovido”, mesmo a contra gosto, a função de guia dos bandoleiros.
Tão violentamente e rápido como chegaram, satisfeitos com o butim, Lampião ordenou que a cabroeira seguisse adiante[5].
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Rostand Medeiros e o Dr. Lacy na cidade de Martins, 2010 – Foto – Junior Marcelino.
Logo aquele troço de uns 60 e tantos homens montaram em seus corcéis sertanejos e partiram. Seguiram altivos, coroados pelos seus chapéus de couro, transportando vistosamente suas armas, gritando, assoviando, proferindo palavrões, estalando chicotes e deixando no ar a catinga da mistura de perfume barato, suor e cachaça.
Varias outras propriedades foram assaltados, roubos aconteceram, destruições ocorreram, sequestros e mortes. Mas no dia 13 de junho de 1927 o povo de Mossoró resistiu galhardamente e Lampião e seus cangaceiros foram vencidos e fugiram sem conquistar a “Capital do Oeste”.
Hoje quase ninguém que viveu aquela época está neste plano para dar depoimentos, mas locais como o sítio Ponta da Serra são testemunhos daqueles dias incertos e devem ser preservados.
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Defronte a casa da Ponta da Serra em abril de 2014, com os amigos Silvio Coutinho e Rivanildo Alexandrino.
Em abril de 2014 eu estive novamente nesta residência, acompanhado do diretor de cinema Silvio Coutinho, do Rio de Janeiro, e do amigo Rivanildo Alexandrino, da cidade de Frutuoso Gomes (RN), durante as filmagens do documentário “Chapéu Estrelado”, atualmente em montagem.

NOTAS
[2] O sítio Morada Nova ainda está situado em terras que pertencem a Pau dos Ferros, sendo o único local que comprovadamente marca a passagem de Lampião neste município. Fui informado que a Morada Nova está situada a 18 quilômetros da sede municipal. Já a Ponta da Serra está na área territorial do município de Serrinha dos Pintos, tendo se desmembrado do município de Martins em 30 de outubro de 1993, através da Lei nº 6.492.
[3] Em 2010 esta estrada estrava em construção.
[4] Em abril de 2015 eu
[5] Na minha pesquisa percorrendo o caminho de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte utilizei os livros – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. Lampião e o Rio Grande do Norte: A história da grande jornada. Natal: Cartgrat Gráfica Editora, 2005. 454 p,
– FERNANDES, Raul. A Marcha de Lampião: Assalto a Mossoró. 6ª ed. Mossoró. Coleção Mossoroense, v. 1488. Série C, 2005.
– NONATO, Raimundo; Lampião em Mossoró. 6ª ed. Mossoró. Coleção Mossoroense, 2005.

ALICE WANDERLEY poetisa de ilustre familia do Assu poético. Tipo baixa, olhos negros, se não me engano. Conheci dona Alice já usando bengala...