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Como um simples informe sobre a venda de material militar usado pelo Exército Brasileiro e publicado logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, pode conter interessantes informações sobre este período da nossa História
Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN
A história é construída a partir das evidências do passado, utilizando as fontes existentes. Em um trabalho que se realiza sempre distanciado do período dos acontecimentos focados.
E em uma busca como essa os pequenos detalhes de fontes mais amplas poderiam ajudar a conhecer a história de uma região e dos acontecimentos de uma determinada época?
Com certeza!
São pequenas peças que surgem e se unem a outras informações e que ajudam a formar um interessante quebra cabeças. Tudo isso só aumenta o conhecimento.
Aqui trazemos o exemplo de um simples informe sobre a venda de material militar usado pelo Exército Brasileiro em Natal, dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Na sexta-feira, 30 de maio de 1947, surgiu nos jornais da capital potiguar uma nota informando que o comando do 1° Grupo do 3° Regimento de Artilharia Antiaérea, colocava a venda em hasta pública doze caminhões da marca “Thornycroft”. O negócio seria efetuado na sede da unidade militar naquele mesmo dia, as nove da manhã. As máquinas foram consideradas “sucatas” e avaliadas em Cr$ 8.000,00 (Oito mil cruzeiros). A nota era assinada pelo 1° tenente José do Patrocínio Nogueira, da arma de Intendência.
Mas o que isso tudo significava?
Como todos nós sabemos o Brasil havia participado da Segunda Guerra Mundial, sendo Natal a cidade mais militarizada do país. Na verdade a mais militarizada da América do Sul.
Nos primeiros anos da década de 1940 o Exército Brasileiro deslocou, ou criou, algumas unidades militares para proteger a cidade e a região de algum ataque das potências do Eixo. Entre estas unidades estava o 1° Grupo do 3° Regimento de Artilharia Antiaérea, ou 1/3° RAAAe.
Esta unidade militar do Exército Brasileiro foi criada em 1940 e tinha sua sede na cidade de Santa Cruz, Rio de Janeiro. Como principal armamento o 1/3° RAAAe possuía os canhões antiaéreos 88 mm C/56, da fábrica Krupp, de Essen, Alemanha. Esse é o conhecido e temido Flak 88 (Flugabwehrkanone 88), provavelmente a peça de artilharia mais lembrada da Segunda Guerra Mundial.
A primeira vez que o Flak de 88 milímetros combateu foi em 1936 na Espanha, durante a Guerra Civil que arrasou aquela nação. Devido à sua alta velocidade e um projétil pesado e eficiente, esta arma provou ser não apenas uma excelente arma antiaérea, mas também um assassino de tanques. O governo de Getúlio Vargas havia adquirido dos germânicos várias destas peças, quando as nossas relações diplomáticas ainda eram normais com aquele país que se tornou nosso principal inimigo durante a Guerra.
Em Natal o 1/3° RAAAe chegou nos primeiros meses de 1942 e tinha seu aquartelamento onde atualmente se encontra as edificações e estruturas do 17° Grupamento de Artilharia de Campanha (17° GAC), na região do atual bairro de Santos Reis e próximo a foz do rio Potengi.
O 1/3° RAAAe possuía duas baterias de tiro, com quatro canhões Flak 88 cada uma. Uma destas unidades ficava protegendo Parnamirim Field de algum improvável ataque aéreo e as outras quatro ficavam na área da praia de Santa Rita, pertinho das dunas de Genipabu. Nesta última posição estes canhões protegiam a pequena área urbana da capital potiguar, a Base Naval de Natal (então em construção) e a área da base de hidroaviões da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) no salgado rio Potengi. Esta última unidade militar era oficialmente denominada pelos americanos como Naval Air Facility-Natal (NAF-Natal), mas que se notabilizou entre os natalenses como “Rampa”, pelas rampas de acesso utilizadas para a retirada e entrada de hidroaviões no rio.
Já os canhões Flak 88 desta unidade provavelmente eram rebocados pelos caminhões Thornycroft. Estes por sua vez eram caminhões de fabricação inglesa, de três toneladas, do modelo Thornycroft Tartar 6, fabricados em 1937, ou 38, pela empresa Thornycroft Steam Carriege and Van Comapany, de Basingstone, condado de Hampshire, sudeste da Inglaterra.
O Exercito Brasileiro adquiriu doze unidades desse modelo apenas com os chassis, fabricando localmente as carrocerias de madeira. Estas máquinas robustas foram importadas para transportar originalmente doze canhões St. Chamond, de 75 mm, modelo 1922, fabricados pela empresa Sheneider-Creusot, da comuna de Le Creusot, sudeste da França.
O interessante é que estes caminhões ingleses não rebocavam os canhões franceses, mas os transportavam nas carrocerias, no “lombo”, como se dizia. Por isso as suas carrocerias eram estendidas para transportar o canhão, que era relativamente pequeno, e mais seis soldados.
Como esses caminhões provavelmente circularam rebocando os Flak 88 na área da praia de Santa Rita, ou na região da praia do Forte, conforme podemos ver na foto abaixo, fica muito fácil para um potiguar entender porque estes caminhões foram vendidos como “sucatas”!
A alta salinidade existente nas águas do nosso litoral, que tanta dor de cabeça trás aos proprietários de veículos em Natal e região nos dias atuais, bem como a precariedade das estradas, devem ter deixado os caminhões ingleses só o caco.
Infelizmente não consegui encontrar detalhes do comprador destas “sucatas”.
Para finalizar a análise deste simples anúncio de venda, eu não descobri muita coisa sobre o 1° tenente José do Patrocínio Nogueira.
Mas através das informações do sitehttp://haydeeferreira.blogspot.com.br, mantido pela sua sobrinha, a arquiteta piauiense Haydée Ferreira, e de outras fontes, eu soube que o tenente José do Patrocínio Nogueira iniciou sua carreira na Escola Militar Preparatória de Fortaleza, Ceará, em 1942 (Junto com o potiguar José Gurgel Guará), onde depois foi encaminhado para Natal. Na sequência serviu em Belém e Belo Horizonte, foi professor do Quadro do Magistério Militar do Exército, chegou a coronel em 1972 e faleceu em 2001 em Fortaleza.
Estas até podem não ser informações de relevo, substanciais. Mas é assim, sem nunca desprezar as pequenas peças do quebra-cabeça, que é feito o estudo da História.