POR O SANTO OFÍCIO | 9 MAIO, 2009
Franklin Jorge
Assu — Há cerca de trinta anos o historiador e poeta Francisco Amorim publicava aquele que seria, ao lado de “História do Teatro no Assu” e da “História da Imprensa no Assu”, o seu livro mais importante a que deu o título de “Assu de Minha Meninice”, rapidamente tornado uma raridade bibliográfica e um significativo documento etnográfico, digno de figurar no acervo de todas as bibliotecas de sua terra natal e do Rio Grande do Norte, num incentivo a que outros escrevam a própria história e descrevam o meio em que foram criados segundo o velho costume da terra.
Um livro canônico, pelo que entesoura em suas páginas escritas com a tinta da simplicidade, do encantamento e da evocação. “Assu de Minha Meninice” junta-se aos clássicos saídos da lavra intelectual do mestre Manoel Rodrigues de Melo e ao “Tradições e Costumes do Vale do Açu”, de Maria Eugênia Maceira Montenegro, que adota nova grafia da palavra tradicionalmente assu, reacendendo uma polêmica surda que se arrasta há gerações.
“Saudade, Teu Nome é Menina” – sub-intitulado “memórias de uma menina feia” – e “Assu de Minha Meninice” pertencem ao mesmo filão emocional e afetivo e revelam, segundo experiências humanas tão diversas e semelhantes, duas histórias de vida contadas com precisão e energia carismática. Porém, neste artigo, atenhamo-nos com Chisquito, Francisco Augusto Caldas de Amorim, decano dos jornalistas norte-rio-grandenses, remanescente do prelo de “A Semana”, jornal que, sem pausas nem feriados, registrou crônica dos tempos e o cotidiano da cidade do Assu em todas as suas nuanças, em seu pitoresco, em seu heroísmo, no seu espírito alegre e moço, em busca da luz.
“Assu de Minha Meninice” [Edições Clima, Natal...] traz de novo à vida, por muitas gerações a segunda cidade mais importante do estado, berço de uma representação intelectual que dominou as letras e a política, na Colônia e no Império – os Wanderley, com os quais todas as demais famílias do Assu têm parentesco e laços forjados pelos casamentos e sucessões.
Aos nove anos Chisquito escrevia o seu primeiro jornal, significativamente chamado de “O Trabalho”, pois aprendera a manejar o compunidor e dispunha os tipos sem atrapalhar-se e sem cometer gralhas na página impressa. Desasnara e aprendera a ler com a famosa professora Dona Aguidazinha, que usava a palmatória, eficaz no aprendizado de alunos mais recalcitrantes ou indisciplinados.
Chisquito não sabe, mas escreve para futuros leitores. Dominado pela memória de sua meninice, traz a cidade antiga de volta ao presente, ao evocar-lhe as personagens, os acontecimentos, os costumes, toda a mitologia afetiva que persiste em seus sonhos de velho. Chisquito, arrastando os pés cansados, parando na calçada do Café São Luiz, quando em Natal; transportando-se de casa para algumas horas de carteado, num dos tradicionais cassinos do Assu. Vivendo, aí, em casarões que recebeu em herança do pai, cobertos de azulejos portugueses.
Em seu livro, Chisquito abre-nos a todos a porta de um mundo mágico reconstruído em palavras embebidas, como diria Shakespeare, no leite da ternura humana. Nele, todo o passado volta a viver, ressuscitado pela memória dos primeiros dias e das primeiras experiências hauridas em contato com a pluralidade da vida.
Soube que o professor Marcel Matias está estudando com os seus alunos do CEFET autores do Vale do Assu. Autores como Chisquito, Maria Eugênia, Manoel Rodrigues de Melo, Jorge Antonio. Autores que viram o Vale e o fixaram com olho clínico ou sentimental, segundo particularidades muito nítidas na leitura da obra individual, elaborada por seus autores em diversos gêneros e sob as mais diversas abordagens. Salvo seja.