Miguel Srougi
Miguel Srougi,
52, é professor titular de urologia da Escola Paulista de
Medicina – UNIFESP e pós-graduado em urologia pela Universidade
de Harvard (EUA).
Marcel Aymé
dizia que a história da vida invariavelmente termina mal.
Além da decadência física e do espectro da morte,
os homens ainda enfrentam o tormento das doenças da próstata,
pequena glândula situada na saída da bexiga e que produz
o esperma, líquido que transporta os espermatozóides
no momento da ejaculação.
Por que esta estrutura
tão diminuta, que pesa 15 g (o equivalente a apenas 0,0002%
do nosso peso!) causa tanta comoção nos homens e na
ciência médica? Erroneamente, porque desde tempos primordiais
atribui-se a próstata os dons de controlar a função
e o prazer sexual, atributos que ela definitivamente não
tem. Corretamente, porque esta glândula pode ser envolvida
por dois problemas freqüentes e distintos, ambos de conseqüências
negativas para a quantidade e qualidade de vida de seus portadores.
Em primeiro lugar,
a próstata pode originar o câncer mais comum do homem,
que atingirá um em cada 6 indivíduos que viverem até
os 75 anos e não poupará nenhum que sobreviver até
100 anos.
Além do câncer,
outra doença pode acometer a próstata. Quase todos
os homens apresentam, após os 40 anos de idade, um crescimento
benigno da glândula, chamado de hiperplasia ou hipertrofia
prostática. Este crescimento, sem nenhuma relação
com o câncer local, estrangula a luz do canal uretral e cria
graus variados de dificuldade para se expelir a urina. Nos casos
extremos torna-se necessária uma cirurgia para aliviar o
padecimento urinário.
A freqüência
do crescimento benigno da próstata aumenta com a idade, assim
como os riscos de uma intervenção cirúrgica
local (gráfico). As chances de um homem com idade entre 60
e 70 anos apresentar hiperplasia benigna e necessitar de cirurgia
para contornar o problema, são, respectivamente, da ordem
de 80% e 10%, números incômodos até para o menos
convicto dos hipocondríacos.
Além do sofrimento
físico que impõe aos seus portadores, o crescimento
da próstata tem implicações econômicas
que não podem ser menosprezadas. Estatísticas publicadas
pela Organização Mundial da Saúde indicam que
em 1996 gastou-se no mundo 280 milhões de dólares
com medicações para tratar o problema. Nos Estados
Unidos, onde existem cerca de 30 milhões de homens com mais
de 50 anos de idade, são dispendidos 2 bilhões de
dólares a cada ano para o diagnóstico e tratamento
do crescimento benigno da próstata, quase 20% do total de
dinheiro destinado à Saúde anualmente em nosso país.
Se levarmos em conta que o Brasil tinha em 1996 mais de 12 milhões
de homens nesta faixa etária e que este número dobrará
em 20 anos, fica fácil entender o impacto econômico
negativo que uma única doença exercerá sobre
a nossa sociedade.
As causas do crescimento
benigno da próstata não são completamente conhecidas
mas sabe-se que alguns fatores aumentam os riscos de aparecimento
do problema. As evidencias sobre a transmissão hereditária
da doença são contraditórias mas levantamento
realizado recentemente na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos,
demonstrou que a hiperplasia prostática é três
vezes mais comum em homens cujos pais foram submetidos à
cirurgia da próstata. Por outro lado, observou-se que a necessidade
de uma intervenção cirúrgica local é
50% menor em fumantes e em indivíduos obesos. Duas explicações
são dadas para esta observação. A otimista
e inédita, o fumo e a obesidade impedem o crescimento da
próstata. Inédita porque pela primeira vez em medicina
estaria sendo provado que o hábito de fumar e o excesso de
peso fazem bem à saúde. A segunda explicação,
menos grandiosa e mais plausível, é que tanto fumantes
como obesos tem a mesma propensão que os demais homens ao
crescimento prostático, apenas sofrem menos cirurgias por
não viverem o suficiente para tanto ou por receio dos médicos
de enfrentar casos de maior risco cirúrgico.
Embora quase todos
os homens estejam destinados a apresentar sintomas relacionados
com o crescimento da próstata, apenas em 30% ou 40% deles
as manifestações tornam-se mais significativas e inconvenientes.
Incluem-se aqui o enfraquecimento do jato de urina, o aumento do
número de micções durante o dia e, principalmente,
à noite, graus variados de urgência para urinar e desconforto
no baixo ventre quando a bexiga está cheia. Vale notar que
estas manifestações são oscilantes, com períodos
de melhora espontânea que se intercalam com outros de exacerbação
dos sintomas. Neste sentido, vários estudos realizados com
pacientes portadores de crescimento prostático demonstraram,
de forma coerente, que cerca de 30% deles apresentam melhora dos
sintomas urinários quando reavaliados após 4 ou 5
anos. Infelizmente, neste mesmo período um terço dos
casos sofre deterioração do quadro exigindo tratamento
medicamentoso ou cirúrgico.
Manifestações
clínicas semelhantes podem surgir nos pacientes com câncer
da próstata. A distinção entre os casos de
crescimento benigno ou maligno pode ser feita com precisão
pelo especialista, através do toque da próstata e
das dosagens no sangue do antígeno prostático específico
(PSA). Felizmente, a grande maioria dos homens com dificuldade urinária
apresenta quadros de hiperplasia benigna, o que, de qualquer forma,
não deve servir de escusa para tais indivíduos fugirem
de uma avaliação médica periódica.
Outras doenças
podem produzir sintomas urinários e simular doenças
da próstata, como, por exemplo, enfermidades neurológicas
que afetam a bexiga e alguns casos de câncer da bexiga. Não
só os pacientes mas também os médicos devem
reconhecer estas situações, de modo a evitar que tais
casos sejam tratados indevidamente.
Como conseqüência
do crescimento prostático, alguns pacientes podem apresentar
bloqueio completo da uretra, quadro bastante desconfortável
conhecido como retenção urinária. Felizmente
esta complicação surge em apenas 7 de cada 1000 homens
maduros e, na maioria das vezes, reverte-se espontaneamente após
alguns dias. Vale lembrar que a retenção urinária
pode ser precipitada por algumas medicações, principalmente
descongestionantes nasais, agentes anestésicos e drogas anti-drepressivas,
que , por isto, devem ser empregadas parcimoniosamente em portadores
de crescimento prostático.
Com o objetivo de
definir a magnitude da obstrução prostática
e a necessidade de tratamento, a Associação Americana
de Urologia estabeleceu em 1993 um questionário, cujas respostas
são traduzidas por uma escala numérica (quadro). Quando
a soma de pontos situa-se entre 0 e 7, o processo obstrutivo é
considerado de pouco significado, não exigindo qualquer ação
médica. Homens com pontuação entre 8 e 19 vivem,
em geral, de forma mais desconfortável e alguns requerem
tratamento, que neste grupo costuma ser feito com medicações.
Já nos pacientes com a soma de pontos maior que 19, quase
sempre a qualidade de vida está comprometida e o padecimento
só pode ser aliviado definitivamente através de cirurgia.
Gostaria de reafirmar
que o tratamento da hiperplasia benigna da próstata somente
deve ser instituído quando os sintomas urinários são
proeminentes. A existência de manifestações
discretas e toleráveis não justifica a realização
de qualquer tratamento, mesmo quando a próstata apresenta
aumento mais significativo de tamanho. Certos especialistas, muitas
vezes por excesso de zelo, algumas vezes por outro tipo de excesso,
costumam indicar a remoção cirúrgica da glândula
sempre que ela está aumentada, com o argumento de que estariam
sendo prevenidos problemas futuros. Esta posição é
inconsistente, já que atualmente as intervenções
prostáticas podem ser realizadas com segurança em
homens de qualquer idade. Além do mais, não existiriam
filas, hospitais e dinheiro suficientes, se todos os homens com
crescimento assintomático da próstata passarem a ser
tratados com medicações ou cirurgia.
Quando se opta pelo
tratamento medicamentoso, os especialistas tem à disposição
três grupos de agentes: os bloqueadores adrenérgicos
(doxazocina, tansulozina e outros), os inibidores hormonais (finasterida)
e os fitoterápicos (Saw palmetto, Pygeum africanum e outros).
Estes produtos tem eficiência moderada, promovendo melhora
dos sintomas urinários em 30 a 60% dos casos. Como 10 a 15%
dos pacientes tratados desenvolvem distúrbios na esfera sexual
e na regulação da pressão sangüínea,
não se justifica a utilização indiscriminada
destes medicamentos. Mesmo levando em conta que os efeitos colaterais
são reversíveis, o tratamento com estes agentes só
deve ser instituído quando o quadro urinário tem certa
relevância clínica.
A terapêutica
cirúrgica da hiperplasia benigna é recomendada quando
o desconforto urinário está comprometendo a qualidade
de vida do homem. A intervenção pode ser realizada
através de incisão abdominal (cirurgia aberta) ou
pelo canal uretral (cirurgia endoscópica), esta última
mais cômoda por dispensar uma incisão cutânea,
mas exeqüível apenas em glândulas com crescimento
moderado, menores de 80g.
Quando realizadas
apropriadamente, estas intervenções acompanham-se
de sucesso em cerca de 90% dos pacientes. Infelizmente, em 10% dos
casos os sintomas que levaram à cirurgia mantém-se
inalterados ou podem reaparecer, em decorrência de estreitamentos
do canal uretral causados pela intervenção ou em conseqüência
de mal funcionamento da bexiga, comprometida pela sua luta prolongada
contra a obstrução prostática. Ademais, as
cirurgias da próstata podem se acompanhar de seqüelas,
algumas de fácil adaptação, como o orgasmo
seco, que se manifesta em 70 a 95% dos pacientes, e outras mais
indesejáveis, como incontinência ou a perda involuntária
de urina, que ocorre em 0,5 a 3% dos casos.
Uma palavra sobre
a possibilidade de impotência sexual, implicada com as cirurgias
prostáticas. Esta complicação, caracterizada
pela incapacidade de se obter a erecção peniana apesar
do orgasmo preservado, costuma surgir nos pacientes operados de
câncer local, atingindo 25% dos homens com menos de 55 anos
de idade e 60% daqueles com mais de 65 anos. Por outro lado, a literatura
médica revela que impotência ocorre em 0,5 a 5% dos
pacientes submetidos à cirurgia por crescimento benigno da
glândula. Com toda a suspeita que pode ter a opinião
de um cirurgião, atrevo-me a dizer que inexistem riscos de
impotência nas cirurgias de hiperplasia benigna. A meu ver,
os eventuais relatos de disfunção sexual notados em
tais casos, são gerados por outras causas que não
a intervenção. Neste sentido, gostaria de citar um
estudo realizado na Universidade de Queens, no Canada, com o objetivo
de avaliar a eficiência do tratamento medicamentoso da hiperplasia
prostática. Um dos grupos de pacientes recebeu cápsulas
que simulavam a medicação mas que continham apenas
farinha, ao final 6,3% deles queixaram-se de impotência. É
óbvio que fatores psicológicos e, talvez, uma certa
propensão, desencadearam a disfunção sexual
nestes casos e isto pode também ocorrer quando se institui
qualquer tratamento para o crescimento benigno da próstata,
incluindo a cirurgia.
Para terminar, uma
notícia auspiciosa. Talvez já seja possível
evitar o crescimento benigno da próstata. Alguns alimentos
provavelmente interferem com o crescimento desta glândula,
o que explicaria a menor freqüência do problema em homens
asiáticos. A soja, certos vegetais (tomate, brócolis,
feijão, ervilha, legumes) e algumas frutas (abóbora,
melancia) consumidos em larga escala nos países do extremo
oriente, promovem no organismo um acúmulo de enterolactonas,
daidzeina e genisteina, produtos que tem um efeito inibidor sobre
o crescimento prostático. A ingestão destes alimentos
talvez seja pouco útil para quem já tem sua próstata
crescida, mas poderia atenuar o desenvolvimento da glândula
quando praticada desde à adolescência.
Duas outras observações
de interesse prático foram feitas recentemente. Pesquisas
realizadas em Honolulu, no Havaí e em Rhode Island, nos Estados
Unidos, demonstraram que os riscos de uma cirurgia de próstata
são 50% menores nos homens que ingerem diariamente um copo
de vinho ou três copos de cerveja, quando comparados aos indivíduos
sem estes hábitos. Um outro estudo do Dr. Edward Giovannucci,
da Universidade de Harvard, demonstrou que homens que realizam 3
horas de exercícios físicos semanais tem menos sintomas
atribuíveis ao crescimento da próstata. Mesmo que
o valor real destas observações não tenha sido
perfeitamente esclarecido, acho que nada custa aos homens incorporarem
estes hábitos à sua vida. Na pior das hipóteses,
o incômodo prostático persistirá, todos continuarão
indo repetidamente ao banheiro, porém bem humorados e de
forma mais ágil.