segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ao crescimento benigno da próstata, um copo de vinho

 
Miguel Srougi

Miguel Srougi, 52, é professor titular de urologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP e pós-graduado em urologia pela Universidade de Harvard (EUA).

Marcel Aymé dizia que a história da vida invariavelmente termina mal. Além da decadência física e do espectro da morte, os homens ainda enfrentam o tormento das doenças da próstata, pequena glândula situada na saída da bexiga e que produz o esperma, líquido que transporta os espermatozóides no momento da ejaculação.

Por que esta estrutura tão diminuta, que pesa 15 g (o equivalente a apenas 0,0002% do nosso peso!) causa tanta comoção nos homens e na ciência médica? Erroneamente, porque desde tempos primordiais atribui-se a próstata os dons de controlar a função e o prazer sexual, atributos que ela definitivamente não tem. Corretamente, porque esta glândula pode ser envolvida por dois problemas freqüentes e distintos, ambos de conseqüências negativas para a quantidade e qualidade de vida de seus portadores.

Em primeiro lugar, a próstata pode originar o câncer mais comum do homem, que atingirá um em cada 6 indivíduos que viverem até os 75 anos e não poupará nenhum que sobreviver até 100 anos.
Além do câncer, outra doença pode acometer a próstata. Quase todos os homens apresentam, após os 40 anos de idade, um crescimento benigno da glândula, chamado de hiperplasia ou hipertrofia prostática. Este crescimento, sem nenhuma relação com o câncer local, estrangula a luz do canal uretral e cria graus variados de dificuldade para se expelir a urina. Nos casos extremos torna-se necessária uma cirurgia para aliviar o padecimento urinário.

A freqüência do crescimento benigno da próstata aumenta com a idade, assim como os riscos de uma intervenção cirúrgica local (gráfico). As chances de um homem com idade entre 60 e 70 anos apresentar hiperplasia benigna e necessitar de cirurgia para contornar o problema, são, respectivamente, da ordem de 80% e 10%, números incômodos até para o menos convicto dos hipocondríacos.

Além do sofrimento físico que impõe aos seus portadores, o crescimento da próstata tem implicações econômicas que não podem ser menosprezadas. Estatísticas publicadas pela Organização Mundial da Saúde indicam que em 1996 gastou-se no mundo 280 milhões de dólares com medicações para tratar o problema. Nos Estados Unidos, onde existem cerca de 30 milhões de homens com mais de 50 anos de idade, são dispendidos 2 bilhões de dólares a cada ano para o diagnóstico e tratamento do crescimento benigno da próstata, quase 20% do total de dinheiro destinado à Saúde anualmente em nosso país. Se levarmos em conta que o Brasil tinha em 1996 mais de 12 milhões de homens nesta faixa etária e que este número dobrará em 20 anos, fica fácil entender o impacto econômico negativo que uma única doença exercerá sobre a nossa sociedade.

As causas do crescimento benigno da próstata não são completamente conhecidas mas sabe-se que alguns fatores aumentam os riscos de aparecimento do problema. As evidencias sobre a transmissão hereditária da doença são contraditórias mas levantamento realizado recentemente na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos, demonstrou que a hiperplasia prostática é três vezes mais comum em homens cujos pais foram submetidos à cirurgia da próstata. Por outro lado, observou-se que a necessidade de uma intervenção cirúrgica local é 50% menor em fumantes e em indivíduos obesos. Duas explicações são dadas para esta observação. A otimista e inédita, o fumo e a obesidade impedem o crescimento da próstata. Inédita porque pela primeira vez em medicina estaria sendo provado que o hábito de fumar e o excesso de peso fazem bem à saúde. A segunda explicação, menos grandiosa e mais plausível, é que tanto fumantes como obesos tem a mesma propensão que os demais homens ao crescimento prostático, apenas sofrem menos cirurgias por não viverem o suficiente para tanto ou por receio dos médicos de enfrentar casos de maior risco cirúrgico.

Embora quase todos os homens estejam destinados a apresentar sintomas relacionados com o crescimento da próstata, apenas em 30% ou 40% deles as manifestações tornam-se mais significativas e inconvenientes. Incluem-se aqui o enfraquecimento do jato de urina, o aumento do número de micções durante o dia e, principalmente, à noite, graus variados de urgência para urinar e desconforto no baixo ventre quando a bexiga está cheia. Vale notar que estas manifestações são oscilantes, com períodos de melhora espontânea que se intercalam com outros de exacerbação dos sintomas. Neste sentido, vários estudos realizados com pacientes portadores de crescimento prostático demonstraram, de forma coerente, que cerca de 30% deles apresentam melhora dos sintomas urinários quando reavaliados após 4 ou 5 anos. Infelizmente, neste mesmo período um terço dos casos sofre deterioração do quadro exigindo tratamento medicamentoso ou cirúrgico.
Manifestações clínicas semelhantes podem surgir nos pacientes com câncer da próstata. A distinção entre os casos de crescimento benigno ou maligno pode ser feita com precisão pelo especialista, através do toque da próstata e das dosagens no sangue do antígeno prostático específico (PSA). Felizmente, a grande maioria dos homens com dificuldade urinária apresenta quadros de hiperplasia benigna, o que, de qualquer forma, não deve servir de escusa para tais indivíduos fugirem de uma avaliação médica periódica.

Outras doenças podem produzir sintomas urinários e simular doenças da próstata, como, por exemplo, enfermidades neurológicas que afetam a bexiga e alguns casos de câncer da bexiga. Não só os pacientes mas também os médicos devem reconhecer estas situações, de modo a evitar que tais casos sejam tratados indevidamente.

Como conseqüência do crescimento prostático, alguns pacientes podem apresentar bloqueio completo da uretra, quadro bastante desconfortável conhecido como retenção urinária. Felizmente esta complicação surge em apenas 7 de cada 1000 homens maduros e, na maioria das vezes, reverte-se espontaneamente após alguns dias. Vale lembrar que a retenção urinária pode ser precipitada por algumas medicações, principalmente descongestionantes nasais, agentes anestésicos e drogas anti-drepressivas, que , por isto, devem ser empregadas parcimoniosamente em portadores de crescimento prostático.

Com o objetivo de definir a magnitude da obstrução prostática e a necessidade de tratamento, a Associação Americana de Urologia estabeleceu em 1993 um questionário, cujas respostas são traduzidas por uma escala numérica (quadro). Quando a soma de pontos situa-se entre 0 e 7, o processo obstrutivo é considerado de pouco significado, não exigindo qualquer ação médica. Homens com pontuação entre 8 e 19 vivem, em geral, de forma mais desconfortável e alguns requerem tratamento, que neste grupo costuma ser feito com medicações. Já nos pacientes com a soma de pontos maior que 19, quase sempre a qualidade de vida está comprometida e o padecimento só pode ser aliviado definitivamente através de cirurgia.

Gostaria de reafirmar que o tratamento da hiperplasia benigna da próstata somente deve ser instituído quando os sintomas urinários são proeminentes. A existência de manifestações discretas e toleráveis não justifica a realização de qualquer tratamento, mesmo quando a próstata apresenta aumento mais significativo de tamanho. Certos especialistas, muitas vezes por excesso de zelo, algumas vezes por outro tipo de excesso, costumam indicar a remoção cirúrgica da glândula sempre que ela está aumentada, com o argumento de que estariam sendo prevenidos problemas futuros. Esta posição é inconsistente, já que atualmente as intervenções prostáticas podem ser realizadas com segurança em homens de qualquer idade. Além do mais, não existiriam filas, hospitais e dinheiro suficientes, se todos os homens com crescimento assintomático da próstata passarem a ser tratados com medicações ou cirurgia.

Quando se opta pelo tratamento medicamentoso, os especialistas tem à disposição três grupos de agentes: os bloqueadores adrenérgicos (doxazocina, tansulozina e outros), os inibidores hormonais (finasterida) e os fitoterápicos (Saw palmetto, Pygeum africanum e outros). Estes produtos tem eficiência moderada, promovendo melhora dos sintomas urinários em 30 a 60% dos casos. Como 10 a 15% dos pacientes tratados desenvolvem distúrbios na esfera sexual e na regulação da pressão sangüínea, não se justifica a utilização indiscriminada destes medicamentos. Mesmo levando em conta que os efeitos colaterais são reversíveis, o tratamento com estes agentes só deve ser instituído quando o quadro urinário tem certa relevância clínica.

A terapêutica cirúrgica da hiperplasia benigna é recomendada quando o desconforto urinário está comprometendo a qualidade de vida do homem. A intervenção pode ser realizada através de incisão abdominal (cirurgia aberta) ou pelo canal uretral (cirurgia endoscópica), esta última mais cômoda por dispensar uma incisão cutânea, mas exeqüível apenas em glândulas com crescimento moderado, menores de 80g.

Quando realizadas apropriadamente, estas intervenções acompanham-se de sucesso em cerca de 90% dos pacientes. Infelizmente, em 10% dos casos os sintomas que levaram à cirurgia mantém-se inalterados ou podem reaparecer, em decorrência de estreitamentos do canal uretral causados pela intervenção ou em conseqüência de mal funcionamento da bexiga, comprometida pela sua luta prolongada contra a obstrução prostática. Ademais, as cirurgias da próstata podem se acompanhar de seqüelas, algumas de fácil adaptação, como o orgasmo seco, que se manifesta em 70 a 95% dos pacientes, e outras mais indesejáveis, como incontinência ou a perda involuntária de urina, que ocorre em 0,5 a 3% dos casos.

Uma palavra sobre a possibilidade de impotência sexual, implicada com as cirurgias prostáticas. Esta complicação, caracterizada pela incapacidade de se obter a erecção peniana apesar do orgasmo preservado, costuma surgir nos pacientes operados de câncer local, atingindo 25% dos homens com menos de 55 anos de idade e 60% daqueles com mais de 65 anos. Por outro lado, a literatura médica revela que impotência ocorre em 0,5 a 5% dos pacientes submetidos à cirurgia por crescimento benigno da glândula. Com toda a suspeita que pode ter a opinião de um cirurgião, atrevo-me a dizer que inexistem riscos de impotência nas cirurgias de hiperplasia benigna. A meu ver, os eventuais relatos de disfunção sexual notados em tais casos, são gerados por outras causas que não a intervenção. Neste sentido, gostaria de citar um estudo realizado na Universidade de Queens, no Canada, com o objetivo de avaliar a eficiência do tratamento medicamentoso da hiperplasia prostática. Um dos grupos de pacientes recebeu cápsulas que simulavam a medicação mas que continham apenas farinha, ao final 6,3% deles queixaram-se de impotência. É óbvio que fatores psicológicos e, talvez, uma certa propensão, desencadearam a disfunção sexual nestes casos e isto pode também ocorrer quando se institui qualquer tratamento para o crescimento benigno da próstata, incluindo a cirurgia.

Para terminar, uma notícia auspiciosa. Talvez já seja possível evitar o crescimento benigno da próstata. Alguns alimentos provavelmente interferem com o crescimento desta glândula, o que explicaria a menor freqüência do problema em homens asiáticos. A soja, certos vegetais (tomate, brócolis, feijão, ervilha, legumes) e algumas frutas (abóbora, melancia) consumidos em larga escala nos países do extremo oriente, promovem no organismo um acúmulo de enterolactonas, daidzeina e genisteina, produtos que tem um efeito inibidor sobre o crescimento prostático. A ingestão destes alimentos talvez seja pouco útil para quem já tem sua próstata crescida, mas poderia atenuar o desenvolvimento da glândula quando praticada desde à adolescência.

Duas outras observações de interesse prático foram feitas recentemente. Pesquisas realizadas em Honolulu, no Havaí e em Rhode Island, nos Estados Unidos, demonstraram que os riscos de uma cirurgia de próstata são 50% menores nos homens que ingerem diariamente um copo de vinho ou três copos de cerveja, quando comparados aos indivíduos sem estes hábitos. Um outro estudo do Dr. Edward Giovannucci, da Universidade de Harvard, demonstrou que homens que realizam 3 horas de exercícios físicos semanais tem menos sintomas atribuíveis ao crescimento da próstata. Mesmo que o valor real destas observações não tenha sido perfeitamente esclarecido, acho que nada custa aos homens incorporarem estes hábitos à sua vida. Na pior das hipóteses, o incômodo prostático persistirá, todos continuarão indo repetidamente ao banheiro, porém bem humorados e de forma mais ágil.


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