Autoria original deste texto é do repórter Antônio Melo e as fotografias mais antigas foram feitas por Paulo Saulo, tendo o material sido publicado originalmente no Diário de Natal, nas edições de quarta feira, 5 de abril de 1967 (Pág. 4), e sábado, 8 de abril (Pág. 5).
TOK DE HISTÓRIA traz na íntegra a reprodução desta matéria jornalística que mostra como a tradição oral na cidade de Canguaretama informava sobre os ricos e interessantes episódios da rica história da região. Um exemplo é o Massacre da Igreja do Engenho Cunhaú, mesmo tendo passado 322 anos dos sangrentos episódios em 1967, eles eram narrados conforme haviam sido transmitidos pelos mais velhos da região.
Dedico o resgate e a democratização deste texto ao meu amigo Professor Francisco Galvão, um orgulhoso e dedicado filho de Canguaretama.
Boa leitura!
A seis quilômetros da cidade de Canguaretama e a um quilometro da estrada pavimentada que liga Natal àquela cidade, em meio a uma mata cerrada e quase intransponível, existe uma caverna com sete entradas, que sempre esteve, para os habitantes da região, cercada de mistérios e de estórias sobre “almas penadas”. Três denominações ela possui – “Gruta do Bode”, “Caverna das Sete Bocas” e “As Sete Bocas do Inferno”.
Poucos foram os que se aventuraram a atravessar aquelas bocas escuras, e menos dentre os moradores, gente simples cheia de crendices, daquela região aonde o progresso não chegou. No que concerne ao que os olhos humanos podem ver, existem morcegos enormes, de tamanhos variados, voando através das sete bocas e fazendo dos confins da caverna o seu refúgio. Quanto as “almas do outro mundo”…
Histórias e Estórias
Os moradores de Canguaretama e pessoas que residem mais perto da “Caverna das Sete Bocas” contam que, sempre souberam que foram os holandeses que ergueram aquela construção hoje misteriosa. As ruínas de uma velha cadeia no vizinho município de Vila Flor, e de uma igreja de eu hoje restam apenas as paredes carcomidas pelo tempo, tem fatos históricos que comprovam terem sido aqueles lugares palcos de enredos do período de ocupação holandesa no Nordeste brasileiro.
Mas tudo está envolvido com lendas, para o povo simples da região, e o real mistura-se ao irreal, não se sabendo onde termina a história e começa o lendário. Há pessoas que afirmam, jurando pelos nomes sagrados, terem visto aparecer ali, em noites em que foram obrigados a cruzar por aqueles caminhos próximos à gruta, fantasmas de antigos escravos e velhos senhores “que foram ricos e maus e hoje penam pelo mundo, à custa dos seus pecados”.
Traição e Morte
João Glicério é funcionário do Ministério da Agricultura e trabalha em propriedades a alguns quilômetros de Canguaretama pertencentes ao governo federal. Serviu de cicerone a reportagem do Diário de Natal e contou estórias sobre “As Sete Bocas do Inferno”. Uma dessas estórias diz respeito ao morticínio verificado na Igreja localizada no Engenho Cunhaú, cujo proprietário é o Sr. Hugo de Araujo Lima.
Conta Seu Glicério – “Por volta de 1637, quando os holandeses se encontravam no Nordeste, aconteceu que existia uma espécie de resistência contra os invasores, aqui pelo município. Essa revolta era comandada pelo Padre André de Several (SIC). Os holandeses tinham dificuldade de chegar ao Rio Grande do Norte, rico em minérios”.
“Certa noite veio ter com o Padre Several o comandante das forças invasoras sediadas em Paraíba, justamente em Baía da Traição. O comandante parece que se chamava Jacó Rabi e era tenente. Disse ao Padre que, à noite, viria trazer a população da cidade uma carta do governo do seu país, falando em termos de paz e anunciando vir tratar das condições para o estabelecimento definitivo no Brasil. O Padre reuniu toda gente daqui (71 pessoas ao todo, naquele tempo). Dessas 71, 69 foram para a Igreja e as duas restantes, um velho e uma senhora que havia dado à luz uma menina naquele dia, ficaram em casa”.
“À noite, o Padre fez uma preleção para os que estavam na Igreja, exaltando o sentimento patriótico de todos e a necessidade de cada um defender a terra contra o invasor. Mas pediu para tivesse um entendimento pacífico, sem derramamento de sangue. Após preleção a Igreja foi invadida por centenas de homens armados, do Exército holandês, que realizaram a matança, sem defesa, pois os moradores do lugar estavam sem armas, na ocasião. Morreram todos os 69, mais o Padre Several. Restaram o velho e a mulher que ficaram em casa. Esse morticínio ainda hoje (1967) rende muita estória na boca do povo de Canguaretama”.
Prisão de Escravos
Em Vila Flor, a nove quilômetros da “Caverna das Sete Bocas”, existe bem no centro da cidadezinha, uma velha cadeia, com paredes que têm um metro de espessura e quase 18 metros de altura. As ruinas encerram dois corredores e um salão principal, tendo no centro um mourão, grosso toco de madeira cravado no chão, com dois metros de altura. Tudo é vestígio de uma prisão, onde os detidos também eram açoitados naquele mourão.
Restos de madeiras em vários lugares da construção e a grande altura fazem imaginar que o prédio formado por dois pavimentos e que um deles, em virtude do tempo, tenha caído. As grades da velha cadeia foram retiradas e levadas para não se sabe onde. Uns dizem que foram para uma cadeia da Paraíba. As grades, dizem que eram feitas de bronze.
“Caverna das Sete Bocas” Encerra Estórias de Ouro
Após seguidas tentativas de chegar ao final do túnel das “As Sete Bocas do Inferno” (frustradas porque as “bocas” se encontram obstruídas pelos desmoronamentos contínuo das pedras), tomamos a única decisão cabível – a desistência. Voltamos ao centro da cidade de Canguaretama e tornamos as estórias das pessoas do lugar.
João Glicério, o nosso guia, ainda contava – “Os bandeirantes , quando da colonização do Brasil, retiraram ouro do País para levar para Portugal. Aqui em Canguaretama existia um homem que atendia pelo nome de Arcoverde, tinha muitos escravos (negros e índios) que alugava aos bandeirantes a troco de ouro. Ganhou muito ouro em troca de escravos”. E para onde foi esse ouro? Foi o que a reportagem quis saber de Seu Glicério.
O Ouro Enterrado
Seu Glicério contou sua estória, que não se sabe se tem base na verdade, ou cresceu em legenda na memória do povo.
“Soube Arcoverde que os holandeses, após a chacina do engenho Cunhaú, mostravam-se interessados no seu ouro. Vendo que não havia escapatória nem para si nem para o ouro, pegou um dos escravos, e mandou o homem enterrar sua fortuna. Foi o negro sozinho, pois os demais tinham caído em debandada, com medo dos holandeses”.
“O negro trabalhou sozinho toda uma noite. Arcoverde foi avisado de que os holandeses estavam a menos de uma légua e como o trabalho demorava, o senhor de escravos ordenou que o restante do ouro, ainda por enterrar, fosse jogado dentro de um açude, perto da cidade. Concluído o trabalho, Arcoverde chamou seu escravo a tomar uma cachacinha como paga do serviço”.
E continua Seu Glicério – “O preto estava muito cansado e estava enterrando as últimas cargas de ouro, quando seu dono pediu que apressasse o serviço, para ambos tomarem uma bebidinha. O negro animou-se e concluiu depressa a tarefa. Contente foi sentar para beber, não sabendo que havia veneno na bebida. Assim fizera Arcoverde, colocando também veneno no próprio copo. Ambos morreram, bebidos os primeiros goles. Senhor e escravo levaram o segredo do ouro, que os holandeses não levaram Dizem até que Arcoverde morreu sorrindo”.
As Moedas de Ouro
Habitantes de Canguaretama contam que, anos atrás, pessoas que realizavam reparos na Igreja de Cunhaú, encontraram ali algumas moedas de ouro. E afirma-se que elas faziam parte do tesouro enterrado de Arcoverde.
Um estudioso dinamarquês que reside em Natal e que pediu não disséssemos seu nome, compareceu, ontem, a redação do Diário de Natal, narrando o que disse ser resultados de seus estudos sobre a “Caverna das Sete Bocas” de Canguaretama.
Disse ele que a caverna é resultado de escavações realizadas pelos índios, à procura de pedra para seus machados, setas e outras armas de guerra e caça. Acredita o dinamarquês que as escavações datam muito antes da vinda dos holandeses para o Nordeste brasileiro, divergindo assim da memória oral do povo de Canguaretama.
Adiantou considerar “uma loucura” tentar penetrar naquela gruta pois ela poderia desabar e deve guardar animais venenosos eu seu interior, como serpentes.