sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

O Grande Ponto à meia-noite

Joanilo de Paula Rêgo

Há cidades, sítios, locais, lugares, praças e ruas, envolvidos por uma atmosfera singular e misteriosa, por uma aura sobrenatural e mágica, que lhes demarcam o espírito e a alma, o fluxo e a presença, a solidão e a vida.

Dizia Camus que Tipasa, no verão, era habitada pelos deuses. Para Manuel Bandeira, Pasárgada era outra civilização... Shangri-La, para James Hilton, era a visão transcendental do paraíso na terra, uma escala no caminho de Deus. Para Baudelaire, a magia e a beleza estavam em "algum lugar", naquele pedaço insinuado no seu "Invitation au Voyage".

Em Natal, o Grande Ponto é o território encantado onde vive a alma errante, boêmia e lírica, curiosa e loquaz, da gente natalense. É um simples cruzamento de ruas. Poderia ser um boulevard, talvez seja um calçadão. Por enquanto, ainda é aquela área que se delimita pela Praça Pio X, ao Sul, onde se alteia a nova Catedral; pela praça João Maria, ao Norte; pelo Café São Luís, ao Leste; e pelo Cinema Rex, a Oeste.

É o território profano de uma legenda sagrada, onde há várias décadas, gerações sucessivas elegeram aquele chão para pouso e escala das suas idas e vindas cotidianas ao trabalho e ao lazer. O Grande Ponto é a fusão, ou o "ménage à trois" da Rio Branco, Princesa Isabel e João Pessoa, justamente o epicentro do H, que forma o lendário, maldito, tradicional, eterno e imortal Grande Ponto.

Ali, é onde as coisas germinam e acontecem, onde elas adquirem vida, forma e notoriedade, principalmente a publicidade, o sussurro, o murmúrio, o comentário, a maledicência, sem que os fatos mais importantes se perderiam no vazio e os fatos mais triviais jamais alcançariam as manchetes.

Ali, aportam os sobreviventes do diuturno naufrágio, as vozes de todos quantos percorrem as ruas da cidade, no desfile processional de cada dia, os passos perdidos nas calçadas, as vozes dissolvidas no anonimato das multidões.

Onisciente e onipresente, o Grande Ponto comanda a vida da cidade e das pessoas, de seus habitantes e moradores, de seus transeuntes e turistas.

As coisas só acontecem e vivem se o Grande Ponto as registrar.

Os acontecimentos, ali, se vestem com as roupas do sensacionalismo e as fantasias do escândalo, ou se desnudam no "strip tease" de sua chocante tragicidade e beleza.

Ali, se sabe de tudo, de todas as verdades e mentiras, de todos os atos e fatos e boatos, e, o que não se sabe, logo se conta com as tintas da verdade e do exagero, e o que não é mas poderia ter sido se inventa como se tivesse acontecido. Onisciente e onipresente, o "Grande Ponto" comanda a vida da cidade e das pessoas, de seus habitantes, de seus moradores, de seus transeuntes e de seus turistas.

Políticos, intelectuais, prostitutas, contrabandistas, profissionais liberais de todas as profissões e de todas as liberdades, pederastas e protestantes, bêbados e missionários, "minas" e coroas, adúlteras e tarados, marinheiros e vendilhões, cientistas e mendigos, aleijados de corpo e alma, santos de alma e de corpo, drogados e loucos, de nascença e de sofrimento, a virtude e o vício de mãos dadas, o bem e o mal em idílio fescenino e astral, toda essa formidável procissão de adoradores, amantes e amancebados dessa puta-vida como a chamou Gabriel Garcia Marquez, fazem dali o seu porto ou trampolim, sua bússola ou âncora, nas circunavegações que cada um faz em torno de si mesmo, para vencer as travessias do cotidiano.

O pai da pátria, o candidato, o técnico em idéias gerais, em futebol e finanças, o governador de amanhã, o ladrão em potencial, a menina que fugiu, o desastre que aconteceu, a mulher que trai, o último travesti, o velho transviado, a bailarina de nudez transparente, a "pirada" que faz tudo, o vapozeiro, o cara que inventou a máquina de economizar gasolina, o mão-boba e o bóia-fria, o sujeito que descobriu uma erva que levanta até defunto, o mago que conhece a poção e a fórmula que curam impotência, o contador de anedota pornofônica, o escriba pornográfico e o glosador fescenino, o derradeiro conto de vigário, tudo surge ali nu e cru como uma cicatriz: ou uma navalhada na carne.

Negócios são fechados com três palavras. Cantadas se consumam em um minuto e a vítima cai na primeira esquina. Ouve-se sempre a clássica "chamada" ou "armada", que é gritar o nome de uma pessoa e esperar que a vítima se volte e fique a procurar alguém que nunca se apresenta. No Grande Ponto, funciona a grande agência de informações para todos os viajantes e transeuntes, os perdidos e achados da vida...

O Grande Ponto é o tribunal maior da cidade, onde são julgados e quase sempre condenados os culpados e inocentes, e todos são condenados, porque o Grande Ponto não perdoa ninguém. Os jurados preferem jogar o bolão dentro de barro na túnica do justo a reconhecer-lhe de pronto a inocência que não é normal na criatura humana, ou melhor, na condição humana. Todos são degredados filhos de Eva... ou como diria Camus: "Não há mais inocentes ou culpados, todos somos vítimas".

O Grande Ponto é do contra. Contra-fé, contra-mão, contra-cultura, contra-ladrão, contra-razão, contra-ponto, contra-tudo. É sobretudo contra a força e a prepotência. Contra os governantes corruptos e antipáticos, os Narcisos do poder.

É o território livre dos comícios, das passeatas, dos discursos e das badernas. E das tavernas. É a favor dos humildes, do injustiçado e do descamisado, enquanto permanecer como tal. Mas, se passa a ser forte, dominador e bandido, ele se volta para o outro lado. Passa a condenar quem antes defendia. É contraditório e instável como os ventos, o mar e Deus, e como a brisa vespertina que vem das dunas trazendo o cheiro do cio da terra.

O Grande Ponto é o retrato da alma boêmia da cidade, alma leviana e borboleteante das ruas. A passarela de todas as alegrias e dores. Os esgotos de todas as sujeiras. O altar de todas as virtudes. Do Grande Ponto, se sai, pela mesma alameda, para a Catedral e para o retiro de Maria Boa.

O Grande Ponto é o palanque de todos os partidos, o parlatório de todos os assuntos, o pelourinho de todas as idéias, o purgatório de todos os pecados da humana criatura. É a grande tribuna da cidade. Sua voz, seu grito, seu protesto, seu incêndio e sua sagração.

As passeatas políticas mais exaltadas, os oradores mais incendiários, os choques de paixões mais inflamadas, os fanatismos mais desenfreados, tudo ali assume dimensões de lenda e de canções de gesta, e as personagens parecem verdadeiros titãs surgidos de alguma mitologia bárbara.

Grandes líderes de todos os tempos ali travaram batalhas memoráveis, duelos oratórios formidáveis, confrontos de força e prestígio, coragem e bravura. Pedro Velho, José da Penha, José Bernardo, Café Filho, José Augusto, Dinarte Mariz, Aluízio Alves, Djalma Maranhão, líderes do povo, voz do povo, amor do povo, vivem na lembrança, na saudade, na presença e na paixão dos que amam a sua terra e cultuam os seus heróis, com toda a força ciclópica das multidões em êxtase cívico.

Toda força, todo poder, toda magia, todo Dom divinatório, todo carisma, enfim, toda liderança vem do povo, nasce no estrume e no barro do sofrimento coletivo, se nutre da seiva e sangue das aspirações da gente, e floresce no sonho e na esperança da alma multitudinária. O povo ama seus líderes, nascidos de seu ventre trespassado por mil espadas, e por eles luta, mata e morre.

O povo não segue jamais, antes condena e repudia os tiranos e os prepotentes, os donos do poder abocanhado como uma presa de guerra, os dirigentes gerados em chocadeiras e concebidos em estufas, fecundados na cama e na mesa das alcovas e restaurantes palacianos, no concubinato de interesses espúrios, de negócios ilícitos e das relações perigosas e clandestinas.

Há uma página de deslumbrante beleza cívica do jornalista Bruno Pereira, e de não menos palpitante atualidade, contra a invasão do Rio Grande do Norte por hordas bárbaras e indígenas.

O Grande Ponto sempre foi cosmopolita e poliglota, ecumênico e universal. Zona Franca e Território Livre, bazar de todos os assuntos e mercado de todas as transações. Na Ribeira, existiu uma réplica do Grande Ponto, o café "Cova da Onça" com privatividade para os assuntos políticos.

O Grande Ponto lembra ainda o terminal de todas as linhas de bonde e ônibus que despejam a população migrante, e o local de onde partiam as excursões, os piqueniques e as comitivas políticas ou desportivas. Ali se comemoravam todos os festejos juninos, carnavalescos e natalinos.

Os desfiles de pastorinhas, de escolas de samba, blocos de sujos, batalhas de petardos, aconteciam lá no pedaço. Era dali que partiam as caravanas de jogadores de futebol para as violentas disputas entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba, os dois mais ferrenhos adversários no Campeonato brasileiro, disputado entre as seleções dos estados.

Batalhas homéricas se travavam entre as duas torcidas, numa rivalidade que não conhecia limites e exaltava os ânimos a todos os extremos. Naquelas horas as torcidas se uniam, o vermelho do América, o verde do Alecrim e o negro do ABC, mesclados numa só legenda para defender os brios potiguares contra a bazófia, a prepotência e a arrogância dos tabajaras. O estádio era um grito só: "Não paraibanizarão o Rio Grande do Norte!".

Revejo as figuras oraculares de Djalma Maranhão, João Machado, Ivanildo Deus e tantos outros que comandavam ajuntamentos e rodinhas que se postavam no meio da rua, obstruindo o trânsito, a ponto de os automóveis trafegarem em marcha lenta, pedindo licença para passarem.

Ali no Grande Ponto ninguém escapou no passado, e nem escapa no presente, à navalha e à língua do povo. Fala-se muito, fala-se demais, e fala-se mal. Ali o instrumento de trabalho é a língua, como chave de todas as portas e instrumento de todas as mensagens.

Quem tem língua, vai a Roma, diz o ditado, e, no Grande Ponto, a língua é açoite e carícia, para falar mal da vida alheia e prometer mistérios gozosos.

Ama-se o Grande Ponto com amor felino e sexual. Os que beberam de seu vinho e se banharam em suas águas premonitórias, que tinham suas nascentes no canal do Baldo, aprendendo a ler na bola de cristal a perscrutar os alguidares das pitonisas e a decifrar o baralho das cartomantes, e não esquecerão jamais, enquanto vida tiverem, os momentos ali vividos.

Poderão desertar dele por temporadas, mas voltarão sempre, ao primeiro cochilo da mulher, sob os pretextos mais variados, como a compra dos jornais do Rio, do remédio, do encontro com o amigo para realizar um negócio importante, e até para a olhada nas vitrines e a degustação de um cafezinho.

Maior do que o amor de seus discípulos eternos é a vontade de pecar dos que nunca conheceram ou a ânsia de reincidir dos frequentadores de outrora.

Há nomes de pessoas, bares cafés, restaurantes, sorveterias, que se perenizaram nas idades e na tradição oral. Há namoradas inesquecíveis de sonhadores imortalizados através de gerações de contadores de histórias.

Há os "reitores" dessa Universidade, que são nomes famosos na cidade, os verdadeiros poetas e amantes dessa "filha de Poti mais Bela" (bela adjetivo ou substantivo), como foi batizada por um primaz da Igreja, que tanto amou esta cidade entre o Potengi e a beira-mar plantada.
Natal, à meia-noite, quando começa a viver sob a lua e o sol, o início de um novo dia, é a coisa mais bela do mundo vista do Grande Ponto.

À meia-noite, hora dos espíritos e das assombrações, das serenatas e dos presságios, Natal é uma mulher nua, amada-amante, oferecendo aos que acordados a vigiam e cantam, em versos e serestas, a ceia larga de suas estrelas cadentes e o seio largo de sua sensualidade perfumada pela brisa dos morros, de seu sexo em flor cheirando a jasmim e rosas, concha marinha aberta ao orgasmo delirante de seus apaixonados.

É de lá que se vê sobre o rio a estrela da manhã.

Pura ou degradada até a última baixeza, como dizia Manuel Bandeira, mas só de lá é que se vê, em todo seu resplendor embaciado, em seu brilho sujo de fumo e cachaça, saliva e esperma, lágrima e riso, a estrela da manhã sobre Natal...

In Grande Ponto - Antologia do Laboratório de Criatividade/UFRN - 1981

Foto Roberto Limeira, 1988



terça-feira, 5 de dezembro de 2023

 Natal não há tal

Poetas Celso da Silveira e Myriam Coeli conversando na calçada, defronte à residência do casal, em Natal. Foto de Carlos Lyra, publicada no livro "Natal através do tempo II". Natal: Sebo Vermelho, 2001.






Leide Camara

 

PRAIEIRA 100 ANOS. VAMOS CELEBRAR JUNTOS NA ACADEMIA NORTE-RIO-GRANDENSE DE LETRAS

12 DEZEMBRO ÀS 18 HORAS.





domingo, 3 de dezembro de 2023

"PORTUGUÊS" É O ÚNICO IDIOMA EM QUE SE PODE ESCREVER UM TEXTO SÓ COM A LETRA "P".

PODEMOS PARTIR?

Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor português, pintava portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder progredir. Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas.
.
Pálido, porém perseverante, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois pretendia pintá-los. Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos, preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam precipitar-se principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes potrancas. Pisando Paris, pediu permissão para pintar palácios pomposos, procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro Paulo precaver-se. Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava poder prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento, provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo… "Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios, pintando principais portos portugueses".
.
Passando pela principal praça parisiense, partindo para Portugal, pediu para pintar pequenos pássaros pretos. Pintou, prostrou perante políticos, populares, pobres, pedintes. - "Paris! Paris!" Proferiu Pedro Paulo. -"Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir".
Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém, Papai Procópio partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois precisava pedir permissão para Papai Procópio para prosseguir praticando pinturas. Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai. Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, Papai Procópio puxando-o pelo pescoço proferiu: -Pediste permissão para praticar pintura, porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petúnia. Porque pintas porcarias? -Papai, proferiu Pedro Paulo, pinto porque permitiste, porém preferindo, poderei procurar profissão própria para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal. Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar profissão perfeita: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para poderem prosseguir peregrinando. Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partindo pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro.

O CABAÇO DE DASDORES QUEBROU-SE EM BANDAS

 Por Gilberto Freire de Melo*


Quem não viveu, mas se aventurou pela várzea do Açu, certamente participou do crucial e ao mesmo tempo divertido processo de extração da cera de carnaúba. Ou, no mínimo, conviveu com a população afeita às tarefas dessa atividade.

Na indústria rudimentar de extração da cera de carnaúba, havia, dentre outros, o processo de batimento para decolar o pó existente nas palhas que, depois de secas, eram transportadas, em trincheiras, pelos homens e batidas, a cacetes, pelas mulheres, num processo trabalho manual feito à noite para evitar que os ventos prejudicassem a fixação do pó, que mais tarde seria transformado em cera, no piso que era igualmente forrado por lona para que não se misturasse com areia. Cada rachador tinha a sua ou as suas batedeiras, pois os mais habilidosos rachavam palhas para mais de uma mulher.

Não havia trabalho mais árduo, porém, ao mesmo tempo, mais divertido. As pilhérias, as chacotas, os ditos, as brincadeiras amenizavam as asperezas e divertiam sempre, sem, porém, ofender pessoas ou ferir a dignidade das famílias, moças, senhoras e crianças que ali trabalhavam. Uns cantavam "cocos" e "emboladas" ao ritmo do batuque improvisado por alguém mais competente que soubesse arremedar a batucada do "baião". O que não deixava, entretanto, de reservar certas intimidades a casais, dada a aproximação que, evoluindo, entremeava-se de afeto, de contatos, de esfregação, de namoro e de chamego, num ambiente estritamente de trabalho, porém com doses de acentuados encantos e estimulantes sexuais.

Como ninguém é de ferro, vez por outra alguém passava os pés adiante das mãos e os tampos voavam.

Foi o que ocorreu com Dasdores, filha de Zé Beradeiro, um cinquentão respeitável, trabalhador, de procedência ignorada, porém com muitos indícios seridoenses. que alí viera ter ainda moço e ali constituíra numerosa família, após seu casamento com Maria do Rosário, uma varziana de dezoito quilates.

Dasdores, já moça feita, era a filha mais velha do primeiro casamento de Zé Beradeiro que enviuvara e vivia àquela época, com D. Esmerina, com quem os filhos se davam relativamente bem, sem ter que se queixar. Com atrativos e exuberâncias capazes de desarticular exércitos, Dasdores engraçou-se de Chico Bozó, fornido caboclo, rachador de palhas, bem parecido, que não desmerecia a família da namorada e que rachava palha para Dasdores bater.

Zé Beradeiro, num daqueles famosos batimentos de palha, surpreendeu casualmente uns lances de que não gostou. Sua filha, Dasdores, se espojava com o namorado, Chico Bozó, sobre uns montes de palha batida, fora da empanada, a quem se entregava de corpo e coração, sem qualquer reserva. O pai ficou calado, porém furioso, e no outro dia, chamando o conquistador aos carretéis, disse não aceitar o que havia presenciado, sendo necessário providenciarem o casamento. Chico, o sedutor, argumentou que precisava pensar, pois casamento era coisa séria. Zé Beradeiro, que também não estava brincando, disse que não queria conversa. E não estava disposto a bater boca. Queria uma decisão.

Os ânimos se alteraram e Zé Beradeiro acabou ouvindo o que não queria:

- A sua filha não era mais moça e eu não sou pedreiro pra tapar buraco de ninguém. Ela já é de maior e pode procurar seus direitos.

Zé Beradeiro, porém, não engoliu o bocado. E não era para um pai de família ficar calado diante de semelhante situação. Tinha que tomar alguma providência. Nem que fosse a última decisão de sua vida. Não podia aceitar a desonra da filha, de seu nome e de sua família. Não seria qualquer Chico Bozó que iria desfeiteá-lo. Tinha pouca coisa na sua vida e a honra da família era o mais importante. Teria que agir ligeiro, antes que o atrevido comentasse com alguém e se espalhasse o boato de sua desdita. Era questão de vida ou morte.

O desaparecimento de Chico até que não foi notado imediatamente, vez que ele era acostumado a sumir por alguns dias, visitando alguns parentes, reaparecendo, em seguida, pouco tempo depois. Mas não tanto assim como da última vez. Já dava o que falar. Parentes seus perguntavam sem obter qualquer notícia.

Foi-se avolumando a ausência de Chico, já consubstanciada pelos boatos do namoro que tivera, conforme insinuações motivadas por gabolices do próprio, de intimidades mantidas com a filha de Zé Beradeiro. Dissera ainda a alguns vizinhos que ela não era mais moça. E que fora chamado às favas pelo pai que queria casamento. E que ele não era otário para pagar pecado que não havia cometido.

Os comentários se faziam e nada de Chico aparecer. Já fazia mais de um ano que havia sumido. Zé Beradeiro, há muito, havia-se mudado dali com a família.

A polícia, tomando conhecimento do sumiço do homem através de queixa prestada por familiares, abriu inquérito e passou a ouvir pessoas da localidade. O próprio Zé Beradeiro fora localizado e ouvido, com sua filha, pelo delegado. Permaneceu preso ainda, por alguns dias e solto depois, enquanto se investigava o caso que, por falta de qualquer prova, acabou arquivado o processo e esquecido o assunto. Só que os familiares não aceitavam e mantinham a suspeita do assassinato de Chico. Mas como provar se nem o cadáver aparecia? 

Não se podia justificar. O sumiço de Chico deixava inconformados os seus parentes. E Seu José também havia saído do cenário da culpa.

A família de Chico apelou para tudo. Chegou até a insinuar que, em certo local, onde se havia construído uma vila de casas residenciais, ali antes, Chico havia sido enterrado. Derrubaram-se algumas casas, sem qualquer sucesso, até que desistiram dada a inconveniência de se derrubar todo o arruado.

Dasdores, noutras paragens, já com os burros n'agua, passou a viver amancebada com um vaqueiro com quem teve alguns filhos sem maldizer a vida e sem queixar da sorte.

O sedutor é que nunca justificou o seu desaparecimento.

*Gilberto Freire de Melo, sociólogo, escritor potiguar de Pendências. Gilberto morou no Assu, funcionário da antiga ECT, atual Correios e Telégrafos.

Blogdofernandocaldas.blogspot.com

sábado, 2 de dezembro de 2023

MERCADO DO ASSU

 Uma Casa de Mercado

Mercado Público (à direita) - Provavelmente anos vinte (a Praça foi construída em 1932) 
Pesquisando os alfarrábios da história do povo assuense, encontramos que: No ano de 1875, foi construído o primeiro mercado do Assu o qual abriu suas portas no ano de 1876. O construtor do primeiro Mercado do Assu foi o cidadão assuense Dr. Luiz Carlos Lins Wanderley o qual vendo a necessidade da cidade se desenvolver comercialmente, edificou, as suas custas, por meio de contrato, com cláusula de usufruto por vinte anos, o que chamavam de “Uma Casa de Mercado”. Essa construção custou-lhe uma cadeira de deputado provincial. 

Mercado Público (ao fundo) - Provavelmente anos 30.
O tempo passou e pequenas reformas ocorreram no prédio que foi ficando pequeno para a demanda do comércio do Assu – cidade pólo da região do Vale.

Novas Instalações

Buscando suprir estas necessidades o então Prefeito Manoel Pessoa Montenegro resolveu demolir a antiga "Casa de Mercado" e construiu, no mesmo local, com o apoio do Interventor Federal (na época, o mesmo que Governador do Estado) um moderno prédio para servir de Mercado Público Municipal com condições físicas de atender a demanda comercial da cidade.
Mercado Público - Instalação mais modernas - foto provavelmente anos 70/80.
A inauguração deu-se no dia 19 de abril de 1943, cuja solenidade contou com a presença do Interventor Federal Dr. Rafael Fernandes Gurjão. 

O Patrono

Após o falecimento de Manoelzinho Montenegro, num gesto de reconhecimento, o seu nome foi escolhido como patrono, passando este logradouro a ser denominado de: Mercado Público Municipal Prefeito Manoel Pessoa Montenegro. 
Prefeito Manoel Pessoa Montenegro
Manoel Montenegro nasceu em Assu no dia 28 de fevereiro de 1892. Foi proprietário de terras, Farmacêutico e Político. Foi prefeito do Assu por 12 anos, no período de 1936 a 1948. Primeiramente nomeado pelo Presidente Getúlio Vargas e depois eleito pelo voto popular. Faleceu no dia 12 de agosto de 1967 em Natal. 

Reformas

Após a reconstrução do Mercado (1943) inúmeras benfeitorias foram desenvolvidas neste logradouro pelos administradores municipais. Destacamos as mais significativas reformas executadas nas gestões dos prefeitos: Arcelino Costa Leitão, Walter de Sá Leitão, Sebastião Alves Martins e Ronaldo Soares no seu primeiro mandato.

No entanto, a maior reforma ocorreu no ano de 2007 quando o Mercado Público Municipal Manoel Pessoa Montenegro foi totalmente reformado e dotado de infra-estrutura para comercialização de frios. Ou seja: carne bovina, suína, caprina, vísceras, frangos e peixes expostos em box’s devidamente higienizados e fiscalizados (à época da inauguração).

Inauguração

No dia 05 de maio de 2007 a Prefeitura Municipal do Assu, através do então Prefeito Ronaldo da Fonseca Soares, entregou à população assuense as novas instalações do Mercado Público. A solenidade de inauguração ocorreu às 9 horas com a presença de diversas autoridades, entre elas o Presidente da Câmara dos Vereadores Odelmo de Moura Rodrigues, vereadores: Carlos Alberto da Costa Bezerra, Heliomar Cortez Alves, Leosvaldo Paiva de Araújo, João Brito, João Lourenço, Manoel Targino e Francisco Lavoisier. Diversas outras instituições se fizeram presentes, entre estas: Prefeitura Municipal de Ipanguaçu na pessoa do prefeito José de Deus Barbosa FilhoSEBRAE IBAMA. Também se fizeram presentes Gerentes, Secretários, Diretores e Chefes de Sessões da Prefeitura do Assu, comerciantes do mercado, feirantes e um grande numero de populares.

Mercado Público -  Abril de 2007 - Antes da Inauguração
Infraestrutura 

A ampla reforma realizada pela Prefeitura do Assu (com recursos próprios) trouxe de volta (à época) a perspectiva de bons negócios para o comércio local. O Mercado Público teve toda estrutura hidráulica e elétrica recuperada (com moderna iluminação), substituição do piso (externo e interno), reestruturação da fachada, instalação de sanitários adaptados para deficientes físicos, construção de 70 boxes para acomodação dos comerciantes individualizados, uma sala de desosso além de uma ampla Câmara frigorífica para conservação dos produtos.
Mercado Público - foto mais recente
À época, a obra contemplou o anseio da população no que concerne a qualidade dos gêneros comercializados. O Mercado veio complementar os serviços executados no moderno Matadouro Público Prefeito Sebastião Alves Martins - reconstruído, neste mesmo período, para atender aos padrões de higienização e qualidade total dos produtos.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Assu Antigo

Da esquerda para direita: Poeta assuense João Lins Caldas e o romancista paulistano José Gerald Vieira, um dos grandes do romance moderno brasileiro. Foto tirada no Rio de Janeiro, provavelmente no início da década de trinta. do romance daquele romancista intitulado Território Humano, 1936, encarnado no personagem Cássio Murtinho.

(Fernando Caldas)


Pode ser uma imagem de 2 pessoas

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

CNJ Serviço: o que muda com a Lei do Superendividamento?

Quando as dívidas fogem do controle, a ponto de a pessoa não conseguir mais pagar despesas básicas para sobreviver, fica difícil enxergar uma saída. A Lei federal n. 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, entrou em vigor em julho e oferece uma solução para consumidores que não conseguem mais pagar as parcelas dos seus empréstimos e crediários em geral.

Agora, a pessoa superendividada pode solicitar a renegociação em bloco das dívidas no tribunal de Justiça do seu estado, onde será realizada uma conciliação com todos os credores para a elaboração de um plano de pagamentos que caiba no seu orçamento. E, para tornar ainda mais ágil, essa conciliação também pode ser realizada nos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como Procon, Defensoria Pública e Ministério Público.

Além desse avanço, conheça outras novidades trazidas pela Lei do Superendividamento para consumidores e consumidoras:

Quem é a pessoa superendividada

Uma pessoa está em situação de superendividamento, segundo a nova lei, quando ela, de boa-fé, não consegue mais garantir o pagamento de suas dívidas, incluindo as que ainda vão vencer, sem comprometer “seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”. Isso significa que as dívidas são maiores do que os gastos necessários para a pessoa garantir direitos fundamentais, como moradia e alimentação, por exemplo.

O que pode ser renegociado

A renegociação engloba as chamadas dívidas de consumo, como são os boletos e carnês, em sua maioria. Contas de água e luz, empréstimos contratados em bancos e financeiras, crediários e parcelamentos em geral. Tanto as contas vencidas quanto aquelas a vencer fazem parte da lista de dívidas contempladas pela lei. Produtos e serviços de luxo, créditos habitacionais ou rurais, no entanto, ficam fora dessa lista. Dívidas fiscais (impostos e tributos) e pensão alimentícia também não podem ser renegociadas pelas novas regras.

Negociação em bloco

Uma das principais vantagens da nova lei para consumidores em débito é que terão uma chance para renegociar todos as suas dívidas ao mesmo tempo. Isso diferencia a nova lei dos mutirões para saldar dívidas, uma a uma, como os feirões “limpa nome”.

As negociações em bloco podem resultar em acordos com todas as instituições para quem as pessoas devem alguma quantia. Assim, elas conseguem pagar o conjunto das suas dívidas com a sua fonte única de renda, que é o caso da maioria. Em caso de sucesso no acordo, acaba o tormento psicológico de pagar uma dívida e faltar dinheiro para pagar outras.

Por onde começar

Para recomeçar sua vida financeira, a pessoa superendividada precisa procurar os órgãos de defesa do consumidor ou o Judiciário. Ela deve organizar as informações de todas as suas contas em aberto, inclusive o valor total que deve. Também é importante calcular o “mínimo existencial”, que é o valor das despesas mensais que assegurem a sobrevivência da pessoa e de sua família. Com esses valores em mãos, pode ser formular um plano de pagamento que ressarça todas as pessoas e empresas com quem esteja em débito, com parcelas que não comprometam aquela quantia mínima necessária a manter a sua sobrevivência.

Nos tribunais, todas as empresas e pessoas credoras são convidadas para uma audiência de conciliação. Essa é a ocasião para conhecer a situação de quem está devendo, os limites orçamentários e as condições de pagamento da pessoa que está inadimplente mas quer regularizar sua vida.

O papel do credor

O juiz responsável pela conciliação pode, nos casos credores que não comparecerem à audiência, suspender a dívida, juros e multas dos valores inadimplentes, bem como impossibilitar que eles cobrem a pessoa devedora durante a vigência do acordo em bloco. Quando o credor ou credora não fechar o acordo na audiência, o juiz pode elaborar um plano de pagamento judicial compulsório e essa dívida vai para o “fim da fila”, recebendo apenas após quem fez acordo.

Para participar da audiência, o credor não pode simplesmente enviar um procurador. A lei especifica que deverá ser um representante com “poderes especiais e plenos para transigir” (negociar).

O acordo que for firmado na audiência será homologado pelo juiz ou juíza e a sentença judicial terá a mesma função de um título de execução de dívida. Nele, ficarão definidas as condições do pagamento – montante global a ser pago, eventuais descontos (juros, por exemplo), quantidade e valor das parcelas, além da duração do plano de restituição.

Para além do plano de pagamento

A sentença também registrará quando a pessoa consumidora será retirada de cadastros de inadimplentes. Também constarão da sentença a suspensão ou extinção de ações judiciais de cobrança, assim como a obrigação dessa pessoa não piorar sua situação de superendividamento contraindo novas dívidas. Diálogo e transparência serão decisivos para se chegar a um acordo que atenda os direitos das partes.

Quem já se separou ou perdeu o emprego, sabe o efeito que um desses imprevistos causam na vida financeira. Antes da lei, a pessoa superendividada não encontrava na Justiça uma saída para sua crise econômica pessoal. As empresas e pessoas jurídicas tinham o recurso da recuperação judicial, mas foi o advento da Lei 14.181/21 que deu os superendividados do Brasil direitos que consumidores e consumidoras de outros países já têm.

Crédito responsável

Um desses direitos básicos, expresso no Artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), é o chamado crédito responsável. Esse direito implica que, antes de contratar um empréstimo ou fazer um crediário, a pessoa seja informada sobre os custos do produto ou serviço que está sendo oferecido. Taxa mensal de juros, valor de multas por atraso, montante das prestações são informações que devem constar “de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor”, de acordo com o Artigo 54-B do Código de Defesa do Consumidor.

As empresas que operam crédito passam a ser corresponsáveis pela concessão do crédito. Por isso, estão proibidas, com a nova lei, de prometer crédito a “negativado” ou sem consulta a serviços de proteção ao crédito.

Também está vedada a prática, até hoje em dia muito comum, de assediar ou pressionar o consumidor a contratar crédito, “principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio”, como 10% de desconto na primeira compra, por exemplo. Descumprir as novas regras poderá acarretar para o fornecedor sanções judiciais como a redução dos juros e encargos, dilação do prazo para pagamento previsto no contrato, sem prejuízo de indenização por perdas e danos patrimoniais e morais ao consumidor lesado.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias


PINTO DO MONTEIRO X LOURIVAL BATISTA

Conta-se que Severino Lourenço Pinto mais conhecido como “Pinto do Monteiro” poeta popular improvisador, cantador de viola. Numa cantoria com Lourival Batista igualmente poeta e afamado improvisador nordestino, numa peleja, cantaram assim:
Pinto do Monteiro:
Lourival você é mesmo
Um bamba na cantoria
Pois, tanto tem improviso
Como tem muita teoria
Porém para os companheiros
Lhe falta ‘deplomacia’.
Lourival Batista
Você tem muita poesia
Como em outro eu nunca vi
Porém o seu português
É fraco pelo que ouvi:
Dizendo o ‘deplomacia’
Tire o ‘e’ e bote ‘i’.
Pinto do Monteiro
Troquei o ‘e’ pelo ‘i’
Fiz nas letras a mistura
Mas o colega desculpe,
Não é falta de cultura,
Pois tudo isto acontece
A quem não tem dentadura.
ourival Batista
Lourival não lhe censura
Por pronunciar assim
Mas se é por falta de dentes
Bote outros de marfim
Pra não errar outra vez
Que vier cantar ‘comim’.
Pinto do Monteiro
Agora eu achei ruim
A frase do meu amigo
Onde foi que você viu
Comim em vez de comigo?
Eu disse ‘deplomacia’
Mas uma dessas não digo.
(Postado por Fernando Caldas)
Pode ser uma imagem de brinquedo e instrumento musical

PELO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA Se Guilherme de Almeida escreveu 'Raça', em 1925, uma obra literária “que tem como tema a gênese da na...