"Merece também um lugar na
imortalidade. Tem todos os méritos. Tem uma obra. Um trabalho digno de
respeito. É um escritor, é um poeta, será o que quiser.".
Dorian Jorge Freire
"Confesso que não sei onde
catalogá-lo como poeta ou como boêmio. Se é verdade que nem todo poeta é
boêmio, mas todo boêmio é poeta, Celso da Silveira é um misto de poeta e
boêmio.".
Ezequiel Fonseca Filho
"Inquieto agitador cultural que tão
bem soube encantar populares e intelectuais com suas histórias desconcertantes
e hilárias.".
Yuno Silva
Celso Dantas da Silveira (1929-2004) era assuense de boa cepa, garboso,
bonachão, eloquente, prosador dos melhores. Eu tinha por ele uma grande
admiração e simpatia. Sorriso franco, glutão famoso, boêmio.
Celso da Silveira carregava no seu corpo de média estatura pouco mais de cem
quilos. Nasceu na aristocrática e poética cidade de Assu num antigo casarão
neoclássico, mais habitualmente conhecido como "Castelo", da então
Rua das Flores, que também já fora denominada Rua Pedro Amorim, Siqueira Campos
e Floriano Peixoto, Das Flores, atual prefeito Manoel Montenegro, onde também
nasceu o afamado poeta Renato Caldas .
Celso teve uma vida recheada de felicidades. Era um exímio contador de estórias
pitorescas, tiradas de sua criatividade, além da capacidade criadora de outras figuras
espirituosas da terra potiguar.
Menino irrequieto, cheio de peripécias e aventuras próprias da idade. Já
metido a gente grande, Celso sempre acompanhava seus pais João Celso Filho e
dona Maria Leocádia em noites de festas bailes realizadas em Assu. Pois bem,
certa vez, num baile de carnaval realizado em certo local improvisado, Celso
deu uma escapulida, foi cheirar lança perfume num armazém de compra e venda de
algodão, vizinho ao local onde se realizava o baile momesco, da antiga rua São
João, Centro da cidade de Assu. João Celso, sentindo falta do menino traquino,
foi procurá-lo encontrando-o em porre, entre os fardos de algodão do citado
galpão. Alucinado, soltou a frase denunciadora: "Não diga a papai,
não!"
Certo dia, Celso fora a um centro espírita em Natal. O médium vidente lhe
dirigiu a palavra para lhe fazer alusão a um espírito de luz que o
acompanhava. E Celso então desejou saber daquele médium mais detalhes sobre a
predileção daquele espírito para com ele. O médium então expôs o tipo do
espírito: "O nome dele é Douglas, é padre, italiano, desencarnou em São
Paulo". - Celso não deixou para depois, dizendo assim, com aquela graça
que lhe era peculiar: - "Será que esse Douglas é aquele que dirige o meu
carro quando estou bêbado?"
Celso teve o privilégio de estudar no Colégio Militar Castelo Branco, da
Arquidiocese de Fortaleza, antes no Colégio das Freiras de Assu, e São João, da
capital cearense. Tempos depois regressou a cidade do Natal com o objetivo de
estudar no Atheneu, da Junqueira Aires, depois voltou a sua terra natal onde
lecionar na Escola Normal Regional de Açu e trabalhou num dos cartórios da
Comarcada do Assu.
Herdou dos seus
ancestrais a arte da prosa e do verso, produzindo uma obra que enriquece as
letras, o folclore norte rio-grandense.
Na terra assuense de tantas tradições Celso foi escoteiro, vereador, professor,
ator, fundou o Jornal Advertência em parceria com João Marcolino de
Vasconcelos, além de fundar o 1º Museu de Arte Popular no Brasil, bem como o
Clube do Copo, que tinha a finalidade de realizar saraus, tertúlias literárias
e serenatas.
Celso nos idos de cinquenta, deixou a convivência harmoniosa da Fazenda
Camelo e Limoeiro, dos verdes carnaubais da sua terra, passando a residir na
cidade do Natal, do "Potengi amado", como diz a canção de Othoniel
Menezes. Naquela capital bacharelou-se em jornalismo e comunicação Social pela
Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, trabalhou e colaborou em diversos
jornais de Natal, como Tribuna do Norte e foi repórter da sucursal do Jornal do
Commercio, do Recife, bem como foi chefe de gabinete do prefeito Djalma
Maranhão.
Conviveu com grandes nomes das letras potiguares como Como João Lins Caldas,
Câmara Cascudo (que ele conheceu através do poeta Renato Caldas), Veríssimo de
Melo, Manoel Rodrigues de Melo, Sandoval Wanderley, Newton Navarro, Luis Carlos
Guimarães, Sanderson Negreiros, Bosco Lopes, Myrian Coeli (com quem contraiu matrimônio),
Andíère Abreu, dentre outros da velha e jovem guarda das letras
norte-riograndense..
No dizer de Manoel Onofre Junior, Celso "vale por toda uma
academia", pois a sua obra é constituída de "26 Poemas de Um Menino
Grande", 1952 (seu livro de estreia que mereceu elogio e a influência do
grande poeta modernista João Lins Caldas) , "Imagem Virtual", 1961,
"Glosa Glosarum", 1979, "O Homem Ri de Graça", 1982,
"Salvados do Assu", 1996 (que conta alguns fatos da história da terra
assuense, seus casarões e aspectos do Vale do Açu), "Assu, Gente,
Natureza, História", 1996, (livro didático), "Peido, o Traque
Pum" - O Valor que o Peido Tem", 1989, "Anjos Meus, Aonde
Estais", 1996, (que relembra algumas figuras da terra assuense).
É de sua autoria dele, Celso, a seguinte glosa:
O peido de um general
não pode ser comparado com
O peido de um soldado
Que em tudo é desigual
Tem gente que peida mal,
Há outros que peidam bem
Eu não conheço ninguém
Que ainda não tenha peidado
Mas o povo não tem dado
o valor que o peido tem.
Suas “conversas eram recheadas de muita ironia e humor... Ninguém ficava
indiferente a sua presença."
Afinal, numa manhã de domingo, 2 de janeiro de 2005 (ele nasceu no dia 25 de
outubro de 1929) partiu aos 75 anos de idade, para fazer versos e graças
lá no céu, deixando o Assu - a terra que ele tanto amou - sem a sua
irreverência, sem o seu talento e a sua arte de escrever, que lhe fez ficar
conhecido como "O Bocagiano Potiguar", pelas suas glosas irreverentes
que sabia produzir a seu modo.
Celso da Silveira está enterrado na cidade do Natal, terra que ele escolheu para
viver até morrer. O seu sepultamento ocorreu conforme pedira aos seus
familiares: "Sem choro nem vela, sem discursos, nem flores.".
Epitáfio é o título de um dos poemas do grande Celso Dantas da Silveira que
eu conheci e convivi na intimidade. Vejamos:
Aqui jaz o poeta
e não o canto
que dele foi deflagrado
como a flecha de um arco.
Em cada intercessão
do trajeto alcançado
inércia e movimento
ganham o mesmo compasso.
Paro e passo, paripassu
o canto e o silêncio
para sempre viajado.
Fernando Caldas