domingo, 12 de setembro de 2010

CULINÁRIA REGIONAL: NO SERTÃO CABE O MUNDO (1)

Adriano Abreu

Nos últimos anos o preconceito de que a culinária regional, sertaneja, é atrasada e não desenvolvida vem sendo contrastado com o surgimento de uma cozinha etnográfica, isto é, uma culinária que faz da tradição um ingrediente fundamental

“O sertão é do tamanho do mundo”. Se nas palavras do cangaceiro Riobaldo, de “Grande Sertão: Veredas”, o sertão tem um valor mítico, no plano da culinária essa vasta região é um mundo ainda pouco conhecido. Mesmo Gilberto Freire, em seu Manifesto Regionalista, comparando as várias cozinhas brasileiras, escreveu: “Sertão: áreas caracterizadas por uma cozinha ainda agreste”, isto é, uma cozinha atrasada, não “desenvolvida” como a urbana do litoral.


Nos últimos anos o preconceito de que a culinária regional, sertaneja, é atrasada e não desenvolvida vem sendo contrastado com o surgimento de uma cozinha etnográfica, isto é, uma culinária que faz da tradição um ingrediente fundamentalNos últimos anos esse preconceito vem sendo contrastado com o surgimento de uma cozinha etnográfica (1), isto é, uma culinária que faz da tradição um ingrediente fundamental. Nesse sentido se insere o livro de Ana Rita Dantas Suassuna, “Gastronomia Sertaneja – Receitas que Contam Histórias” (São Paulo, Melhoramentos, 2010) que, agora, chega às livrarias: um livro com 125 receitas selecionadas com critério sólido.


Antes de ser um lugar determinado, sertão é uma palavra ampla e generosa. Os hábitos culinários variam nele, segundo a disponibilidade de cada ecossistema. Mesmo o hábito de comer carne de boi – sendo a pecuária o seu elemento comum (2) - varia nele. Variado e amplo, precisa ser recortado quando falamos dele: Dona Ana Rita Dantas Suassuna fala só do sertão de Pernambuco. Lá se come preferencialmente carneiro, cabrito, galinha e galinha d’Angola. Boi é também capital, não comida apenas comida. Uma ou outra carne de sol, para os mais recursados.


Dona Ana Rita classificou as receitas que coletou em categorias interessantes: bolos e biscoitos, papas e mingaus, rapadura e mel, doces, milho, tapioca e cuscuz, feijão, caças, galinha, carnes, peixes, farofas (3), arroz, verduras e legumes, culinária de ocasiões festivas. Isso permite uma aproximação do leitor que também é diferente do que está acostumado, quando as receitas são agrupadas segundo o ritmo da refeição. Mas todos os animais domésticos vêm depois das caças – modo de vida dos mais pobres. Os tatus, é claro, ainda se come. São abundantes. Sempre é possível tirar um da toca quando o Ibama não vê. Marrecos, patos, paturis, cágado-jabuti, rã, mocó já rareiam. As pombas (arribação) são muitas e não escapam. Delas, faz-se canja.
 
(FONTE: Tribuna do Norte, caderno TN Família)

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