terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

ENTREVISTA COM FÁBIO DE OJUARA (*)


(Ilustração no anexo)


(Diário de Natal, 14 de Março de 1996)

VVV - Ojuara, chifre pesa em cabeça de corno?

Ojuara - No princípio, sim. É claro que antes de casar, as experiências anteriores sempre são um bom aprendizado. Até que você escolhe a mulher ideal, a mais pura, a mais honesta, a que promete fidelidade para sempre, e aí você cai na conversa, certo de que será feliz num casamento duradouro. Quando os amigos começam a rir por trás de você, sem que você saiba bem porque, é aí que começam as desconfianças, e você passa a sentir-se incomodado. Aquela estória do melhor amigo, quase sempre é batata, é ele o primeiro a usufruir de sua mulher. Ele chega para uma cervejinha e você não está, ficou trabalhando até mais tarde, e aí a coisa acontece. Conversa vai, conversa vem, e a mulher termina por confessar a insatisfação sexual do casamento. "No melhor da festa, ele goza e dorme, e eu fico o resto da noite a ver navios, esperando pela noite seguinte que vai ser do mesmo jeito", começa ela provocante, oferecendo uma bebida mais quente, uísque, conhaque, até que o car a não mais agüenta tanta provocação e termina por trair o amigo, certo de que ele jamais saberá do ocorrido. Ele freqüenta mais algumas vezes a sua casa, fica meio acanhado de sua companhia, até que a amizade vai azinhavrando e ele passa a encontrar-se com ela em motéis de segunda categoria. Depois de um certo tempo, a insatisfação dela continua, agora com ele, já sem o pique inicial da traição, parceiro já conhecido, tudo explorado e novidade nenhuma a experimentar. Aí a cama do marido ganha tesão novamente e ela passa a demonstrar maior carinho com o lar. Mas vem a recaída e ela procura outro alguém, agora já fora do ciclo de amizade, alguém do trabalho ou mesmo um desconhecido que lhe passa uma cantada na rua, oferece-lhe um sorvete, e pronto, a desgraça mais uma vez acontece. De parceiro em parceiro, a notícia vai se espalhando. O seu irmão chega e diz que ouviu a conversa numa mesa de bar, você não acredita, pergunta ao seu melhor amigo se el e sabe de algo e ele nunca sabe, até que as conversas são tantas que você começa a desconfiar mesmo de que aquelas estórias têm fundamento. É aí que o chifre pesa. Você fica capiongo, entristecido, louco para saber onde você errou, já não mais se achando o mais vigoroso varão.

VVV - E aí, o que você faz?

Ojuara - A primeira coisa são as insinuações. Morto de vergonha, você passa a inquirir a mulher disso e daquilo. Onde você andou, por que demorou tanto, onde está gastando tanto dinheiro. A mulher sempre tem resposta convincente, e, na cama, tira qualquer dúvida do pobre do corno. Presenteia-o com uma noite das mais maravilhosas, insinua coisas que ele jamais ousou e o relacionamento sexual vai ficando cada vez mais gostoso, a mulher a demonstrar uma tesão insuspeita em você, inebriado pelos seus suspiros e arquejos, cada vez mais langorosos. Mas as chacotas continuam e você volta a ficar murcho, andando pelos bares, decaindo, decaindo, até amanhecer na sarjeta, depois de uma noite a ouvir Reginaldo Rossi.

VVV - E o cara não toma nenhuma providência, Ojuara?

Ojuara - Ele pensa logo em contratar detetive, mas morre de vergonha. Aí passa a procurar raparigas nas ruas e vinga-se da mulher corneando-a também. Isso até que ajuda um pouco e ele até retoma uma felicidade aparente. Mas a notícia já está no mundo e as insinuações tornam-se cada vez mais freqüentes, os amigos cantando "lá vem ele, com a cabeça enfeitada"... e você passa a nem mais dar-se a respeito. E cai na dor de cotovelo de novo, volta a sarjeta enquanto a mulher está a vadiar nos motéis da cidade. É um inferno esse período. Aí você toma uma decisão. Parte para uma conversa franca com a mulher, diz que vai deixá-la, que não suporta mais ser chamado de corno pelos amigos, pelos inimigos, até pelas mulheres. Mas ela volta a premiá-lo na cama, mostra novos segredos e é aí que você passa a desconfiar mesmo dela. Onde diabos ela aprendeu isso que eu nunca fiz com ela? E aí você passa a experimentá-la, cada noite mais excitado, a mulher a inventar posições e práticas inusitadas, deixando o marido morto na cama, sem agüentar mais nenhuma.

VVV - Ele passa a gostar da situação?

Ojuara - Em parte, sim. Ele desconfia, mas ainda não tem certeza de que é corno, e essa dúvida atormenta-o. Aí ele toma a decisão de seguir a mulher. Diz que vai trabalhar até mais tarde e fica na esquina esperando. Ela toma um ônibus, ele toma um táxi e segue, dizendo para o motorista que é da polícia civil e está espreitando perigoso trombadinha, suspeito de um crime de morte. Ele perde a mulher de vista e adia a descoberta, até que um belo dia ele flagra a mulher entrando num motel com um conhecido seu, de farra. Aí você fica desesperado, tem vontade de matar, de morrer, mas não tem coragem de surpreender a mulher na cama com o outro, conhecido seu, a notícia a se espalhar de vez entre todos. Você fica atordoado, passa uns dias sem querer voltar em casa, até que a mulher o procura com conversas de "o que foi que aconteceu?", "por que você não vai mais dormir em casa, filhinho?" E você, já desprovido de qualquer orgulho ou auto-estima, há dias sem ver mulher, parte disposto a tirar o atraso, e dá todas, certo de que está enganando a companheira com seu silêncio. No dia seguinte, tem vontade de lhe dar umas porradas, dizer que sabe de tudo, mas vai para o trabalho caladinho, doido para que chegue a noite, para pegar a mulher de novo, certo de que ela o traiu, mas sem demonstrar qualquer desconfiança, tornando ainda mais prazerosa aquela noite, a mulher cansada, sem mais nada querer, e você em cima, a exigir os prazeres que ela vem proporcionando fora de casa, você agora a inventar coisas que ela nem sequer jamais insinuou. Aí você fica nesse jogo de gato e rato por algum tempo, até que diz conhecer toda a estória da traição, citando nomes, lugares, toda a safadeza que ela vem fazendo esse tempo todo.

VVV - E aí?

Ojuara - Aí ela queda-se derrotada. Termina por confessar tudo e pede perdão, diz ser uma coisa compulsiva, que precisa de ajuda para não mais cair em tentação, chora, diz que lhe ama, e você vai para o trabalho como um rei, arranja umas putas, passa novas noites na rua, certo de que a mulher está em casa, arrependida, sem nada fazer. E está mesmo. Agora é você quem está por cima, a mulher acabrunhada, com medo de cair de novo em tentação, e você a corneá-la todas as noites, tomando fôlego, refazendo-se das dores sofridas durante tanto tempo.

VVV - E aí a mulher se regenera e o casal é feliz para sempre?

Ojuara - Que nada. Mulher que trai, trai. É só uma questão de tempo. Mais dia, menos dia, ela volta ao paraíso, só que agora você sabe que ela o está corneando mesmo e passa a nem ligar. Ela lhe corneia de um lado, você corneia ela de outro, fica tudo um a um e a vida melhora para ambos.

VVV - Quer dizer que o corno passa a gostar da situação?

Ojuara - Tanto que a melhor noite para ele é quando ele sabe que a mulher o traiu. Aí ele pega, e sente-se no direito de todos os prazeres. Mata a mulher de cansaço, dá três, dá quatro, na frente, atrás, emborca, faz o que quer, e a mulher ali, pronta pra tudo, sem nada dizer. A melhor noite do corno é quando ele tem certeza de que naquela tarde, a mulher o traiu.

VVV - Ojuara, como a cidade do Ceará Mirim recebeu a idéia de criação da Associação dos Cornos que vocês fundaram por lá?

Ojuara - Não muito bem. Eles pensaram que era provocação, já que a cidade tinha fama, mas logo perceberam que os cornos estavam se assumindo, associando-se, e hoje já não causa mas nenhuma polêmica. Depois daquele programa do "Você Decide" que tratou do assunto e eu fui entrevistado ao vivo para todo o Brasil, o pessoal da cidade viu que havia outras associações no país e me deixou mais de mão. A paz voltou a reinar na cidade.

VVV - Se você voltasse a se casar, teria medo de chifre?

Ojuara - Com certeza, não. Até ia incentivar a mulher, para que nossas noites se tornassem mais gostosas.

VVV - Quer dizer que você não mais se importa em ser corneado?

Ojuara - De jeito algum.

VVV - Você é adepto da troca de casais?

Ojuara - Como assim?

VVV - Tem casais que só se satisfazem quando trocam os parceiros. O marido fica com a mulher do amigo, e este com a sua mulher. Vão para um motel e lá se divertem como gostam. Ojuara - Não. Aí eu não topo. É diferente. Isso é pouca vergonha. Sou daqueles que admitem o chifre, mas daí a levar a mulher para outro cara transar e eu transar com a dele, isso não. Ela que vá a luta, procure com quem também se realizar, que eu faço o mesmo. Eu sou corno do tipo tradicional, não sou chegado a essas modernidades sexuais de hoje, não.

VVV - Você é favorável a sexo grupal?

R - De jeito nenhum. Não confunda. O fato de ser corno não quer dizer que eu seja permissivo. Eu dou liberdade a mulher. Se ela quiser, que use. O bom é quando você não tem certeza de que houve a traição. Só desconfia. O ciúme é que não deve existir. Ele acaba qualquer casamento.

(*) Fábio de Ojuara é artista plástico e filósofo do Ceará-Mirim-RN. Presidente perpétuo da Associação dos Cornos Potiguares, autor do manual Sabendo Usar… Chifre Não É Problema  edição esgotada. Sua máxima mais apreciada é TODA MERDA AGORA É ARTE!

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