domingo, 17 de abril de 2011

Como mitigar a desertificação no Vale do Açu - RN, agora utilizando como biomassa a palha da carnaúba e folhas e caule de banana prensados, matéria orgânica que possuimos em abundância em nossa região

Pelo Geólogo Eugênio Fonseca Pimentel
Projeto Carvão Verde - Fazenda São Domingos - Janeiro/2009

Em 19 de dezembro de 2008 operou com sucesso, em caráter experimental, uma unidade industrial para produzir carvão vegetal, bio-óleos e extrato ácido usando capim elefante como insumo de biomassa.
O equipamento está instalado na sede da Cooperativa do As- sentamento da Fa- zenda São Domingos, em Conceição de Macabu, no Norte do Estado do RJ em um prédio de 5m x 8m (figura acima), compatível com a produção de uma pequena comunidade agrícola, devendo utilizar o capim produzido em uma área de 12,5 ha. Trata-se da primeira unidade desenvolvida para a produção contínua.
Processo Industrial
Biomassas submetidas a temperaturas elevadas (300 a 500oC), na ausência de ar, se decompõem produzindo gases, líquidos (bio-óleo e extrato ácido) e carvão vegetal, resíduo sólido formado basicamente por carbono. Esse processo é chamado de "pirólise" (para mais informações, clique aqui).
O equipamento de Macabu é um forno pirolítico projetado para ser operado em pequenas propriedades e que se caracteriza pela simplicidade operacional. Tem como principal componente um forno, apresentado na figura a seguir, atravessado por um tubo com três segmentos superpostos, dentro do qual ocorrem as reações pirolíticas. O capim picado (setas azuis) é alimentado na superior e é arrastado de forma contínua através do tubo.
Submetido às elevadas temperaturas, o capim vai "cozinhando" ao longo do percurso dentro do tubo. Primeiro, quando a temperatura do material atinge os 100oC, evapora-se a água do capim e, a partir desta temperatura são produzidos os gases e líquidos de bio-óleo. Ao final do percurso sobra o carvão vegetal que sai do tubo na parte inferior do forno (seta amarela).
Os gases e vapores são conduzidos para a parte superior do forno (seta vermelha) que encaminha para a unidade de condensação (seta vermelha da figura abaixo) com uma torre cilíndrica de 7m de altura onde são resfriados, condensados e separados os gases e líquidos.
Na entrada deste equipamento um soprador (ciclone) retira partículas de carvão arrastadas com os gases e voláteis e que são recolhidas em um depósito de carvão auxiliar (seta amarela). Os líquidos produzidos são coletados na parte inferior, separados: de um lado, os bio-óleos (seta verde) e, de outro, os extratos ácidos (seta cor de laranja).
O gás produzido no processo é separado e encaminhado (seta azul clara da figura acima) para o queimador (ao lado). Este gás é o combus- tível usado para suprir o calor que mantém o forno operando na tem- peratura adequada, de forma con- tinuada. Os car- vões produzidos mantêm as dimen- sões físicas do capim picado e, neste caso, são chamados de "finos" pois têm origem no capim picado.
À medida que deixam o forno, os "finos" são acumulados em tambores de aço (ao lado). Como o carvão sai com temperaturas elevadas, os tambores, à medida que ficam cheios, são selados para evitar que o material entre em combustão em contato com o ar. Os tambores devem permanecer fechados por um período de até dois dias para resfriarem até a temperatura ambiente. Devem ainda ser mencionados dois equipamentos auxiliares importantes ao processo industrial: o gasificador e o quadro de medidores, mostrados nas figuras abaixo.
O gasificador, alimentado com serragem, opera em temperatura mais elevada que o forno e, com a presença controlada de oxigênio, produz apenas o gás combustível (basicamente CO) que é usado para dar a partida do equipamento até que o processo entre em regime.
Outro equipamento importante é o quadro com os medidores das temperaturas em variados pontos do processo (os termo-pares onde a temperatura é lida são pequenos discos amarelos visíveis na figura do forno) que auxiliam os operadores.
Produtos
As quantidades de carvão, bio-óleo e gases variam de- pendendo do tipo de biomassa, sua umidade, temperatura e outros parâmetros do processo. Os gases, em grande parte combustíveis (CO, CH4 e H2), são usados como fonte de energia para o próprio processo.
O carvão vegetal fino pode ter diversas destinações. Para o empreendimento da Fazenda São Domingos, foi prevista a sua briquetagem, um processo em que os finos do carvão misturados a uma substância aglutinante (o bio-óleo produzido ou amido), são comprimidos por um equipamento especial, denominado briquetador (figura acima), tomando a forma de um prisma hexagonal com um raio de 4 cm e comprimento de 10 a 20 cm. De forma imediata visa-se atender a demanda local de carvão.
Ao lado, a figura apresenta esse carvão briquetado, em chamas, sendo utilizado. Como, no entanto, ele é mais denso que o carvão vegetal produzido diretamente a partir da lenha é possível imaginar que no futuro venha a ser comercializado para usos mais especializados uma vez que tem características físico-químicas melhor definidas e estáveis que o carvão produzido normalmente nos fornos de rabo quente.
Será importante estudar mercados para os finos do carvão (uso em forjas, por exemplo) ou do pó do carvão que pode ser obtido pela moagem dos finos.
Os bio-óleos são formados por um complexo de produtos orgânicos (fundamentalmente derivados fenólicos) que têm elevado poder calorífico, podem ser usados diretamente como fonte de energia para, por exemplo, gerar energia elétrica.
Este complexo de produtos químicos, no entanto, tem uma grande gama de usos não energéticos que vão do uso direto como adubo, defumador, usos veterinários até a substituição do fenol petroquímico e asfalto. No século XIX esta era a principal fonte de produtos orgânicos para a indústria (ácido acético, por exemplo) que foi trocada para subprodutos do petróleo.
O extrato ácido é composto de ácidos carboxílicos como o ácido acético (vinagre), fórmico, butanol, propanol, etc. Ele também tem uma ampla gama de usos seja localmente como inseticida natural, fungicida e adubo orgânico seja como inumo para a produção de biodiesel leve.
Quando a unidade estiver trabalhando de forma contínua, um produto energético de grande valor local será o calor residual do processo obtido com o resfriamento dos finos. O calor poderia manter aquecida uma estufa para a secagem de frutas, cristalização de frutas e outros usos desta natureza.
Fundamentos do projeto
O carvão vegetal é das mais antigas fontes de energia usadas pelo homem. Há mais de cinco mil anos, este combustível que pode produzir chamas com temperaturas mais elevadas que a madeira, foi usado para fundir metais e fabricar artefatos que permitiram à humanidade evoluir da era da “pedra lascada” para a “era do bronze”.
Ele é usado até hoje em todo o mundo como uma fonte para usos doméstico e rural, em grande parte não comercial. Devido ao fácil acesso à madeira e à possibilidade de produzir CV com tecnologias rudimentares, é a principal fonte de energia de países africanos e asiáticos. Assim, seu uso intensivo é percebido como uma medida de subdesenvolvimento.
No Brasil, no entanto, o CV é muito usado na indústria e, em 2006, foi insumo de 35% na produção do ferro gusa que no resto do mundo é produzido com coque do carvão mineral. Como o CV não tem as impurezas presentes no carvão mineral, o gusa tem uma qualidade superior, importante para a produção de aços especiais.
Apesar da sua importância como fonte de energia, sua produção, comercialização, logística e utilização não estão sujeitas a uma regulamentação de natureza energética, ao contrário do que ocorre com todas as demais formas de energia em uso no país.
Algumas indús- trias de gusa produzem o CV. Usam fornos de diferentes forma- tos e capacidade. O forno da figura ao lado (retangu- lar da V&M), converte 42 toneladas de madeira por mês em aproxima- damente 14 toneladas de carvão. Fornos circulares têm um quinto desta capacidade, porém, apresentam ciclos mais rápidos de produção.
Mais de metade do carvão usado no Brasil, porém, é produzido de forma primitiva e insustentável. Ainda são usados fornos de terra (ao lado), uma tecnologia que não deve estar muito distante da utilizada pelos hititas há milhares de anos atrás. O forno mais comum é o “rabo quente” (abaixo), feito com material disponível na floresta, que também tem uma baixa eficiência.
Em todos esses fornos industriais ou primitivos, ao contrário do forno da Fazenda S. Dominngos, os bio-óleos são dispersados (“fumaça”) para o meio ambiente constituindo-se em uma fonte de poluição e resultando na perda do equivalente a um barril de petróleo por tonelada de carvão. Dada a facilidade para produzir CV com tecnologias primitivas em áreas isoladas e de difícil acesso e em um ambiente desprovido de qualquer norma, a demanda da bioenergia cria um mercado caótico com conseqüências ambientais desastrosas. Nas condições da região amazônica, são desmatados cerca de 600 m2 para produzir uma tonelada de ferro gusa. As extensões são maiores e os efeitos ambientais mais dramáticos no Cerrado, no Semi-Árido e no Pantanal.
É difícil coibir estas práticas pela proibição pura e simples: apesar de o país ter intensificado o combate à derrubada de florestas, entre 1998 e 2006, a produção brasileira de gusa com carvão vegetal saltou de 6,5 milhões para 11,3 milhões de toneladas sem que houvesse expansão significativa de florestas plantadas para esta finalidade.
O INEE defende que a falta de regras desincentiva a organização de um mercado formal ao longo da cadeia de transformações, incentiva mercados informais e predadores do meio ambiente além da verticalização da produção da madeira. Esta definição dos produtos deveria ser estendida aos demais subprodutos que ajudariam a reorganizar um mercado que foi importante no século XIX e abandonado.
Hoje é mínimo o incentivo para que os centros de pesquisa e tecnologia, laboratórios e universidades se debrucem sobre este grupo de questões energéticas essencialmente brasileiras, na medida em que elas não são vistas de forma proporcional à sua importância na matriz energética. Uma maior visibilidade vai permitir ampliar tecnologias como a da Fazenda São Domingos.
Vale notar, finalmente, que a atividade de transformação de biomassa em carvão não exige as grandes escalas de produção, pois devido a propriedades físicas da madeira há uma deseconomia de escala. Ao mesmo tempo, nada obriga que seja usada apenas a madeira como insumo, como mostra a experiência de São Domingos, pois tanto plantações de crescimento rápido, quanto resíduos, podem ser empregados.
Informações complementares
O projeto faz parte das iniciativas do INEE - Instituto Nacional de Eficiência Energética, para criar no país uma política para o uso energético da madeira e de seus derivados.
Em princípio, a tecnologia pode operar a partir de qualquer biomassa tal como casca de coco, palhas de arroz, etc. A escolha do capim elefante se deveu a sua altíssima produtividade (20 - 40 ton/ha), que é quatro ou mais vezes maior do que a da madeira de eucalipto, com a vantagem de que esta leva até seis anos para o primeiro corte enquanto o capim fica disponível para o primeiro corte apenas seis meses após o plantio. Estima-se, portanto que a tecnologia deva produzir um carvão em bases renováveis e com custo competitivo.
O projeto está sendo desenvolvido também para dar a uma comunidade de agricultura familiar uma atividade diferente e que agrega valor aos usos tradicionais. O projeto inicial deve gerar de 10 a 14 postos de trabalho no assentamento para atender as diversas etapas da produção que vão da plantação à produção do CV. No começo de 2009 serão feitos os ajustes do equipamento para que possa vir a produzir de forma contínua.
A tecnologia foi desenvolvida e patenteada pela empresa BIOWARE Tecnologia, incubada na UNICAMP, em Campinas, SP. O equipamento foi projetado para que a produção possa ser feita de forma descentralizada e plenamente adaptada ao mundo rural. O dimensionamento da unidade é uma solução de compromisso onde se observa uma escala de produção relativamente baixa e que absorve a produção inicial de 4 ha de capineira. O projeto visa uma produção anual de até 100 toneladas de carvão e 90 m3 de alcatrão, utilizando a biomassa de uma área plantada de 12,5 ha.
O equipamento deve ser otimizado no início do ano de 2009 e em seguida será enfrentado o desafio de fazer integrá-lo a um processo produtivo mais completo casando a venda dos produtos com as etapas de produção e secagem do capim. O objetivo é que a operação seja realizada pelo pessoal da própria comunidade.
O projeto teve a preocupação de ter um balanço energético positivo uma vez que a principal demanda de energia - para produzir o calor usado no processo - é provida pelo processo.
Registre-se, finalmente, que o projeto está sendo realizado com a participação da Cooperativa São Domingos no Município de Conceição de Macabu, composta de produtores rurais assentados, situando-se no norte do Estado do Rio de Janeiro, próxima à maior bacia petrolífera do país.
A iniciativa, original do INEE, conta com o decisivo apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Energia, da TermoRio, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF (Ministério de Desenvolvimento Agrário) e da Prefeitura de Conceição de Macabu. A participação do INEE concentra-se nos aspectos conceptivo e gerencial da implantação do projeto.

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