domingo, 3 de abril de 2011

Um Navarro lembrado, outro esquecido

Yuno Silva - repórter

Incompreendido ou avançado demais para sua época, Newton Navarro continua vagando pela desmemoriada Natal na forma de painéis e poemas. Considerado o “poeta da cidade”, alcunha pela qual ficou conhecido entre os intelectuais que circularam pela capital potiguar nos idos dos anos 1950 e 60, o artista plástico, poeta e escritor será lembrado no evento “Navarro na Veia”, promovido pelo Departamento de Letras da UFRN nesta quinta-feira, às 9h, no Auditório B do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA.

yuno silvaMural de Newton Navarro escondido numa eletrônica na Ribeira, onde no passado funcionou a confeitaria Nova Delícia. O dono da loja, José Moreira, sabe da importância da pintura e tenta preservá-laMural de Newton Navarro escondido numa eletrônica na Ribeira, onde no passado funcionou a confeitaria Nova Delícia. O dono da loja, José Moreira, sabe da importância da pintura e tenta preservá-la
Na ocasião, haverá mesa redonda com presenças do artista plástico Dorian Gray Caldas, contemporâneo de Navarro (1928-1991), do editor e sebista Abimael Silva, e do professor do Departamento de Artes da UFRN Vicente Vitoriano, que publicou tese de doutorado sobre o homenageado; mais lançamento de três títulos reeditados pela Sebo Vermelho Edições – “Beira-Rio” (1970), “Do outro lado do rio, entre os morros” (1974) e “ABC do cantador Clarimundo”. A programação também inclui recital de fragmentos poéticos de Navarro interpretados pelo professor e ator Val Dias, a presentação musical com Carlos Bem, que canta Natal em seu recente disco “Anjo do Sol”.

Falecido há exatos vinte anos, precisamente no dia 18 de março de 1991, Navarro deixou um legado artístico pouco conhecido pelos natalenses: “As pessoas conhecem a ponte Newton Navarro, a galeria de arte (na Funcarte), mas não o artista. Há um certo descaso das instituições com nossa memória”, disse a professora Cellina Rodrigues Muniz, do Departamento de Letras da UFRN, que coordena o evento “Navarro na Veia”. “É impossível prever os desdobramentos a partir desse evento (‘Navarro na Veia’), mas esperamos que, a partir do relançamentos de seus livros, ele possa ser mais lido”, disse Muniz.

Casado com a professora de artes Salésia Navarro, também falecida, Newton deixou um único herdeiro, Edson Moura, sobrinho do casal que está viajando, segundo informou o editor Abimael Silva: “Edson me autorizou a reeditar os livros, que estavam todos esgotados. Ninguém contou a cidade como Navarro, e era um sonho antigo meu relançar estes livros”, disse Abimael – cada título ganhou apenas 200 exemplares.

Artista cosmopolita e boêmio, Newton Navarro ainda pode surpreender incautos que desconhecem o valor de sua obra, e seus traços inigualáveis podem ser encontrados onde menos se espera. Na face mais esquecida da cidade, a TRIBUNA DO NORTE encontrou um desses tesouros: por trás do Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, na Ribeira, na antiga confeitaria Nova Delícia, onde hoje funciona a Eletrônica Nacional, em meio a uma pilha de televisores quebrados, mais um painel com o traço inconfundível do artista. “Sei da importância desse trabalho, já pintei toda a loja mas deixei o painel intacto”, disse José Moreira, 59 anos, proprietário da eletrônica. “Veja só que bonito: bacalhau, vinho do porto, o violeiro... estou querendo cortar estas estantes para mostrar melhor a pintura”, disse Moreira, espécie de guardião da obra. Ele alugou o prédio há cerca de sete anos, e contou que Navarro tomou muitos porres quando a confeitaria funcionava no local, há mais de 20 anos. Na parede em frente, outro tesouro: um painel em baixo relevo do artista Jordão, contemporâneo de Navarro e autor do painel que enfeita a fachada do Centro de Convenções. A confeitaria pertencia ao português Olívio Domingues, fechada após seu falecimento.

Dorian Gray, o amigo e o restaurador

“Fui companheiro de Newton Navarro nos anos 1950, realizamos, junto com Ivon Rodrigues, a primeira exposição modernista de Natal em uma galeria que funcionava na sede da Cruz Vermelha no Grande Ponto”, lembra o artista plástico Dorian Gray Caldas, 81. “Vinha de uma escola clássica, influenciado pelo meu tio Moura Rabelo, mas já começava a fazer experiências deformando a realidade. Foi o início do flerte com o modernismo. Não queria ficar só nisso, então comecei a investir no abstracionismo. Levei para a exposição quadros com paisagens lunares e Navarro obras impressionistas”, lembra.

Segundo Dorian , esse foi o primeiro salão de arte moderna de Natal. Mas ele e Navarro repetiram a dose em 1952, quando realizaram a exposição “Divina Providência”, também no Grande Ponto: “A partir desta exposição, que gerou grande repercussão na época, as pessoas começaram a prestar atenção na arte moderna produzida na capital potiguar”, contou. Caldas ainda lembrou da presença marcante dos cartunistas Erasmo Xavier e Adriel Lopes, dois nomes que alavancaram o modernismo em Natal. Dorian Gray comemora a recente recuperação de quatro painéis instalados no Campus Central do IFRN: “A restauração foi feita em cerca de 80 metros quadrados de painel. Navarro foi o artista mais penalizado daquela época, pois boa parte de seus trabalhos eram feitos sobre papel (material considerado frágil, perto das telas própria de pintura) e painéis em paredes, então muita coisa se perdeu”, lamenta. Dorian Gray tem vasto acervo de Navarro, entre fotografias, aquarelas, desenhos e bico de pena.

Em 1994 foi realizada a mais significativa exposição sobre o artista, a mostra Navarro Navarrear, na Funcarte. No ano passado, o Sesc promoveu uma exposição com telas e gravuras do pintor.

Fonte: Caderno Viver - Tribuna do Norte

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