sábado, 16 de julho de 2011

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SONO



Por Antônio Maria


A pessoa que dorme está inteiramente só. Quando o homem dorme, o seu rosto se desmarca de todas as tramas e de todos os desgostos. Nada enternece mais uma mulher que o rosto do amante, dormindo. Ela se debruça sobre a face do amado e descobre que eram simples palavras todas as valentias que ele lhe vinha dizendo ou dando a entender. É quando a gente se parece menos com os mortos... é quando se está dormindo. Quanto mais pobre mais comovente o ser humano que dorme.  No sono, a imobilidade das pessoas boas e confiantes é sempre desarrumada.  Gente má dorme em posição de sentido. Cada travesseiro tem um lugar e uma importância definidos na vigência do sono. Não há nenhum abandono casual, nas pernas, nos braços ou na cabeça de quem dorme, porque o corpo realiza, desde que haja espaço, sua única posição realmente confortável. Experimente descobrir na mulher que dorme a seu lado, um ser infinitamente decente, muito além de sua capacidade de fazer-lhe uma razoável justiça. Quanta luz nos corpos despidos das mulheres claras! Seria uma demasia de requinte ou de louvação, fazê-las dormir sobre lençóis negros?  A mais leve carícia de sua mão sobre o corpo da amada que dorme poderá quebrar a solidão do sono e a tranqüilidade da carne já não seria completa (contente-se em enternecer-se, sem tocá-la). Se for preciso despertá-la, que seja com ruídos aparentemente casuais. Ah, que intensos ciúmes, no passado e no futuro, sobre a nudez da amada que dorme! Só você a viu, só você a verá assim tão bela! Nas mulheres que dormem vestidas há sempre, por menor que seja, um sentimento de desconfiança. A amada tem sob os cílios a sombra suave das nuvens.  Seu sossego é o de quem vai ser flor, após o último vício e a última esperança. Um homem e uma mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta.  Mas, já que é isso impossível, que ao menos chova, a noite inteira, sobre os telhados dos amantes.
io, 17/1/1956
Postado por Fernando Caldas

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