[Por Antônio Maria, cronista, compositor pernambucano, falecido no Rio de Janeiro em 1964]
É preciso amar, sabe? Ter-se uma mulher a quem se chegue, como o barco fatigado à sua enseada de retorno. O corpo lasso e confortável, de noite pede um cais. A mulher a quem se chega, exausto e, com a força do cansaço, dá-se o espiritualíssimo amor do corpo.
Como deve ser triste a vida dos homens que têm mulheres de tarde, em apartamentos de chaves emprestadas, nos lençóis dos outros! Como é possível deixar que a pele da amada toque os lençóis dos outros? Quem assim procede (o tom é bíblico e verdadeiro) divide a mulher com o que empresta as chaves.
Para os chamados “grandes homens” a mulher é sempre uma aventura. De tarde, sempre. Aquela mulher que chega se desculpando; e se despe, com todo desgosto, enquanto dura o compromisso. É melhor ser-se um “pequeno homem”.
Amor não tem nada a ver com essas coisas. Amor não é de tarde, a não ser em alguns dias santos. Só é legítimo quando, depois, se pega no sono. E há um complemento venturoso, do qual alguns se descuidam. O café com leite, de manhã. O lento café com leite dos amantes, com a satisfação do dever cumprido.
No mais, tudo é menor. O socialismo, a astrofísica, a especulação imobiliária, a ioga, todo o asceticismo da ioga… Tudo é menor. O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira.
“Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã, aconteça alguma coisa de melhor.”
Postado por Fernando Caldas
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