Uma câmera no sertão
Publicação: 11 de Julho de 2012 às 00:00
Tádzio França - repórter
"Às
vezes eu acho que Inácio não nasceu. Ele caiu de um comboio de circo e
foi achado", diz Mundinha, a inconformada esposa de um matuto potiguar
chamado Inácio Garapa, sujeito pouco afeito à enxada e com mania de ser
artista.
Esse sertanejo, um personagem imaginário baseado em fatos reais, saiu da cabeça do diretor José Gomes e inspirou o sucesso improvável de uma comédia longa-metragem rodada em Alexandria, região do Alto Oeste Potiguar, a 369 km de Natal. O filme "Inácio Garapa, um matuto sonhador" ganhou sua parte dois e "O retorno" será exibido em Natal nesta quinta-feira, às 20h, no Teatro de Cultura Popular - TCP.
Foram quatro meses de gravações para dar continuidade às aventuras de Inácio Garapa em 2012. Por trás da câmera, José se torna J. Gomes para levar à frente o sonho cinematográfico de sua produtora caseira Barriguda Filmes. "O segundo filme teve algumas vantagens em relação ao primeiro. Além da experiência a mais, consegui uma câmera em full HD, recursos melhores de edição em computador, e um orçamento de R$15 mil em contribuições de iniciativas particulares. Mas fora isso, mantive o mesmo estilo artesanal de produzir", explica o diretor.
"A gente só gravava de sexta a domingo, pois durante a semana os atores do elenco estavam trabalhando", brinca. O elenco foi praticamente o mesmo do primeiro filme, com o acréscimo de alguns poucos personagens, como o "capeta" interpretado pelo cantor e compositor Romildo Soares.
As novas aventuras de Inácio - que se chama Garapa desde criança por ter sido criado à base de garapa de rapadura - continuam de onde o primeiro filme, lançado em 2010, parou. A produção anterior contava a história do roceiro Inácio Garapa, casado, pai de dois filhos, que vive a sonhar com uma realidade bem diferente da sua. Ele faz versos de cantador de viola, quer ser escritor (apesar de analfabeto) e também político. Inácio se mete em todo o tipo de confusão para realizar seus sonhos.
J. Gomes é fã de cinema desde a primeira vez que pôs os olhos numa tela grande. Mesmo que a primeira experiência não tenha sido das melhores. "Eu morava num sítio, e aos 13 anos um amigo me colocou na sessão de um filme de terror. Tive que assistir escondido debaixo de um caixote, por ser de menor. Mas teve uma cena que assustou todo mundo, eu saí correndo e também dei um susto em todo mundo", brinca. E assim como seu personagem sonhador, Gomes também pensou em fazer muita coisa diferente. Trabalhou com rádio, depois com TV no Mato Grosso do Sul, lançou três livros de poesia, e em 2009 decidiu que queria fazer cinema.
"Tratei logo de criar um roteiro que exigisse o mínimo possível de recursos, já que eu não os tinha", diverte-se. O elenco foi "recrutado" entre a população local. "A cidade é pequena, eu conheço todo mundo, e fui usando o olho clínico, com a ajuda de um amigo meu que tinha experiência em peças teatrais para a igreja", conta. Foi assim que ele chegou ao protagonista, Wellington Marques, um capoeirista local.
Elenco e locações escolhidos, J. Gomes saiu em campo com a sua câmera - e só. As cenas foram editadas em um computador caseiro, O filme foi lançado em novembro de 2010, tornando-se rapidamente um sucesso local. Gomes foi exibindo em cidades da região e fazendo a alegria de suas plateias. Quando o filme saiu em DVD, ele não pôde escapar da pirataria. "Mas não posso reclamar muito. Os piratas ajudaram a difundir meu filme por todo o Brasil. Hoje eu recebo contatos de gente em São Paulo, Brasília e Mato Grosso, querendo saber como eu fiz tudo aquilo. Fiquei feliz pelo filme ter agradado todas as classes sociais, inclusive crianças", diz.
O cineasta potiguar admite que sua maior inspiração foi Glauber Rocha. Não pela estética, mas pela atitude de fazer muito com pouco. "Tinha mesmo só uma câmera na mão e muitas ideias na cabeça. Usei o mínimo e fui me entregando ao ato de fazer, por amor à arte. E as pessoas gostaram. Um dos meus filhos tem o nome de Glauber, em homenagem a ele", diz. Gomes tem um projeto de fazer curtas metragens junto a estudantes da comunidade. Para a terceira saga de Inácio Garapa ele pretende recorrer aos editais de patrocínio público.
Quando finalmente escreve um livro, Inácio conta os "podres" de toda a cidade e é escorraçado pela população. Ele volta pra casa - que pega fogo - e é abandonado pela família. Decide então ir à Brasília pra virar político. No segundo filme, Garapa volta para o Rio Grande do Norte e não encontra mais a mulher e os filhos. Para completar, o Diabo aparece para cobrar sua parte na venda da alma do matuto. E daí haja jogo de cintura para achar a família, ficar bem de vida, e ainda enganar o tinhoso.
O Inácio Garapa imaginado por J. Gomes segue a tradição dos matutos cheios de humor e malícia já conhecidos em figuras como o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, e João Grilo e Chicó de Ariano Suassuna. Mas Gomes afirma que seu sertanejo não é uma imitação dos outros. "Desde o começo, imaginei um personagem que fosse do gosto do povão, que fala a língua que o povo entende. Há muitos tipos como o Garapa no nosso sertão", explica.
O amigo é o cão!
O cantor Romildo Soares - que é amigo de infância de José Gomes - conta que adorou a experiência de viver o capeta. "O primeiro contato com a câmera assusta, mas o Jota dirige tão bem que fiquei muito à vontade. Sem falar que foi um prazer me reencontrar com o sertão", diz. O compositor ressalta que o filme não tem pretensões acadêmicas, é diversão honesta, e que funciona bem como entretenimento. "Mais três atuações dessa e estarei pronto para o Framboesa de Ouro", brinca.
Serviço: Inácio Garapa, um matuto sonhador 2 - O retorno. Exibição quinta, às 20h, no TCP (Rua Jundiaí, 642, Tirol). Entrada: R$15, com o DVD.
DivulgaçãoInácio Garapa, o anti-herói idealizado por J. Gomes, é um matuto cheio de humor e malícia.
Esse sertanejo, um personagem imaginário baseado em fatos reais, saiu da cabeça do diretor José Gomes e inspirou o sucesso improvável de uma comédia longa-metragem rodada em Alexandria, região do Alto Oeste Potiguar, a 369 km de Natal. O filme "Inácio Garapa, um matuto sonhador" ganhou sua parte dois e "O retorno" será exibido em Natal nesta quinta-feira, às 20h, no Teatro de Cultura Popular - TCP.
Foram quatro meses de gravações para dar continuidade às aventuras de Inácio Garapa em 2012. Por trás da câmera, José se torna J. Gomes para levar à frente o sonho cinematográfico de sua produtora caseira Barriguda Filmes. "O segundo filme teve algumas vantagens em relação ao primeiro. Além da experiência a mais, consegui uma câmera em full HD, recursos melhores de edição em computador, e um orçamento de R$15 mil em contribuições de iniciativas particulares. Mas fora isso, mantive o mesmo estilo artesanal de produzir", explica o diretor.
DivulgaçãoAmigo de longa data, o cantor e compositor Romildo Soares vive o papel de O Cão.
As
gravações de "Um matuto sonhador 2, o retorno" foram além de Alexandria
e percorreram outros cenários turísticos do Rio Grande do Norte, como a
Casa de Pedra de Martins, a lagoa do Pinga em Portalegre, Major Sales, a
praia de Ponta Negra em Natal, e até uma ponta fora do Estado, em
Bonsucesso, na Paraíba. "A gente só gravava de sexta a domingo, pois durante a semana os atores do elenco estavam trabalhando", brinca. O elenco foi praticamente o mesmo do primeiro filme, com o acréscimo de alguns poucos personagens, como o "capeta" interpretado pelo cantor e compositor Romildo Soares.
As novas aventuras de Inácio - que se chama Garapa desde criança por ter sido criado à base de garapa de rapadura - continuam de onde o primeiro filme, lançado em 2010, parou. A produção anterior contava a história do roceiro Inácio Garapa, casado, pai de dois filhos, que vive a sonhar com uma realidade bem diferente da sua. Ele faz versos de cantador de viola, quer ser escritor (apesar de analfabeto) e também político. Inácio se mete em todo o tipo de confusão para realizar seus sonhos.
DivulgaçãoO diretor em ação: Tinha só uma câmara na mão e muitas ideias. Essa continuação teve melhores recursos e uma verba de R$ 15 mil.
FAZER MUITO COM POUCOJ. Gomes é fã de cinema desde a primeira vez que pôs os olhos numa tela grande. Mesmo que a primeira experiência não tenha sido das melhores. "Eu morava num sítio, e aos 13 anos um amigo me colocou na sessão de um filme de terror. Tive que assistir escondido debaixo de um caixote, por ser de menor. Mas teve uma cena que assustou todo mundo, eu saí correndo e também dei um susto em todo mundo", brinca. E assim como seu personagem sonhador, Gomes também pensou em fazer muita coisa diferente. Trabalhou com rádio, depois com TV no Mato Grosso do Sul, lançou três livros de poesia, e em 2009 decidiu que queria fazer cinema.
"Tratei logo de criar um roteiro que exigisse o mínimo possível de recursos, já que eu não os tinha", diverte-se. O elenco foi "recrutado" entre a população local. "A cidade é pequena, eu conheço todo mundo, e fui usando o olho clínico, com a ajuda de um amigo meu que tinha experiência em peças teatrais para a igreja", conta. Foi assim que ele chegou ao protagonista, Wellington Marques, um capoeirista local.
Elenco e locações escolhidos, J. Gomes saiu em campo com a sua câmera - e só. As cenas foram editadas em um computador caseiro, O filme foi lançado em novembro de 2010, tornando-se rapidamente um sucesso local. Gomes foi exibindo em cidades da região e fazendo a alegria de suas plateias. Quando o filme saiu em DVD, ele não pôde escapar da pirataria. "Mas não posso reclamar muito. Os piratas ajudaram a difundir meu filme por todo o Brasil. Hoje eu recebo contatos de gente em São Paulo, Brasília e Mato Grosso, querendo saber como eu fiz tudo aquilo. Fiquei feliz pelo filme ter agradado todas as classes sociais, inclusive crianças", diz.
O cineasta potiguar admite que sua maior inspiração foi Glauber Rocha. Não pela estética, mas pela atitude de fazer muito com pouco. "Tinha mesmo só uma câmera na mão e muitas ideias na cabeça. Usei o mínimo e fui me entregando ao ato de fazer, por amor à arte. E as pessoas gostaram. Um dos meus filhos tem o nome de Glauber, em homenagem a ele", diz. Gomes tem um projeto de fazer curtas metragens junto a estudantes da comunidade. Para a terceira saga de Inácio Garapa ele pretende recorrer aos editais de patrocínio público.
DivulgaçãoApaixonado
por cinema desde criança, diretor José Gomes já conseguiu realizar dois
longas-metragens. O mais novo é Um matuto sonhador, O Retorno, cujo
lançamento é quinta, no TCP.
PERSONAGEM TRANSITA ENTRE GRILO E JECA TATUQuando finalmente escreve um livro, Inácio conta os "podres" de toda a cidade e é escorraçado pela população. Ele volta pra casa - que pega fogo - e é abandonado pela família. Decide então ir à Brasília pra virar político. No segundo filme, Garapa volta para o Rio Grande do Norte e não encontra mais a mulher e os filhos. Para completar, o Diabo aparece para cobrar sua parte na venda da alma do matuto. E daí haja jogo de cintura para achar a família, ficar bem de vida, e ainda enganar o tinhoso.
O Inácio Garapa imaginado por J. Gomes segue a tradição dos matutos cheios de humor e malícia já conhecidos em figuras como o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, e João Grilo e Chicó de Ariano Suassuna. Mas Gomes afirma que seu sertanejo não é uma imitação dos outros. "Desde o começo, imaginei um personagem que fosse do gosto do povão, que fala a língua que o povo entende. Há muitos tipos como o Garapa no nosso sertão", explica.
O amigo é o cão!
O cantor Romildo Soares - que é amigo de infância de José Gomes - conta que adorou a experiência de viver o capeta. "O primeiro contato com a câmera assusta, mas o Jota dirige tão bem que fiquei muito à vontade. Sem falar que foi um prazer me reencontrar com o sertão", diz. O compositor ressalta que o filme não tem pretensões acadêmicas, é diversão honesta, e que funciona bem como entretenimento. "Mais três atuações dessa e estarei pronto para o Framboesa de Ouro", brinca.
Serviço: Inácio Garapa, um matuto sonhador 2 - O retorno. Exibição quinta, às 20h, no TCP (Rua Jundiaí, 642, Tirol). Entrada: R$15, com o DVD.
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