Eliade Pimentel - Repórter
A primeira impressão é de "turismo fantasma". Estradas cheias de casarões desabitados. Ou vilas
demolidas. Lugares que já foram o reduto de uma pequena aristocracia brasileira. A cidade que abriga
esse patrimônio é uma pérola a olhos vistos. Sua arquitetura - por vezes preservada, ora esquecida -
guarda uma história rica, cujo personagem principal chama-se Manoel Varella do Nascimento
(1802/1881), o Barão de Ceará-Mirim (o primeiro de quatros barões do RN). E o próprio - ou quase
ele - é quem apresenta o turista ao roteiro dos antigos engenhos.
Cidade áurea dos tempos do Império, distante apenas 28 km da Capital, Ceará-Mirim tem um forte apelo turístico: a visita-guiada por alguém vestido a caráter, o guia Francisco Ferreira que é conhecido por onde passa como "Barão", porque ele interpreta o personagem para falar a história do município. O passeio estimula a imaginação, com os relatos cheios de palavras que não mais se encaixam no vocabulário atual, como baronesa, sinhá-moça, feitor, escravos, ama de leite entre outras.
Mesmo antes de conhecer sua história, o visitante rapidamente se encanta pelas particularidades do destino turístico. Uma delas é o acesso por trem, transporte rápido e barato. Partindo da Ribeira (em Natal), um privilégio de poucos no RN. Outra é o cuidado que seus habitantes têm com a jardinagem. Casas, praças e canteiros exibem flores. Na cidade e no campo, percebe-se o empenho de muitas pessoas no cultivo de plantas.
Os engenhos preservados apresentam essa aura colorida e exalam seu odor nostálgico. Impossível não sentir uma volta no tempo. Pelo menos, na fantasia aquilo tudo é real. Tem até Barão com espada na cinta. Guia há quatro anos, com diversos cursos de formação, e reconhecido desde 2010 pelo Ministério do Turismo, Francisco "Barão" ensina o caminho das Quatro Estações Turísticas de Ceará-Mirim. A primeira delas é a Estação dos Engenhos, seguida das estações do Sabor, do Saber e das Artes.
ADEUS À RAPADURA
Saindo da cidade, as placas indicam o Roteiro dos Engenhos. O primeiro que se destaca é o Mucuripe. Adquirido em 1935 por Ruy Antunes Gaspar, que faleceu em 1995, o engenho Mucuripe originalmente era do major da guarda nacional Antero Leopoldo Raposo da Câmara. Até seis meses atrás, produzia umas das melhores rapaduras da região, fabricadas em máquinas originalmente a vapor adaptadas à energia elétrica. Apresentado pelo "Barão", o "feitor" Francisco Alves de Lima, 70 anos, conhecido como Tantico, revela algumas relíquias guardadas na recepção. Uma garrafa de cachaça da última leva (de 1958) e alguns exemplares da famosa rapadura.
Nascido e criado no Mucuripe, seu Tantico reside na casa oficial do administrador da vila. As casas de colonos são as únicas parcialmente preservadas e ainda povoadas pelos familiares dos antigos moradores. A história se entrelaça, pois ao lado se encontra o engenho Oiteiro, onde morou a sinhá-moça Madalena Antunes Pereira (que se casou com o neto do Barão, Olímpio Varella). As terras agora pertencem aos herdeiros da família Pereira Gaspar.
ENGENHO NASCENÇA PRESERVA ACERVO DO BARÃO
O "Barão" aponta desolado para o que restou da casa onde nasceu o poeta Nilo Pereira, mostra restos do engenho Cruzeiro, construído pelo judeu Samuel Bolshaw. Ao lado, uma capela, datada de 1904, que devido à fé professada pelo fundador presume-se que deve ter sido uma sinagoga. Mais ruínas, mais histórias, até chegar ao engenho Nascença, construído no final do século 19 por Hermínio Leopoldino Cavalcanti, posteriormente adquirido por Roberto Varella, trineto do Barão.
Ele teve o cuidado de reunir ao máximo o acervo do triavô, como o retrato pintado pelo artista francês Jean Bindseil e as carruagens originais. A propriedade herdada por Sheila Varella é um convite à apreciação da natureza do vale verde, dos seus encantos e mistérios. Ao final da Estação dos Engenhos, a fome aperta e a parada seguinte é a Estação do Sabor.
TURISMO EM SÃO LEOPOLDO
A caravana segue. O guia Barão leva o grupo para o engenho São Leopoldo. No caminho, próximo à nascente do rio Quiri, placas indicam local conhecido como o "Banho das Escravas". No caminho, restos de demolição das casas da vila. Não resta mais nenhuma. Vê-se em frente à casa grande - que é enorme e está preservada - uma usina em ruínas. Dentro de casa, móveis antigos recriam a atmosfera da decoração original.
Por sugestão do "Barão", a propriedade que é o berço da ilustre família Câmara no RN, recebe grupos para um dia de diversão no campo. Os turistas apreciam a vida ao ar livre e aproveitam o clima ameno do engenho, pertencente ao senhor Franklin Marinho. Nos alpendres da casa, serve-se o almoço para grupos reservados. "Os professores têm dificuldade para levar os estudantes de volta, porque eles adoram cada minuto do passeio", diz o guia-Barão, falando dos atrativos que incluem passeios em charretes.
MERCADO DO CAFÉ: TRADIÇÃO GASTRONÔMICA
Fundado em 1881, por Onofre José Soares, o mercado público mais antigo do Brasil resguarda a tradição do artesanato e da boa comida do Vale de Ceará-Mirim. Quem não almoçou pelos engenhos no, tem a opção de saborear um prato de almoço por um valor bem acessível. No Box 9, D. Dalva cita o extenso cardápio, do picado de carneiro, ao guisado de boi. O feijão verde, diz, é bem novinho. Ao final, serve um doce de leite feito por ela mesma.
À saída, o Barão ainda incansável, leva os turistas para conhecerem o Solar dos Antunes (atual sede da prefeitura, doada ao município por Ruy Pereira), construída em 1888 para ser uma casa para festas e saraus do império. Pela cidade, ele aponta outros casarões. É a Estação do Saber, com a Biblioteca Municipal, o Solar dos Sás, a Igreja de Nossa Senhora da Conceiçao (o maior templo católico do RN) e outros prédios históricos. A quarta estação turística é a das Artes, composta pela Estação Cultural, onde são realizados eventos como o famoso Tributo a Raul Seixas.
ENTRE A BELEZA E O ABANDONO DO GUAPORÉ
Uma das primeiras paradas é a Casa Grande do Engenho Guaporé (1850), também conhecida como a casa de veraneio do Barão e onde morou o ex-presidente da Província Vicente Inácio Pereora, primeiro médico nascido no RN, casado com a sinhá-moça Isabel Varella.
De arquitetura neo-clássica, o prédio pertence oficialmente ao acervo da Fundação José Augusto e foi denominado Museu Nilo Pereira, em homenagem ao poeta bisneto do antigo dono da casa. A restauração data de 1978, quando o madeiramento foi trocado. Não há nenhum móvel dentro do casarão, aberto aos visitantes pelo "Barão", que tem a chave e mostra as suas dependências. "Aqui era o meu quarto", diz eloquente, em meio às ruínas.
Subir as escadas chega a ser pavoroso. Quando o grupo é de estudantes, Francisco mostra o casarão apenas pelo lado de fora, porque não há a mínima segurança. Tudo está abandonado ao redor e nem parece um órgão público. A viagem continua.
De novo a estrada. Outros engenhos no caminho. Engenho dos Imburanas: fechado para visitação. Engenho Verde-Nasce (1853, em foto na página 7), que pertenceu à família do juiz municipal Victor José de Castro Barroca e posteriormente foi passado aos herdeiros do coronel Felismino Dantas. A cerca é original, de ferro, vinda da Inglaterra. Os arredores do engenho são cercados de história, como o túmulo da Emma, inglesa desposada pelo jovem Victor quando ele fora estudar na Europa. Sua morte é cercada de mistério. Por ser anglicana, ela não pôde ser sepultada no cemitério católico. Pelo caminho, vê-se os "cemitérios de anjinhos", de crianças que não haviam sido batizadas e eras consideradas pagãs na tradição religiosa.
SERVIÇO: Visita-guiada pelo "Barão de Ceará-Mirim" - Guia Francisco Ferreira - Tel.: (84) 9156-9060 (Claro)/8839-4975 (Oi). Preço: a partir de R$ 3 (por pessoa).
Dica: Expedição Fotográfica ao Vale do Ceará-Mirim (APHOTO - Associação Potiguar de Fotografia) - Domingo, 16/09/12, com saída às 6h do Foto Practical (por trás da Igreja do Galo), na Cidade Alta. Retorno após o pôr do sol. Valor: R$ 20 (sócio)/R$ 35 (não sócio). Tel.: (84) 3211-5436.
A primeira impressão é de "turismo fantasma". Estradas cheias de casarões desabitados. Ou vilas
demolidas. Lugares que já foram o reduto de uma pequena aristocracia brasileira. A cidade que abriga
esse patrimônio é uma pérola a olhos vistos. Sua arquitetura - por vezes preservada, ora esquecida -
guarda uma história rica, cujo personagem principal chama-se Manoel Varella do Nascimento
(1802/1881), o Barão de Ceará-Mirim (o primeiro de quatros barões do RN). E o próprio - ou quase
ele - é quem apresenta o turista ao roteiro dos antigos engenhos.
Cidade áurea dos tempos do Império, distante apenas 28 km da Capital, Ceará-Mirim tem um forte apelo turístico: a visita-guiada por alguém vestido a caráter, o guia Francisco Ferreira que é conhecido por onde passa como "Barão", porque ele interpreta o personagem para falar a história do município. O passeio estimula a imaginação, com os relatos cheios de palavras que não mais se encaixam no vocabulário atual, como baronesa, sinhá-moça, feitor, escravos, ama de leite entre outras.
Mesmo antes de conhecer sua história, o visitante rapidamente se encanta pelas particularidades do destino turístico. Uma delas é o acesso por trem, transporte rápido e barato. Partindo da Ribeira (em Natal), um privilégio de poucos no RN. Outra é o cuidado que seus habitantes têm com a jardinagem. Casas, praças e canteiros exibem flores. Na cidade e no campo, percebe-se o empenho de muitas pessoas no cultivo de plantas.
Os engenhos preservados apresentam essa aura colorida e exalam seu odor nostálgico. Impossível não sentir uma volta no tempo. Pelo menos, na fantasia aquilo tudo é real. Tem até Barão com espada na cinta. Guia há quatro anos, com diversos cursos de formação, e reconhecido desde 2010 pelo Ministério do Turismo, Francisco "Barão" ensina o caminho das Quatro Estações Turísticas de Ceará-Mirim. A primeira delas é a Estação dos Engenhos, seguida das estações do Sabor, do Saber e das Artes.
ADEUS À RAPADURA
Saindo da cidade, as placas indicam o Roteiro dos Engenhos. O primeiro que se destaca é o Mucuripe. Adquirido em 1935 por Ruy Antunes Gaspar, que faleceu em 1995, o engenho Mucuripe originalmente era do major da guarda nacional Antero Leopoldo Raposo da Câmara. Até seis meses atrás, produzia umas das melhores rapaduras da região, fabricadas em máquinas originalmente a vapor adaptadas à energia elétrica. Apresentado pelo "Barão", o "feitor" Francisco Alves de Lima, 70 anos, conhecido como Tantico, revela algumas relíquias guardadas na recepção. Uma garrafa de cachaça da última leva (de 1958) e alguns exemplares da famosa rapadura.
Nascido e criado no Mucuripe, seu Tantico reside na casa oficial do administrador da vila. As casas de colonos são as únicas parcialmente preservadas e ainda povoadas pelos familiares dos antigos moradores. A história se entrelaça, pois ao lado se encontra o engenho Oiteiro, onde morou a sinhá-moça Madalena Antunes Pereira (que se casou com o neto do Barão, Olímpio Varella). As terras agora pertencem aos herdeiros da família Pereira Gaspar.
ENGENHO NASCENÇA PRESERVA ACERVO DO BARÃO
O "Barão" aponta desolado para o que restou da casa onde nasceu o poeta Nilo Pereira, mostra restos do engenho Cruzeiro, construído pelo judeu Samuel Bolshaw. Ao lado, uma capela, datada de 1904, que devido à fé professada pelo fundador presume-se que deve ter sido uma sinagoga. Mais ruínas, mais histórias, até chegar ao engenho Nascença, construído no final do século 19 por Hermínio Leopoldino Cavalcanti, posteriormente adquirido por Roberto Varella, trineto do Barão.
Ele teve o cuidado de reunir ao máximo o acervo do triavô, como o retrato pintado pelo artista francês Jean Bindseil e as carruagens originais. A propriedade herdada por Sheila Varella é um convite à apreciação da natureza do vale verde, dos seus encantos e mistérios. Ao final da Estação dos Engenhos, a fome aperta e a parada seguinte é a Estação do Sabor.
TURISMO EM SÃO LEOPOLDO
A caravana segue. O guia Barão leva o grupo para o engenho São Leopoldo. No caminho, próximo à nascente do rio Quiri, placas indicam local conhecido como o "Banho das Escravas". No caminho, restos de demolição das casas da vila. Não resta mais nenhuma. Vê-se em frente à casa grande - que é enorme e está preservada - uma usina em ruínas. Dentro de casa, móveis antigos recriam a atmosfera da decoração original.
Por sugestão do "Barão", a propriedade que é o berço da ilustre família Câmara no RN, recebe grupos para um dia de diversão no campo. Os turistas apreciam a vida ao ar livre e aproveitam o clima ameno do engenho, pertencente ao senhor Franklin Marinho. Nos alpendres da casa, serve-se o almoço para grupos reservados. "Os professores têm dificuldade para levar os estudantes de volta, porque eles adoram cada minuto do passeio", diz o guia-Barão, falando dos atrativos que incluem passeios em charretes.
MERCADO DO CAFÉ: TRADIÇÃO GASTRONÔMICA
Fundado em 1881, por Onofre José Soares, o mercado público mais antigo do Brasil resguarda a tradição do artesanato e da boa comida do Vale de Ceará-Mirim. Quem não almoçou pelos engenhos no, tem a opção de saborear um prato de almoço por um valor bem acessível. No Box 9, D. Dalva cita o extenso cardápio, do picado de carneiro, ao guisado de boi. O feijão verde, diz, é bem novinho. Ao final, serve um doce de leite feito por ela mesma.
À saída, o Barão ainda incansável, leva os turistas para conhecerem o Solar dos Antunes (atual sede da prefeitura, doada ao município por Ruy Pereira), construída em 1888 para ser uma casa para festas e saraus do império. Pela cidade, ele aponta outros casarões. É a Estação do Saber, com a Biblioteca Municipal, o Solar dos Sás, a Igreja de Nossa Senhora da Conceiçao (o maior templo católico do RN) e outros prédios históricos. A quarta estação turística é a das Artes, composta pela Estação Cultural, onde são realizados eventos como o famoso Tributo a Raul Seixas.
ENTRE A BELEZA E O ABANDONO DO GUAPORÉ
Uma das primeiras paradas é a Casa Grande do Engenho Guaporé (1850), também conhecida como a casa de veraneio do Barão e onde morou o ex-presidente da Província Vicente Inácio Pereora, primeiro médico nascido no RN, casado com a sinhá-moça Isabel Varella.
De arquitetura neo-clássica, o prédio pertence oficialmente ao acervo da Fundação José Augusto e foi denominado Museu Nilo Pereira, em homenagem ao poeta bisneto do antigo dono da casa. A restauração data de 1978, quando o madeiramento foi trocado. Não há nenhum móvel dentro do casarão, aberto aos visitantes pelo "Barão", que tem a chave e mostra as suas dependências. "Aqui era o meu quarto", diz eloquente, em meio às ruínas.
Subir as escadas chega a ser pavoroso. Quando o grupo é de estudantes, Francisco mostra o casarão apenas pelo lado de fora, porque não há a mínima segurança. Tudo está abandonado ao redor e nem parece um órgão público. A viagem continua.
De novo a estrada. Outros engenhos no caminho. Engenho dos Imburanas: fechado para visitação. Engenho Verde-Nasce (1853, em foto na página 7), que pertenceu à família do juiz municipal Victor José de Castro Barroca e posteriormente foi passado aos herdeiros do coronel Felismino Dantas. A cerca é original, de ferro, vinda da Inglaterra. Os arredores do engenho são cercados de história, como o túmulo da Emma, inglesa desposada pelo jovem Victor quando ele fora estudar na Europa. Sua morte é cercada de mistério. Por ser anglicana, ela não pôde ser sepultada no cemitério católico. Pelo caminho, vê-se os "cemitérios de anjinhos", de crianças que não haviam sido batizadas e eras consideradas pagãs na tradição religiosa.
SERVIÇO: Visita-guiada pelo "Barão de Ceará-Mirim" - Guia Francisco Ferreira - Tel.: (84) 9156-9060 (Claro)/8839-4975 (Oi). Preço: a partir de R$ 3 (por pessoa).
Dica: Expedição Fotográfica ao Vale do Ceará-Mirim (APHOTO - Associação Potiguar de Fotografia) - Domingo, 16/09/12, com saída às 6h do Foto Practical (por trás da Igreja do Galo), na Cidade Alta. Retorno após o pôr do sol. Valor: R$ 20 (sócio)/R$ 35 (não sócio). Tel.: (84) 3211-5436.
Fonte: Tribuna do Norte
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