ALGODÃO: O NOSSO OURO BRANCO
A mata virou capoeira e algumas áreas estão ficando desétricas, provocadas pelo desmatamento. E o tempo está passando. Lá se vão duas décadas e meia, com novas gerações, e o espaço agrícola que um dia foi devorado no golpe da foice e do machado para dar lugar a pequenas plantações de algodão, milho e feijão, já está quase todo ocupado pela capoeira e pela criação de gado. Pela natureza nascem alguns arbustos compatíveis ao solo. Porém, no seio da mata renascida, resquício de uma época que se apresenta na retina fatigada do olhar saudoso do sertanejo, aparecem alguns pés de algodão viçosos que se abrem em flores e em frutos. Por várias décadas, principalmente a de 70 e início da de 80, do século XX, que foi a que eu presenciei, o algodão era a riqueza nas propriedades, foi o ouro branco do sertão.
Duas ‘carreiras’ de feijão e uma de milho, sendo que a de milho era alternada com a semente do algodão. Assim era a configuração da plantação na roça do camponês depois da terra molhada pelo 'inverno' e preparada para o plantio. O feijão e o milho, assim como permanecem até os dias atuais, eram destinados a subsistência da família e eram colocados em silos quando a safra era boa. Nos anos de boa colheita, o excedente era comercializado nas feiras mais próximas.
E o algodão? O algodão era a galinha dos ovos de ouro do homem da roça. Era quem garantia a renda adquirida através da safra e servia para comprar as vestimentas da família, um móvel novo para a casa, uma bicicleta, um boi de campina, um arado. Isso nas pequenas e médias propriedades. Já nas grandes fazendas, os agricultores tinham lucros maiores e, com isso, compravam caminhões, tratores, carroças, casas em Natal, carros particulares e algo mais.
Os ‘apanhadores’ de algodão saíam bem cedinho com o bisaco e o cabaço com água, no piar do passarinho ou no cantar do galo. “Vamos ver quem apanha mais?”. Havia sempre uma disputa. Falavam sempre que fulano ou sicrano era um grande ‘apanhador’. A unidade de medida era a arroba -15 quilos, levado à balança sempre no final da tarde. Caderneta na mão, Chico colheu 16 kg, José, 20; Maria, 17. A soma era acumulada por toda a semana e o pagamento, só após a venda do produto, no sábado, dia de feira na cidade. Na cidade circulavam caminhões e tratores com carroças 'carregados' de trouchas de algodão, que eram vendidas nas algodoeiras locais ou em outros centros. Vale salientar que o comércio era grande, muitos agricultores tinham imensos armazéns no centro da cidade para armazenar essa riqueza. Circulava muito dinheiro, além de festas como ano novo, carnaval, semana santa, São João, padroeiro da cidade, Natal. Imagine que o nosso município, Pedro Avelino, tinha quase 14 mil habitantes.
“Sai de cima do algodão, menino!, você vai adoecer, vai se coçar, pode cair e quebrar o braço”, esbravejava a mãe do garoto, cuidadosa. O depósito do produto era feito na primeira sala da casa ou no alpendre, a famosa varanda. Havia época que mal dava para adentrar para o interior da residência. O estoque chegava a tocar no telhado e as crianças se apropriavam da ‘ruma’ daqueles capuchos branquinhos para desenvolverem algumas peripécias. Dessa 'brincadeira' eu participei quando papai arrendou a fazenda Serra Aguda, no final da década de 60.
Com o tempo e por conta da ausência de políticas públicas em defesa do pequeno produtor rural, sobretudo, assistência técnica, o algodão foi aos poucos sendo consumido por uma praga, apenas conhecida como ‘bicudo’. Vencido, sem nenhuma alternativa que possibilitasse salvar a lavoura, a produção foi cessando até o seu esgotamento final.
E hoje, esquecido no seio da caatinga, a sua presença é apenas o testemunho que faz brotar na lembrança a sentença de um tempo que não volta mais.
Marcos Calaça, jornalista (UFRN)
Nenhum comentário:
Postar um comentário