Toda a noite com um machado a dor me feriu, mas o sonho passando lavou como uma escura água ensanguentadas pedras. Hoje estou vivo novamente. De novo te levanto, vida, sobre os meus ombros.
Ó vida, taça cristalina, de súbito enches-te de água suja, de vinho morto, de agonia, de desgraças, de pegajosas teias de aranha, e muitos crêem que guardarás para sempre essa cor infernal.
Não é verdade.
Uma noite lenta passa, passa um só minuto e tudo muda. Enche-se de transparência a taça da vida. Um longo trabalho nos espera. De um só golpe nascem as pombas. Se engendra a luz sobre a terra. Vida, os pobres poetas julgaram-te amarga, não saíram da cama contigo com o vento do mundo.
Sofreram os amargores sem te procurar, barricaram-se num negro tugúrio e foram-se atolando no luto dum solitário poço. Não é verdade, vida, és bela como a minha amada e tens entre os seios odor a menta.
Vida és uma máquina plena, felicidade, rumor de tempestade, ternura de delicado azeite.
Vida, és como uma vinha: amealhas a luz e reparte-la em cacho transformada.
Aquele que te renega que espere um minuto, uma noite, um ano curto ou longo, que saia da sua mentirosa solidão, que indague e lute, junte as suas mãos a outras mãos, que não adopte nem proclame a má-sorte, que a estilhace dando-lhe forma de muro, como à pedra fazem os canteiros, que a corte e dela faça umas calças. A vida espera todos aqueles que amam o selvagem odor a mar e a menta que ela tem nos seios.
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