segunda-feira, 18 de novembro de 2013

No belo mundo dos poetas

Os poetas são os fotógrafos da alma. Enquanto o profissional comum grava no postal, com auxílio da câmara e do laboratório apenas a pessoa ou a natureza, o poeta, com o arrimo das musas e das letras, retrata igualmente os homens e as paisagem acrescento-lhes a beleza do movimento. Na fotografia, o rio ou a campina aparecem de forma estática. Na prosa e no verso, através do artifício do pensamento e das letras, nós podemos ouvir o próprio marulho das águas correndo tranquilas sobre a ramagem ou cascateando no lajedo, na sua descida para o mar. Ai dos que zombarem daqueles que podem ouvir as próprias estrelas.

O poeta pode, ser um homem retraído, que encontra a inspiração apenas nas cousas subjetivas, é o caso do vate pacífico. Pode ser também um homem irrequieto, objetivo e então passa a constituir um perigo.
Vejamos o que fizeram dois traquinas do verso com Geraldo Dantas, na última buchada realizada na AABB, em benefício da Festa do Padroeiro, São João Batista.

O velho Geraldo, como geralmente é chamado, iniciou a festa bebendo sobriamente, mas descuidou-se um pouco e quando deu por si - se é que deu - estava de orelhas quentes, muito fogoso, a despeito do peso dos anos e das respeitáveis cãs que lhe adornam a cabeça.
Foi quando alguém atiçou os poetas e o Mote estalou para ser glosado:

Geraldo, Vá pro seu Canto, Velho não tem o que dar. Zé Dantas pegou a cousa no ar, alisou os cabelos do centro da cabeça para a nuca, sinal de inspiração, segundo ele próprio, e soltou este belo improviso:

Não queira viver de encanto,
Se esqueça da meninice,
Veja que está na velhice,
Geraldo vá pro seu canto;
E para enxugar seu pranto
Queira seu lenço puxar;
Nunca queira recordar
Sua boa mocidade,
Pense na eternidade...
Velho não tem o que dar.

O último verso foi abafado pelo chocalhar de um resto de brama no fundo de um copo que Zé Lucas balançava na mão, alarma de que a glosa para o Mote já entrava em contagem regressiva para ser disparado. E o outro improviso não se fez esperar:

Toda velhice é, do pranto,
Um primoroso veículo,
E, para não ser ridículo,
Geraldo vá pro seu canto.
A mocidade é um encanto,
A velhice é um pesar.
Eu peço: vá se sentar,
Por caridade me ouça,
Que em festa de gente moça
Velho não tem o que dar!

O velho fiscal nem se apercebia de que naquele momento era vítima líramente sacrificada nas rimas primorosas dos trovadores da Flôr do Penêdo e rodopiava no salão, rebolando macio como se estivesse a dançar sobre nuvens.

De novo a maldade de alguém entra em ação e cochicha no ouvido dos glosadores o seguinte Mote: Geraldo está transviado na buchada da AABB.

Desta feita foi Zé Lucas que se antecipou, improvisando para deslumbramento dos presentes a glosa:

Já está quase embriagado,
Sofrendo sua saudade.
Faz pena, mas é verdade:
Geraldo está transviado;
Embora desajeitado,
Já está dançando Yê-Yê-Yê.
Meu deus, eu não sei por que
Geraldo, que é tão conciso,
Hoje perdeu o juízo
Na buchada da AABB.

Zé Dantas não se fez de rogado e, com vivacidade, alinhou estas rimas atendendo também à inspiração dos "maus espíritos":

Estado quase melado,
Relembrou quando era novo,
Deu grande show para o povo
Geraldo está transviado.
Bancando o cabra danado,
Da festa ele foi um que,
Dançou até Yê-Yê-Yê,
Mas não usou da maldade,
Relebrando a mocidade
Na buchada da AABB.

Dei de pensar de tudo aquilo, na mordacidade do lirismo dos poetas, que tudo faziam para encher de maior alegria naquela manhã de sol, mesmo a despeito do sossego do "Divino Espírito Santo de Paraú" e terminei concluindo com este pensamento que forjei a duras penas, dentro da noite insone: De Coco velho, poetas, melhor azeite se tira.

Segundo grandes estetas,
- Isso não lhes causa horror -
Tomem nota por favor,
De côvo velho, poetas,
Se fazem boas coletas:
Doce, cocada e embira,
Óleo que o cabelo estira,
E do miolo, é verdade,
Com maior habilidade
Melhor azeite se tria.

(Artigo escrito pelo Sr. Pereira que foi gerente do Banco do Brasil de Assu, no início da década de setenta. O artigo transcrito acima fora publicado em O vaqueiro, edição de 20 de junho de 1971. Aquele jornalzinho circulou na década setenta, editado por um grupo de jovens da terra asuense, durante a festa do padroeiro do Assu, São João Batista).

Fernando Caldas

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