A minha não é, na grande guerra, a dor de todo o sangue que foi derramado.
Nem a das casas desmoronadas,
Nem a dos barcos perdidos
Nem dos bois, os campos talados,
Nem a do trigo,
Nem a dos ferros em sacrfícios sacrificados,
Cruzes ao chão, os cemitérios estilhaçados.
Nada, não.
A minha dor nas dores da grande guerra, não é,
na verdade, a dor de todo o sangue que foi derramado,
Nem a dos inocentes que foram imolados,
Nem a das virgens que foram violadas,
Nem a dos velhos,
Nem a dos moços,
Nem a da fome pelos estômagos enfraquecidos e depauperados,
Nem a dos afundados no mar,
Nem a dos que, estilhaçados, ainda para
Se despedaçarem na terra,
Nem a de todos os filhos,
Nem a de todas as mães,
Nem a de todas as noivas nos seus anseios e nas suas saudades,
Nem a da irmã para o irmão,
Nem a do amigo para o amigo,
Nada, não.
A minha dor nas dores da grande guerra, não é,
Verdadeiramente, a dor de todo o sangue que foi derramado.
Nem na sede, a das ressequidas gargantas cheias de febre,
Nem a do frio, sob as trincheiras,
Os homens para se verem tiritantes e desabrigados...
Nada, não.
Chénier decapitado pela maldade dos homens,
Pela inconsciência da maldade dos homens,
Pela inveja, no desvario todo de toda sua maldade,
E a ignomínia de sua avareza,
E a sua pobreza toda de espiritualidade,
Nada em nada da menor grandeza;
A minha dor nas dores da grande guerra é a
Dor dos cérebros que foram trucidados,
Dos Chénier que nada deram e que tudo sentiram para dar,
Dqueles que sentiam o mar,
Daqueles que sentiam a terra,
E que sentiam o céu, o céu para todo deles se desdobrar,
O céu que era neles tudo de todas as estrelas,
E que deles para se refletir como as estrelas se refletem para o mar.
(Nota: O referenciado poema fora irradiado, salvo engano, na década de quarenta, pela rádio britânica BBC, bem como mostra a grandeza da poesia deste bardo potiguar do Assu, a quem "o Brasil deve um gesto merecido de consagração", como insinua o jornalista e cronista norte-riograndense Vicente Serejo).
Fernando Caldas
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