CÂMARA CASCUDO DISSE:
"Igrejas e Arte Religiosa"
"(...) A mania da remodelação, para pior, ataca os nervos de muita gente bem intencionada. Creio firmemente que, na futura reforma dos Seminários brasileiros, reforma com as luzes dum Dom Xavier de Matos, seria indispensável a cadeira de Arte Religiosa Brasileira para ensinar aos nossos párocos um mais profundo amor pelos monumentos legados pelas gerações desaparecidas. Sirva de exemplo o altar da Igreja de Serra Negra, em madeira talhada, simples e emocionante prova de fé, quebrado, inutilizado, destruído, para ser substituído por um altar de tijolo ou cimento, sem significação, e história." (p.24)
"Durante o séc. XIX quase todas as Igrejas foram ‘remodeladas’, raspados seus frontispícios venerados, riscadas em sua fisionomia própria e coberta de cal e enfeites, de acordo com a inteligência do tempo. Ninguém lembrou a necessidade de conservar a fachada tal como estava e fazer adaptações interiores, respeitando os altares quando dignos de mantença. Igreja é prova de Fé e esta não se abala. Mesmo assim, com a devastação, ainda possuímos alguns documentos curiosos que atestam a revivência do barroco durante fins do séc. XVIII e XIX." (p.25)
"De todos os templos que visitei no Estado (nos 35 municípios que conheço) quase todos são incaracterísticos e já não podem ser apontados como estilos. São testemunhas de várias tarefas de consertos onde as mais estranhas mãos desviaram de seu trilho a espírito arquitetural daquelas capelas seculares." (p.25)
"Onde podemos ver a sobrevivência do barroco e a justiça dos que o dizem ter sido o verdadeiro estilo religioso brasileiro, é nos portões dos Cemitérios que escaparam à fúria modernizadora dos estetas." (p.26)
"Um outro ponto melancólico é a substituição dos Santos de madeira pelos Santos de gesso e de massa, bonitos e róseos com uma lindeza extra-humano." (p.26)
"(...) Deixaram o destronado orago num altar lateral enquanto o novo assumia o posto de honra no altar-mor. O Povo, habituado com o primeiro, continua obstinadamente, a recorrer ao conhecido padroeiro, dando-lhe orações e pagando promessas." (p.26-27)
"(...) Um trabalho de madeira é sempre um esforço pessoal, direto, próprio. Fique feio ou deslumbrante, o caso é que é um produto da inteligência humana, sem o auxílio da máquina polidora. Um trabalho de gesso, cartão ou massa, sempre bonito, é sempre o resultado frio da máquina, produto igual, monótono em sua beleza, sem calor da mão humana, rude ou apta, mas sincera." (p.27)
[Termina a crônica afirmando]
"Se os Santos de madeira são impróprios para o Culto ao menos conservemo-los como objetos de Arte, Arte primitiva, tosca, iniciante, mas Arte fiel a si mesma." (p.27)
Fonte: "Viajando o Sertão (VI)".
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