SÁBADO, 9 DE DEZEMBRO DE 2006
O MUEZIM DE CAPIM MACIO
Jornal de WM - Tribuna do Norte
- 27 MAR 05
Walflan de Queiroz morreu no dia 13 de agosto de 1995. Era um domingo. Tinha 65 anos. Na terça-feira, 15, fiz o registro no Jornal de WM:- Morreu o poeta Walflan de Queiroz. Das figuras mais marcantes da inteligência natalense. Poeta de formação filosófica profunda. Culto, poliglota, irrequieto e místico. Foi monge e marinheiro. Tinha paixão pelos filósofos alemães e os poetas franceses. Rimbaud foi a sua grande leitura poética. Morreu lendo Rimbaud, em francês, em cujo idioma escreveu vários poemas publicados em cinco ou seis livros que deixou.- Era sobretudo um homem natalense. Um cidadão do Grande Ponto. De Natal do final dos anos quarenta. Mas foi no decorrer dos anos cinqüenta que se tornou um dos centros das conversas intelectuais da cidade, nas rodas intermináveis do Grande Ponto. Dali, ponto de partida para as investidas na noite boêmia da província. Há lances fantásticos dessas peregrinações noturnas.- Gostava de política. Fez comícios para seus candidatos e foi líder estudantil em Natal e no Recife, onde formou-se pela famosa Faculdade de Direito. Era presença certa nas convenções do seu partido, a UDN, no então Teatro Carlos Gomes, onde se realizavam também os embates estudantis. Falava das sacadas dos camarotes, como um Castro Alves papa-jerimum. Era um místico. Às vezes muçulmano confesso; outras, discípulo de Iavê. O seu misticismo avançava por essas contradições impossíveis. E amou loucamente. Idealizava o amor e sofria no amor que idealizava: “Três amores / E uma solidão. Irene, Tânia / E Herna / Vi Abraão/ No Monte Moria. / Três amores / E uma solidão, / Irene azul. / Tânia amarga / E Herna triste.”-
Saudades.”
Primeira vez que vi Walflan foi no distante ano de 1945, o país em campanha eleitoral para eleger um novo presidente da República, depois da deposição de Getúlio Vargas. Candidaturas do Brigadeiro Eduardo Gomes e do General Eurico Dutra. Campanha para eleger um novo Congresso. Café Filho, candidato a deputado federal, inaugurava um jornal que ficava na sede do seu partido. Era na avenida Rio Branco, onde hoje estão as Lojas Americanas. Primeira vez que eu entrava num jornal, tinha uns oito anos e fui levado por meu pai, um cafeísta extremado. Na sala grande, homens sérios e enfatiotados ouviam com muita atenção um jovem de uns 16 anos, também de terno e gravata, fazendo uma explanação. Era Walflan. Nunca me esqueci. Mais tarde, o menino e o jovem rapaz seriam amigos e andarilhos noturnos desta cidade de Poti.
Laélio Ferreira de Melo, que anda metido no blog “Alma do Beco” e através do qual vai divulgando suas pesquisas que entram pelas veredas das artes e das letras, me manda imeio sustentado em texto de muito tutano. Tarefa de quem sabe colocar a palavra no lugar certo e com o molho adequado à boa prosa. Laélio, que eu conheço derna de menino pelas calçadas da rua Auta de Souza chegando à esquina da Rio Branco, por um lado, e pelo outro indo até a Princesa Isabel e Felipe Camarão, Natal dos anos quarenta (fui companheiro de Hermilo, seu irmão mais velho), é poeta, filho de poeta, e promete ainda para este semestre uma edição nova e ampliada (com inéditos) de Sertão de Espinho e de Flor, livro do seu pai, o grande Othoniel Menezes. Pois bem, este imeio que ele me mandou na noite de segunda-feira passada, é uma mensagem especial endereçada ao poeta Sanderson Negreiros e fala de um outro poeta de nome Walflan de Queiroz, uma das mais fascinantes inteligências do Rio Grande do Norte, que morreu vai fazer agora em agosto dez anos. Antes de passar a palavra para o Laélio, ressalto que o título “O muezim de Capim Macio” (Mensagem para Sanderson Negreiros) é dele:
O MUEZIM DE CAPIM MACIO
(Mensagem para Sanderson Negreiros - que nunca respondeu!)
Laélio Ferreira de MeloPoeta, pesquisador
Escavacando papel velho, dei, por cá, com uma folha de anotações que diz respeito a você e à Poesia.
No final dos anos oitenta, a pedido de amigos, organizei numa clínica de saúde mental, em Natal, uma pequena biblioteca. Sugeri aos diretores um nome, imediatamente aprovado: “WALFLAN DE QUEIROZ”. Era, o próprio, um dos pacientes mais antigos do lugar, parente dos donos da instituição. A um dos irmãos, pedi a doação dos livros do poeta e nas estantes os arrumei com carinho. Do homenageado, com muito jeito e agrado, auxiliado por um fotógrafo sorrateiro e camarada, descolei razoável fotografia colorida e ampliada, para a indispensável entronização na sala acanhada. Finalmente, na data aprazada, foi uma festa e tanto, Mestre Sanderson.
Conhecia Walflan há mais de quarenta anos – tinha eu uns seis ou sete - desde a casa do meu Pai, na Avenida Rio Branco, cercanias do velho Mercado. Sempre de terno de linho branco impecável, na gravata encarnada um alfinete de pérola, sapato “Fox”, brilhantina nos cabelos, com fala grave e sonora , ao cair da noite papeava com meu Pai, velho amigo do seu. Uma algaravia, um charabiá repleto de erres que eu e meu irmão, um pouco mais velho, curiosos, não entendíamos. Era, descobrimos perguntando, tão-somente dois Poetas falando francês, o belo idioma de Hugo, Verlaine e Rimbaud ! Bom mesmo, para nós, meninos, era a moeda de mil réis que o rapaz risonho nos dava “para comprar confeito”, terminada a conversa.
Anos depois, a luta pela vida me afastou de Natal e de Walflan por muitos lustros. Por onde andei, poucas notícias tinha do moço culto de terno branco que me dava moedas, do filho do Doutor Letício, bacharel no Recife, promotor público, monge trapista, sábio, embarcadiço, aventureiro, diretor de museu – que confessava em versos ser “poeta maldito” e ter “pedido esmola na porta de Notre Dame”.
No final dos anos oitenta, a pedido de amigos, organizei numa clínica de saúde mental, em Natal, uma pequena biblioteca. Sugeri aos diretores um nome, imediatamente aprovado: “WALFLAN DE QUEIROZ”. Era, o próprio, um dos pacientes mais antigos do lugar, parente dos donos da instituição. A um dos irmãos, pedi a doação dos livros do poeta e nas estantes os arrumei com carinho. Do homenageado, com muito jeito e agrado, auxiliado por um fotógrafo sorrateiro e camarada, descolei razoável fotografia colorida e ampliada, para a indispensável entronização na sala acanhada. Finalmente, na data aprazada, foi uma festa e tanto, Mestre Sanderson.
Conhecia Walflan há mais de quarenta anos – tinha eu uns seis ou sete - desde a casa do meu Pai, na Avenida Rio Branco, cercanias do velho Mercado. Sempre de terno de linho branco impecável, na gravata encarnada um alfinete de pérola, sapato “Fox”, brilhantina nos cabelos, com fala grave e sonora , ao cair da noite papeava com meu Pai, velho amigo do seu. Uma algaravia, um charabiá repleto de erres que eu e meu irmão, um pouco mais velho, curiosos, não entendíamos. Era, descobrimos perguntando, tão-somente dois Poetas falando francês, o belo idioma de Hugo, Verlaine e Rimbaud ! Bom mesmo, para nós, meninos, era a moeda de mil réis que o rapaz risonho nos dava “para comprar confeito”, terminada a conversa.
Anos depois, a luta pela vida me afastou de Natal e de Walflan por muitos lustros. Por onde andei, poucas notícias tinha do moço culto de terno branco que me dava moedas, do filho do Doutor Letício, bacharel no Recife, promotor público, monge trapista, sábio, embarcadiço, aventureiro, diretor de museu – que confessava em versos ser “poeta maldito” e ter “pedido esmola na porta de Notre Dame”.
Nos ocasos de alguns dias, quando o reencontrei na clínica de Capim Macio – abatido, o rosto cavado pela magreza, os dedos finos manchados pela nicotina -, nas raras ocasiões para o diálogo, instado, provocado, reconhecia-me, pedindo cigarros ao “filho de Othoniel” ! Recitava salmos e suratas, indagava pelo “Grande Ponto”...
No pico das doses mais fortes de aldol, no prelúdio do sossego, ainda agitado, subia a um dos bancos do jardim e, numa mescla de cantochão gregoriano e pregão de muezim, desandava o querido vate a declamar, com sofrível dicção, palavras e nomes do seu gigantesco vocabulário, algumas e alguns por mim gravados, à época: “Alá, Adonai, arrabil, Aluízio Alves, Apolinaire, Aramis, acadiano,Baudelaire, Gotardo, apocalipse, Miriam Coeli, Baal, Bel, Li Po, Vale de Josafá, Iavé, Jeová, Eloím, Trapa, Otoniel, Rancé, Cister, cisterciense, Dalton Melo, humanista, Djalma, Soligny, Islã, trapista, eloísta, mulçumana, Roldão, Brama, Parnaso, geena, faiança, Giralda, runa, Excalibur, Saladino, durindana, Natan, Betsabé, deambulatório, Leviatã, consitório, Patmos, Jó, Rimbaud, Patagônia, João Café, Moisés, Tânia, Genilda, paladino, Walt Whitman, Dom Quixote, Irene, França, Ulisses Cavalcanti, mamãe, Sheaskspeare, amidalite e - deixei para o final – Sanderson Negreiros...Este é o registro, dou fé.
No pico das doses mais fortes de aldol, no prelúdio do sossego, ainda agitado, subia a um dos bancos do jardim e, numa mescla de cantochão gregoriano e pregão de muezim, desandava o querido vate a declamar, com sofrível dicção, palavras e nomes do seu gigantesco vocabulário, algumas e alguns por mim gravados, à época: “Alá, Adonai, arrabil, Aluízio Alves, Apolinaire, Aramis, acadiano,Baudelaire, Gotardo, apocalipse, Miriam Coeli, Baal, Bel, Li Po, Vale de Josafá, Iavé, Jeová, Eloím, Trapa, Otoniel, Rancé, Cister, cisterciense, Dalton Melo, humanista, Djalma, Soligny, Islã, trapista, eloísta, mulçumana, Roldão, Brama, Parnaso, geena, faiança, Giralda, runa, Excalibur, Saladino, durindana, Natan, Betsabé, deambulatório, Leviatã, consitório, Patmos, Jó, Rimbaud, Patagônia, João Café, Moisés, Tânia, Genilda, paladino, Walt Whitman, Dom Quixote, Irene, França, Ulisses Cavalcanti, mamãe, Sheaskspeare, amidalite e - deixei para o final – Sanderson Negreiros...Este é o registro, dou fé.
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