Por Marcos Pinto – historiador e advogado apodiense.
Fonte – http://tudodorn.blogspot.com.br/2014/10/de-como-se-votava-antigamente.html
Durante o primeiro período republicano
brasileiro, que alguns historiadores denominam de 1ª
República(1889-1930), o processo de votação utilizado nos pleitos
eleitorais para a escolha dos representantes aos legislativos estaduais e
federal configuravam um cenário exótico exatamente no dia da eleição.
Os chefes políticos postavam-se nos lados da mesa eleitoral (á época era
urna)m instalada sempre dentro das igrejas matrizes. Adredemente
formada por componentes vinculados à situação, com objetivos não
recomendáveis, para forjação das atas eleitorais, não raro eram
contestadas, por recurso, os seus resultados.
Cada chefe político recebia a
quantidade de cédula em número igual ao de cidadãos aptos ao exercício
do voto. O voto era sufragado em aberto, ou seja, o eleitor, ao adentrar
o local onde localizava-se a mesa eleitoral, dirigia-se ao chefe
político ao qual era liderado, na maioria das vezes pela camaradagem,
pelo compadrio e pelo “favor” devido, por plantar nas terras dos majores
e coronéis da Guarda Nacional. Destes, recebia a cédula para, a seguir,
dirigir-se à mesa, por seu presidente, apresentando documento/título.
Era-lhe entregue uma sobrecarta vazia, onde o leitor depositava a cédula
eleitoral, e incontinenti colocava-a dentro da urna. Feito isto,
retornava à mesa eleitoral, onde fazia a aposição da assinatura na folha
que era destinada aos votantes.
Conta-nos o saudoso historiador
Raimundo Nonato, em uma de suas celebres obras, que agora me flagro em
olvido, que em uma cidade do Oeste Potiguar era tanto o pode de mando do
chefe político, que os seus eleitores que não sabiam assinar eram
substituídos pelos alunos do primário, isto no dia seguintes ao da
eleição. Sabe-se que as professoras eram nomeadas por indicação
política, o que as fazia submissa à esse tipo de expediente.
Certa feira, o escrivão eleitoral que
também devia o cargo ao chefe político, conduziu a folha de votantes até
a escola para que os alunos fizessem a aposição das assinaturas dos
votantes que não sabiam assinar e que eram eleitores certos do chefe
situacionista. Apurados os votos, o Sr. Juiz eleitoral determinou ao
oficial de justiça (o escrivão encontrava-se em diligências) que o mesmo
lesse em voz alta os nomes constantes na folha de votação.
Lá pras tantas o escrivão leu:
Quinhentos Réis de bosta. O juiz e os presentes olharam estupefactos
para o oficial de justiça, como a interroga-lo pelo tamanho disparate.
De sorte que, neste interiam, chega de inopino o sr. escrivão eleitoral
que ainda ouviu a aberração e, antes que o juiz o interroga-se sobre o
inusitado, pega da lista de votantes e lê, em voz alta: Quintino Reis da
Costa, sanando assim o vexame. Ocorrera que o aluno que assinara a
lista ainda engatinhava na leitura, o que o fez entender o nome do
eleitor de forma errônea.
Esse método de votação era conhecido
como voto à bico-pena ou eleição à bico-de-pena. Naquela época, roubar
no resultado de eleições era parte integrante da vida política
brasileira. Nestes moldes de votação havia dois pesos e duas medidas. O
eleitor escolhia de forma espontânea e concreta os candidatos de sua
predileção, evidenciando honestidade à toda prova, por outro lado
amarrava o voto do eleitor que votava por compra ou por divida de
favor.
A imposição do voto secreto fez surgir
no seio do eleitorado um processo de venalidade e de desonestidade
moral própria, sem precedentes, e crescentes à cada eleição. O eleitor
usa essa nuance do voto secreto para “assumir compromissos” com vários
candidatos, em troca de benesses de cunho material (materiais de
construção, enxovais para casamento, para criança,etc.) como também
recepção de gêneros alimentícios – as famosas cestas básicas. Tinha
razão Bertold Brecht quando disse: “O pior analfabeto é o analfabeto
político”.
A metodologia da eleição à
bico-de-pena era aplicada devido a compatibilidade prática com o pequeno
número de eleitores existentes à época, o que proporcionava ao chefe
político o conhecimento memoriado, de cor e salteado, de todos os nomes
de seus eleitores. Daí fixaram-se nas mentes bocós como pomposo e
admirado populista, conferindo-lhe falsa identidade com os humildes do
bolso e da mente. Eram meros instrumentos do domínio político. Resta a
certeza de os políticos, em sua maioria, pensam e agem como se a massa
eleitoral não passasse de resto do resto do resto. É duro, mas é
verdade.
Por força da Constituição Federal
realizaram-se as eleições em todo o país, no dia 19 de janeiro de 1947,
com a aplicação de novo método de votação, que consistia em que o
eleitor já trazia de casa a cédula de votação já sufragada, restando
apenas a obrigação de se dirigir à mesa eleitoral para dela receber a
sobrecarta vazia, colocar a cédula dentro, e a seguir depositar na urna.
As cédulas eram distribuídas de forma aleatória, valendo a capacidade
de conquista e de persuasão para o sucesso de vitória. Nesta eleição o
cidadão votou para governador, 3ª senadoria e suplência, suplente de
senador eleito em 1945 e deputados estaduais.
Este último método de votação foi
utilizado até 1957. Ao eleitor menos esclarecido resta a convocação para
uma cruzada de combate aos políticos caras-de-pau, submetendo-os a uma
derrapagem no óleo de peroba da consciência sob a poeira da
obscuridade.
Em termos de apagão, amalgama-se a
razão eleitoral para, como um furacão, incendiar os corações numa ira
sagrada, tendo como estuário o magnânimo rio da conscientização
política, espraiando surpreendente exaltação moral de um povo usado,
espoliado e maltratado.
Do blog: http://tokdehistoria.com.br, de Rostand Medeiros
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