segunda-feira, 9 de maio de 2016

PAÍS GASOSO
A república, no Brasil, sempre foi tratada culturalmente no aceiro do secundário. Somos sebastianistas, a esperar um rei que foi não se sabe pra onde e que um dia voltará não se sabe de onde. Vivemos da espera, na cova da esperança.
Tanto é assim que as preferências nacionais são marcadas pela coroa, posta na cabeça do ídolo. Ou do destacado. Rei do baião, rei da juventude, rainha dos baixinhos, rei do queijo, rei do futebol, príncipe dos poetas. E por aí vai.
E o próprio país é um rei. Rei da farsa. Essa deformação trágica, que desmoraliza a tragédia, carrega a marca do Brasil desde que foi chamado de ilha. De Vera Cruz, credo!
A nossa república é um cipoal de instabilidade política, deformação econômica e bagunça institucional.
A política se faz na base do arrumado, seja na compra de votos ou no amparo cartorial. A economia oscila entre a exploração e a esmola. Enquanto a ordem institucional navega em águas turvas no meio dos holofotes.
Em matéria de ação institucional a luminosidade excessiva cega tanto quanto a escuridão. Produz heróis de fancaria, quando apenas cumprem sua obrigação. O número dos que não cumprem é tamanho, que os poucos cumpridores viram heróis.
O heroísmo de ocasião. Demóstenes Torres foi herói, rei do combate à corrupção. Desmascarado, voltou à república. Deixou de ser rei. É apenas marajá, no ostracismo.
Joaquim Barbosa foi rei do Supremo. Ao aposentar-se perdeu a toga e o reinado. Ninguém mais fala dele. Está na planície da república.
Temos novos heróis e seus ducados. Nas folhas de cá e de longe, com pose de heroísmo numa festa onde a gravata borboleta substitui a espada.
Lula foi rei. De quê? Rei do ABC. Na cartilha do populismo petista, a substituir o populismo getulista. Getúlio foi a tragédia, Lula é a farsa.
Dilma é colega da Maria Stuart, a rainha que não reinou. E acabou degolada pela prima da Inglaterra, cuja coroa ela reivindicava dizendo que Elizabeth dera um golpe. Tal qual a rainha escocesa, Dilma perderá a coroa. Mesmo salvando a cabeça.
Deodoro foi deposto. Floriano quis impedir a posse do sucessor. Manoel Vitorino quis a cadeira de Prudente de Morais, que a tomou de volta chegando mais cedo ao Catete. Um golpe evitado pelo traseiro, no Palácio inventado por Vitorino.
Café Filho serviu à tentativa de golpe, “adoecendo” do coração. Carlos Luz foi derrubado por Lott, que garantiu a posse de JK. O PT confessa que golpeou Collor, para endossar a acusação de golpe contra Dilma. Tudo serve aos argumentos de todos. O cinismo ampara os dois lados.
O Brasil só tem solidez geográfica. Sua história é um rosário mal rezado. De contas de faz de conta. Em matéria institucional, o país não é sólido. Nem líquido.
O Brasil é institucionalmente gasoso. E poucos gozam do desfrute desse gás. Té mais.
[François Silvestre, escritor]

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