Da linha do tempo/Face de Laélio Ferreira
NATAL NAS QUEIXAS DO POETA...
"O epitáfio mais pomposo,
a quem, porventura, o gozo
do que não teve, dará?...
– Na vala comum, não dorme,
o diamante rude e enorme
do crânio de Itajubá? (4)
"O epitáfio mais pomposo,
a quem, porventura, o gozo
do que não teve, dará?...
– Na vala comum, não dorme,
o diamante rude e enorme
do crânio de Itajubá? (4)
E eis o que este te diria,
sem a santa hipocrisia
do que te disse – por Deus!
Vê quão fiel se te ajusta,
Natal, cidade-Locusta (5),
Cornélia... (6) de filisteus!
–”A terra onde tenho o nome,
mata os poetas – de fome.
Profeta, nenhum se viu...
A parábola de Cristo
não teve melhor registo,
mais dura não se cumpriu!
“Moura-torta (7) de poetas!
Em minha vida, completas
o que fizeste aos demais!
Não venhas, depois, no trilho
dos meus versos: – Ai, meu filho!–
carpir, (8) madrasta mendaz! (9)
És linda. Iara (10) morena,
pulando da água serena
do Potengi, (11) a cantar,
nua, à sombra dos coqueiros,
perfumada de cajueiros
– os seios furando o mar...(12)
–Jamais quiseste, entretanto,
ouvir o amoroso canto
de um filho. Formosa e cruel,
à míngua os matas. E, calma,
lhes negas tivessem alma.
És mãe – como a cascavel... (13)
Porventura, alguma estátua
já ergueste, cabocla fátua,(14)
a quem fosse meu irmão?
Se a políticos se faça,
quando farás, e em que praça,
a de Alberto Maranhão? (15)
Órfão de paz e conforto,
que importa – depois de morto –
teus remorsos merecer?
Maldita sejas se, um dia,
tentares, hiena impia,
as cinzas me revolver! (16)
De resto, não m’as perdeste?
Melhor destino, foi este,
que o de um rótulo em latim
– língua de enterro e de foro,
em que se diz que foi de ouro
tanta vasilha ruim...
A glória a que aspiro – a única –,
a que há de ser minha túnica,
mais sagrada que a de um rei,
posse, intangível, se planta
na alma do povo – que canta
as canções que lhe ensinei!
NOTAS DE LAÉLIO FERREIRA DE MELO
5) Locusta. Ver nota em Jardim tropical.
6) Colonia Cornelia Veneria Pompeianorum. Cidade romana de Pompéia,
destruída por uma erupção do Vesúvio, no ano 79 d.C.
7) Entidade fantástica do folclore português, personagem mourisca malfazeja, o oposto da moura-encantada.
8) Arrancar (o cabelo) em sinal de dor. Tratar de, dizer, contar, exprimir,
lamentando-se; queixar-se de; lamentar, chorar.
9) Mentirosa, hipócrita, falsa. Traiçoeira, desleal, pérfida.
10) Segundo Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro – 9ª. edição,Global Editora), “Nome convencional e literário da mãe-d’água, iara, senhora”.A Enciclopédia Compacta Brasil – Larousse Cultural, Nova Cultura,1995, define-a como “figura mitológica difundida entre os indígenas e caboclos após o século XVII, de aculturação provavelmente européia e
tendo suas raízes nas sereias. Loira e muito bonita, a mãe-d’água atrai os
pescadores, ou quem quer que se aproxime de rio ou praia à noite, e leva
o pretendente a afogar-se em busca de diversão. Em algumas comunidades é reputada como protetora das águas e pescas. Sendo meio peixe emeio mulher, apresenta-se a pentear os cabelos, a cantar ou mesmo conversando com algum passante. Encantado e quase que sob efeito hipnótico, o pretenso parceiro mergulha nas profundezas da água, onde sufoca e morre”.
11) “Rio em cuja margem direita está a cidade do Natal. O mesmo Rio Grande do Norte, dando nome à Capitania, Província e Estado. De poti-gi, rio dos camarões” (Luis da Câmara Cascudo, Nomes da Terra, Fundação José Augusto, 1968). A “iara morena” de OM, hoje em dia, não se arriscaria a mergulhar nas águas do rio – o “Potengi amado” da “Serenata do pescador” (Ver O cancioneiro de Othoniel Menezes, neste volume). O mito folclórico, hoje, não resistiria à poluição do curso d’água, altamente comprometido por culpa da administração pública e da ganância empresarial. Bela e pobre iara!
12) O poeta construiu a imagem dos “seios furando o mar” levando em conta o formato semicircular do litoral natalense entre as Pontas de Genipabu (ao Norte) e a do Pinto (ao Sul).
13) A cascavel (Crotalus durissus) é ovovivípara (animal cujo ovo é incubado no interior do organismo materno, sem se nutrir à custa desse organismo). Os ovos se rompem dentro da fêmea e nascem as cobrinhas formadas. Diz-se, no sertão, que a mãe cascavel pratica o infanticídio, matando e devorando (canibalismo) os filhotes que se aproximam do seu focinho.
14) Estulta; néscia, tola, insensata.
15) Quase oitenta anos depois, Alberto Maranhão continua sem um broze em praça pública. Enquanto isso...
sem a santa hipocrisia
do que te disse – por Deus!
Vê quão fiel se te ajusta,
Natal, cidade-Locusta (5),
Cornélia... (6) de filisteus!
–”A terra onde tenho o nome,
mata os poetas – de fome.
Profeta, nenhum se viu...
A parábola de Cristo
não teve melhor registo,
mais dura não se cumpriu!
“Moura-torta (7) de poetas!
Em minha vida, completas
o que fizeste aos demais!
Não venhas, depois, no trilho
dos meus versos: – Ai, meu filho!–
carpir, (8) madrasta mendaz! (9)
És linda. Iara (10) morena,
pulando da água serena
do Potengi, (11) a cantar,
nua, à sombra dos coqueiros,
perfumada de cajueiros
– os seios furando o mar...(12)
–Jamais quiseste, entretanto,
ouvir o amoroso canto
de um filho. Formosa e cruel,
à míngua os matas. E, calma,
lhes negas tivessem alma.
És mãe – como a cascavel... (13)
Porventura, alguma estátua
já ergueste, cabocla fátua,(14)
a quem fosse meu irmão?
Se a políticos se faça,
quando farás, e em que praça,
a de Alberto Maranhão? (15)
Órfão de paz e conforto,
que importa – depois de morto –
teus remorsos merecer?
Maldita sejas se, um dia,
tentares, hiena impia,
as cinzas me revolver! (16)
De resto, não m’as perdeste?
Melhor destino, foi este,
que o de um rótulo em latim
– língua de enterro e de foro,
em que se diz que foi de ouro
tanta vasilha ruim...
A glória a que aspiro – a única –,
a que há de ser minha túnica,
mais sagrada que a de um rei,
posse, intangível, se planta
na alma do povo – que canta
as canções que lhe ensinei!
NOTAS DE LAÉLIO FERREIRA DE MELO
5) Locusta. Ver nota em Jardim tropical.
6) Colonia Cornelia Veneria Pompeianorum. Cidade romana de Pompéia,
destruída por uma erupção do Vesúvio, no ano 79 d.C.
7) Entidade fantástica do folclore português, personagem mourisca malfazeja, o oposto da moura-encantada.
8) Arrancar (o cabelo) em sinal de dor. Tratar de, dizer, contar, exprimir,
lamentando-se; queixar-se de; lamentar, chorar.
9) Mentirosa, hipócrita, falsa. Traiçoeira, desleal, pérfida.
10) Segundo Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro – 9ª. edição,Global Editora), “Nome convencional e literário da mãe-d’água, iara, senhora”.A Enciclopédia Compacta Brasil – Larousse Cultural, Nova Cultura,1995, define-a como “figura mitológica difundida entre os indígenas e caboclos após o século XVII, de aculturação provavelmente européia e
tendo suas raízes nas sereias. Loira e muito bonita, a mãe-d’água atrai os
pescadores, ou quem quer que se aproxime de rio ou praia à noite, e leva
o pretendente a afogar-se em busca de diversão. Em algumas comunidades é reputada como protetora das águas e pescas. Sendo meio peixe emeio mulher, apresenta-se a pentear os cabelos, a cantar ou mesmo conversando com algum passante. Encantado e quase que sob efeito hipnótico, o pretenso parceiro mergulha nas profundezas da água, onde sufoca e morre”.
11) “Rio em cuja margem direita está a cidade do Natal. O mesmo Rio Grande do Norte, dando nome à Capitania, Província e Estado. De poti-gi, rio dos camarões” (Luis da Câmara Cascudo, Nomes da Terra, Fundação José Augusto, 1968). A “iara morena” de OM, hoje em dia, não se arriscaria a mergulhar nas águas do rio – o “Potengi amado” da “Serenata do pescador” (Ver O cancioneiro de Othoniel Menezes, neste volume). O mito folclórico, hoje, não resistiria à poluição do curso d’água, altamente comprometido por culpa da administração pública e da ganância empresarial. Bela e pobre iara!
12) O poeta construiu a imagem dos “seios furando o mar” levando em conta o formato semicircular do litoral natalense entre as Pontas de Genipabu (ao Norte) e a do Pinto (ao Sul).
13) A cascavel (Crotalus durissus) é ovovivípara (animal cujo ovo é incubado no interior do organismo materno, sem se nutrir à custa desse organismo). Os ovos se rompem dentro da fêmea e nascem as cobrinhas formadas. Diz-se, no sertão, que a mãe cascavel pratica o infanticídio, matando e devorando (canibalismo) os filhotes que se aproximam do seu focinho.
14) Estulta; néscia, tola, insensata.
15) Quase oitenta anos depois, Alberto Maranhão continua sem um broze em praça pública. Enquanto isso...
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