O povo de Natal topou a revolução de pura farra.
Saquearam um depósito militar e passaram a andar fantasiados de soldado.
O transporte coletivo virou gratuito. Que dia!
Era 23 de Novembro de 1935 e o dia corrida tranquilo na pequena
cidade de Natal de cerca de 40 mil habitantes. Um dia bem diferente dos
anteriores, que foram marcados por vários incidentes de rua como
assaltos a bondes.
Natal estava prestes a ter o maior levante militar de sua história,
que ocorreria no Batalhão do Exército. Logo mais em breve a capital
potiguar iria cair nas mãos de rebeldes, que destituíram os governantes
locais dos seus cargos.
Eis que no quartel militar do 21º Batalhão de Caçadores (21º BC) chega uma informação chave
O 21º Batalhão de Caçadores
A de que o general Manuel Rabello, comandante da 7ª Região Militar do
Recife, havia autorizado o licenciamento de alguns cabos, soldados e
tenentes que estavam com tempo vencido na carreira militar, e a expulsão
de outros, acusados de envolvimento em incidentes de rua ocorridos dias
antes em Natal, incluindo assaltos a bondes.
Este documento causou um movimento que estava sendo articulado há
alguns dias entre lideranças militares e sindicatos locais junto com
membros do PCB estadual. O objetivo era apoiar a revolução nacional que
estava sendo preparada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), no Rio
de Janeiro.
“Havia uma preparação para o levante sob a
direção do Partido Comunista, que atuava no 21º Batalhão de Caçadores e
em vários sindicatos locais. Eles apenas aguardavam as orientações do
comitê central”, explica Homero de Oliveira Costa, professor de
ciências políticas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
e estudioso da insurreição de Natal.
Além disso, Homero lembra que a cidade já vivia momentos de tensão política desde o ano anterior:
“O
Rio Grande do Norte teve uma das mais tumultuadas eleições do país, com
diversos conflitos de ruas, assassinatos, prisões e repressão. Isso
criou uma situação muito tensa no Estado, e em Natal em particular”, completa.
Mas aconteceu um erro de comunicação
Luís Carlos Prestes – Bundesarchiv; BArch
Os acontecimentos daquele Sábado foram acontecendo de tal maneira que
não houve tempo nem de avisar a ANL, cujos líderes (incluindo Prestes)
aguardavam o melhor momento para
eclodir a revolução em nível nacional. Em função das expulsões ordenadas pelo comando militar no Recife, o PCB estadual e os integrantes do Batalhão decidiu
dar início ao motim naquele mesmo dia.
Aí o caldo entornou
Por volta das 19:30 um grupo de militares rebeldes, liderados pelo
sargento Quintino Clementino de Barros, rendeu os oficiais de plantão no
Batalhão e,
com fuzis apontados para a cabeça dos soldados, ordenaram que estava todo mundo preso por ordem do capitão Luís Carlos Prestes.
Sem apresentar resistência, revolucionários liderados por Quintino e
apoiados por grupos civis organizados [como o sindicato dos estivadores,
muito forte na cidade], tomaram o quartel e ocuparam locais
estratégicos da cidade, tais como: o palácio do governo, a Vila
Cincinato – residência oficial do governador -, a central elétrica de
Natal, a estação ferroviária e as centrais telefônica e telegráfica da
cidade.
Informado sobre a confusão, o governador e demais autoridades civis e militares
fugiram e se esconderam na casa de aliados.
No quartel da Força Pública, cuja sede ficava próxima ao batalhão
rebelado, ensaiou-se uma resistência legalista com policiais fiéis ao
governo, vencida pelos militares rebeldes, no momento mais organizados e
bem armados.
O dia amanheceu e Natal estava completamente dominada
Cais da Tavares de Lira, no bairro da Ribeira, em Natal. Uma provinciana capital do Nordeste do Brasil.
Na residência do governador, sede dos rebelados, formou-se uma junta provisória de governo, autodenominada
Comitê Popular Revolucionário,
que era formada pelo sapateiro José Praxedes (secretário de
Abastecimento); sargento Quintino Barros (Defesa); Lauro Lago (Interior e
Justiça); estudante João Galvão (Viação); e José Macedo (Finanças),
este último funcionário dos Correios.
Foi então que o Comitê Revolucionário saiu da teoria e começou a tomar medidas práticas. A primeira foi um decreto com a
destituição do governador do cargo, e a dissolução da Assembleia Legislativa “por não consultar mais os interesses do povo”.
As tarifas de bondes foram extintas e o transporte coletivo tornou-se gratuito.
Na segunda-feira, o comércio e os bancos não abriram. À tarde, foram
ordenados saques dos cofres da agência do Banco do Brasil e Recebedoria
de Rendas. O dinheiro foi confiscado em nome do governo revolucionário e
parte dele distribuído à população, que foi ao delírio com a novidade, e
não tinham muita noção do que estava acontecendo na cidade.
E a festa popular começou
“A população confraternizava com os rebeldes. Era mais uma festa popular ou um carnaval exaltado, do que uma revolução”, explica o historiador Hélio Silva em seu livro
1935 – A Revolta Vermelha.
“Casas
comerciais foram despojadas de víveres, roupas e utensílios domésticos
que aquela gente não podia comprar. Houve populares que, pela primeira
vez, comeram presunto”, diz o historiador.
Um dos líderes do movimento, João Galvão, relatou posteriormente o que aconteceu naqueles dias:
“O
povo de Natal topou a revolução de pura farra. Saquearam o depósito de
material do 21º BC e todos passaram a andar fantasiados de soldado.
Minha primeira providência como ‘ministro’ foi decretar que o transporte
coletivo seria gratuito. O povo se esbaldou de andar de bonde sem pagar”.
Para se comunicar com a população, um
avião foi confiscado no aeroporto
e sobrevoou a cidade despejando milhares de folhetos. No curto período
em que se mantiveram no poder, os revolucionários também distribuíram o
primeiro e único número do jornal A Liberdade, impresso nas oficinas da
Imprensa Oficial do Estado. Nele, foi publicado o expediente do novo
governo e um manifesto.
As medidas práticas dos comunistas
Ainda segundo o professor Homero Costa, os revolucionários fariam
muito mais ações práticas na cidade, não fosse o pouco tempo em que
permaneceram no poder.
“Houve boatos de que na Vila Cincinato
estavam distribuindo alimentos à população, o que levou muita gente a se
deslocar para lá, mas não era verdade”, diz Costa.
Mesmo assim, algumas algumas medidas foram tomadas naquele começo de
semana, como salvo-condutos para circulação nas ruas e ordens para que o
comércio e os bancos funcionassem normalmente, o que não aconteceu.
“Os comerciantes foram orientados a negociar como de costume, sem
estocarem alimentos para elevar os preços. Caso isso ocorresse, os
estoques seriam confiscados pelo governo”, diz Elias Feitosa,
professor de história do Brasil do Cursinho da Poli, lembrando que
alguns gêneros alimentícios, como o pão, também tiveram o preço
reduzido.
O levante não foi só em Natal
Vista panorâmica do Centro de São José de Mipibu na primeira metade do século passado.
Legenda: “Foi bala muita” Fachada do Quartel da Salgadeira, atingido por disparos efetuados pelos comunistas.
O movimento foi parar no interior do Rio Grande do Norte.
“Foram
formadas três ‘colunas guerrilheiras’ que ocuparam 17 dos 41 municípios
do estado, destituindo prefeitos e nomeando outros”, diz Homero Costa.
Pequenas localidades, como São José de Mipibu, Ceará Mirim e Baixa
Verde (atual município de João Câmara) foram ocupados sem resistência e
os
prefeitos substituídos por simpatizantes da ANL.
Agências bancárias e do governo (as coletorias de renda) foram saqueadas
e o dinheiro enviado para a capital.
E então, acabou
Resultado do ataque comunista ao Quartel da Salgadeira, no Centro de Natal.
Ao chegar a terça-feira, ocorreu a movimentação de tropas do Exército
da Paraíba e de Pernambuco rumo a Natal, foi quando o “novo
governo” começou a perder força.
Em uma localidade chamada Serra do Doutor, um dos grupos da ANL foi
preso por tropas leais a Getúlio Vargas. Informados de que tropas
federais entrariam em Natal e com a possibilidade de bombardeamento
aéreo, os líderes do “governo revolucionário” fugiram cada um por si.
Um deles, Praxedes, viveu foragido durante anos.
Os demais foram capturados e enviados para o Rio de Janeiro com outros presos políticos, como o escritor Graciliano Ramos.
O mesmo aconteceu nas cidades do interior. Com a fuga, os militares
enviados pelo governo federal não tiveram dificuldades de controlar a
situação. O governador Rafael Fernandes foi reconduzido ao cargo e, a
partir de quarta-feira, dia 27 de novembro, a vida voltou ao normal na
cidade que, durante cerca de 90 horas, abrigou, como escreveu Hélio
Silva,
“o primeiro, único e fugaz governo soviete na história do Brasil.”
No mesmo dia em que o “governo comunista” era encerrado no Rio Grande
do Norte, o movimento tenentista deflagrava, no Rio de Janeiro, uma
insurreição para derrubar o presidente Getúlio Vargas e instaurar um
regime comunista no Brasil. Liderado por Luís Carlos Prestes, o levante
ficou conhecido como
Intentona Comunista, ou Revolta Vermelha.
O levante em Natal serviu como justificativa para que Getúlio Vargas instaurasse o Estado Novo, em 1937.
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