Rostand Medeiros – Membro do IHGRN
Ele foi pintor, escultor, tapeceiro, poeta, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras e muitas outras coisas. Mas para mim, pelo pouco que o conheci, guardo na minha memória a visão de uma homem muito simples, tranquilo, trabalhador e que sempre se apresentou como alguém de bem com a vida!
Na minha adolescência, na época que a minha família possuía uma casa de veraneio na praia de Búzios, muitas vezes vi “Seu Dorian” percorrendo a praia pela manhã, bem cedinho, acompanhando os pescadores que traziam suas redes do mar. Guardo a imagem do artista circulando descalço, de bermudas cáqui, camisa azul clara de botão, cabelos brancos desalinhados pelo vento do litoral, com um bloquinho e um lápis na mão. Sem alardes e nem estrelismos Seu Dorian circulava entre os homens do mar e seus troféus, enquanto sua mente desenvolvia alguns esboços.
Eu vi uma vez alguns destes desenhos e na mesma hora eu respeitei muito a sua capacidade de reproduzir artisticamente o que ele via. Sabia que ele era um conhecido e respeitado pintor, mas naquele momento me pareceu que era apenas alguém que queria registrar as cenas do cotidiano de uma tranquila praia ao sul de Natal.
Em outra ocasião, por alguma razão que não me recordo, eu estava na sua casa em Búzios e vi três belíssimas e coloridas pinturas. Eram feitas em pequenos cartões retangulares e Seu Dorian percebeu que aquele belo material chamou a minha atenção. Com uma calma e tranquilidade magníficas, me explicou como ele pintou aqueles cartões e que eram esboços para um possível grande painel, que talvez fosse realizar em Fortaleza em uma instituição bancária. Nunca soube se Seu Dorian realmente conseguiu pintar este painel, mas pelo colorido e pelas formas magnificas existentes naquelas pinturas, aquilo nunca saiu da minha memória.
Para algo assim me chamar atenção naquela época, tinha de ser realmente muito belo, diferente, intenso e chamativo. E nem tente me reprimir meu caro leitor, pois eu estava em plena juventude, vivendo intensamente aqueles loucos anos 80. E estando em Búzios eu só gostava mesmo de namorar, está na beira da praia batendo bola, ou mergulhando com um arpão atrás de peixes nas transparentes águas da enseada daquela linda praia.
Dorian Gray Caldas nasceu no dia 16 de fevereiro de 1930, em Natal, sendo filho de uma família tradicional, com parentes que desenvolviam trabalhos artísticos. Sua primeira exposição foi realizada em 1950, junto com os pintores Newton Navarro e Ivon Rodrigues, todos eles organizadores do 1º Salão de Artes Plásticas de Natal.
Já como um contumaz leitor de jornais antigos eu descobri como este evento foi marcante na história da arte potiguar no Século XX.
A sua escultura na Praça das Mães foi extremamente festejada na época de sua inauguração, em 8 de maio de 1960, chamando muita atenção na cidade. A obra foi executada na gestão do prefeito José Pinto Freire, com Dorian Gray produzindo a estátua que representava a mãe potiguar. Na época já existia no local, ao lado da antiga sede do Tribunal de Justiça, uma praça, ou “square”, como se dizia na época. Ali repousou primitivamente o busto de bronze de Pedro Velho, o fundador da República no Rio Grande do Norte e obra do escultor Corbiniano Vilaça, sendo este retirado e levado para a atual Praça Pedro Velho.
O Rio Grande do Norte deve muito a Dorian Gray não apenas pelo desenvolvimento de sua arte, mas igualmente pela sua atuação em prol da cultura potiguar. Ele muito batalhou pela criação do Conselho Estadual de Cultura, instalado em dezembro de 1961. Dorian Gray foi, junto com o escritor Manoelito de Ornelas e o então Governador Aluízio Alves, um dos oradores na cerimônia de instalação desta instituição. Neste mesmo ano lançou seu primeiro livro, intitulado “Instrumento de Sonho”.
Participou de varias exposições individuais e coletivas, em sua cidade e pelo Brasil. Os jornais comentaram após seu falecimento que ele produziu mais de 10.000 obras entre pinturas a óleo, gravuras, bicos-de-pena, desenhos, painéis, tapeçaria e escultura. Informaram também que seu talento artístico foi reconhecido internacionalmente.
Dorian Gray atuou como assessor da secretaria estadual da cultura do Rio Grande do Norte (1967-1968) e da Fundação José Augusto (1974) e foi diretor do Teatro Alberto Maranhão (1967-1968). Em 1989 publicou o livro “Artes Plásticas do Rio Grande do Norte 1920—1989”.
A cultura do Rio Grande do Norte sofre com a morte deste homem uma perda irreparável. Acredito que o exemplo de Seu Dorian como artista, o seu dinamismo, seu sentido inovador e sua humildade, é algo raro de se observar hoje em dia entre os que produzem cultura em terras potiguares.
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