Apesar de soar contraditório, muitas pessoas sentem tesão quando estão com raiva
Imagem: Getty Images/iStockphoto
De: https://universa.uol.com.br
Imagem: Getty Images/iStockphoto
Heloísa Noronha
Colaboração para Universa
11/03/2019
04h00
Pode parecer contraditória e um tanto estranha, mas trata-se de uma
situação normal e corriqueira. Emoções conflitantes são comuns em qualquer tipo
de relação e sentir tesão quando se
está com raiva é um deles. Há parceiros, ou pelo menos um deles, que sentem
muito tesão durante um bate-boca sem entender bem o motivo.
"Isso ocorre porque em uma briga há uma canalização da energia, que
ocorre no momento da discussão, para o tesão. O desejo surge nessas
circunstâncias porque tais discussões, inconscientemente, levam o casal a pensar que podem separar-se.
Daí o sexo intenso é uma forma de mostrar o domínio da situação, reafirmando
que os laços afetivos entre ambos ainda existem", aponta a psicóloga
clínica Joselene L. Alvim, especialista em Neuropsicologia pelo setor de
Neurologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo).
O chamado "hate fucking" acontece até mesmo com casais que se
dão bem e que na maioria das vezes demonstram equilíbrio na relação, não
necessariamente apenas entre aqueles que brigam constantemente e alternam beijos e farpas.
O poder da raiva no
sexo
Segundo a psicóloga clínica Rejane Sbrissa, de São Paulo (SP), muitas
pessoas acabam conseguindo demonstrar melhor o que sentem quando estão com
raiva do que quando estão tranquilas. "É por isso que o sexo, nessas
condições, torna-se mais intenso e com mais envolvimento", afirma. Há quem
diga que o orgasmo, inclusive, é mais
arrebatador.
De acordo com a
fisiologista Cibele Fabichak, autora do livro "Sexo, Amor, Endorfinas e
Bobagens" (Matrix Editora), fazer sexo para expressar sentimentos --ódio,
tristeza, frustração, alegria ou amor, tanto faz-- é apenas uma maneira de se
conectar com o outro. "Aliás, a briga também é uma forma poderosa de
conexão entre os que se amam ou que se odeiam... Assim, o sexo, quando aparece
numa relação de ódio, também é isso: uma maneira de se conectar com a emoção
alheia. E esse sentimento pode ser frustração, desapontamento ou tristeza com o
par", explica.
Faz sentido?
Existem explicações
científicas para esse mecanismo tão paradoxal. Conforme Cibele, a visão do
outro, do seu corpo, de seus gestos e de sua postura influenciam a sexualidade
e estimulam a liberação de várias substâncias químicas --os hormônios-- a
partir do comando cerebral, nesse instante. Adrenalina, serotonina, dopamina e
testosterona costumam influenciar na geração do tesão.
"Entretanto,
essa resposta biológica independe do fato de a pessoa ser bacana ou não, se
desperta amor ou ódio. É relativamente comum que as pessoas se sintam atraídas
por aquelas com quem elas sabem que são incompatíveis ou odeiam, já que a
atração sexual não tem um componente predominante racional ou consciente",
conta.
A intensidade do sexo
nessas situações reflete, também, o medo de perder a intimidade em um
relacionamento, porém, fornece a base para o par se reunir e reconectar após
uma discussão intensa. Os níveis de dopamina, substância cerebral ligada
diretamente ao prazer, têm papel fundamental neste jogo, especialmente nos
altos picos de ocitocina --conhecido como "hormônio do amor ou da
confiança"-- atingidos durante o orgasmo.
"A ocitocina é
uma das responsáveis por criar e manter circuitos neuronais no cérebro que
propiciam uma conexão íntima e profunda no casal. O gozo pode ter alta ou baixa
intensidade, porém, como a fisiologia do ódio é muito semelhante à do estresse
e esta, por sua vez, tem similaridades com a explosão de tesão, desejo e
excitação durante o ato sexual, grandes brigas com ódio podem render orgasmos
memoráveis para o casal", diz Cibele.
Prática pode se
tornar viciante
No entanto, se o
casal repete esta "estratégia" por diversas vezes, ela vai se
tornando um ciclo de dependência de altas doses de dopamina, de prazer no ódio
e na briga, e se torna um tipo de "gambiarra" para problemas maiores
de intimidade. "A resolução sexual intensa acontece de imediato, mas os
fragmentos de raiva, frustração, tristeza e mágoas podem minar a relação
lentamente, no decorrer do tempo. Cria-se a ilusão de que o sexo pode resolver
problemas de relacionamento, mas isso apenas leva a mais insatisfação e
desapontamento", comenta Cibele.
Embora tenha um
resultado gostoso, a atitude de transar com raiva para vivenciar o sexo de modo
mais vibrante pode se tornar um hábito nocivo, principalmente se o casal
encontra nas brigas a única forma de prazer e isso passa a fazer parte de sua
dinâmica. "Há o risco de se desequilibrarem emocionalmente e se afastarem.
O tesão deve estar presentes em outras formas da vida a dois e não surgir
apenas em momentos de discussão. Se isso acontece, é preciso ajuda
psicoterápica" informa Joselene.
Outro perigo, dessa
vez pontuado por Rejane, é a busca por prazer ultrapassar limites saudáveis e
as pessoas necessitarem de níveis cada vez mais elevados de agressividade,
culminando em agressão física. Os níveis de adrenalina envolvidos no "hate
fucking" podem ser muito mais altos do que no sexo comum e fazem com que
as pessoas se sintam desinibidas, liberadas e vivas para realizar proezas
duvidosas.
Além disso, segundo Cibele homens e
mulheres com problemas de baixa autoestima e sensação de abandono podem usar o
"hate funcking" para sentir uma sensação de poder e de domínio
no curto prazo. O tesão no ódio não deixa de ser um tipo de catalisador para
alívio de sentimentos dolorosos pouco elaborados. "Uma psicoterapia
individual ou para o casal pode ser indicada na tentativa de avaliar as
profundezas do relacionamento e das histórias de vida de cada um e buscar o
reequilíbrio dessa energia sexual gerada em brigas ou no ódio pelo outro",
conclui a fisiologista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário