Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com
Vivo o desconforto e a nostalgia
de mim mesmo ao me deparar com o sonho dos meus vinte anos que a idade madura
não confirmou. Sinto-me disperso, irrealizado, quando retorno às minhas origens
telúricas. A meta de trazer o passado ao presente, reconstruí-lo pela palavra e
pensamento a fim de reconquistar a minha auto-estima, parece-me uma tarefa
hercúlea porque constato que o personagem não sou eu mas, sobretudo, o tempo.
Deduzo que, precisaria recriar os fatos e renascer as pessoas. Verifico que sou
o resultado de todas as convivências e acontecimentos afins do passado. Por
isso o vácuo e a irritação me arrastam ao entendimento inconcluso de que tudo
foi ilusão e fantasia, ou infecção sentimental.
Mas, o patrimônio existencial da terceira idade, onde a memória olfativa, a
auditiva e, principalmente, a visual, procuram restituir-me o universo perdido
das fases inaugurais da vida. Aquela lua cheia, por exemplo, vista do cais do
rio Jundiaí em Macaíba, como se estivesse pendurada por fios invisíveis, atrás
dos coqueiros e eucaliptos, infundia-me na adolescência negro mistério do tempo
da colonização dos escravos, índios e colonos, de escuridão e medo, como se as
fases da lua chegassem naquele tempo por édito imperial. Como me perco na
contemplação do Solar do Ferreiro Torto e os seus sortilégios de poder, carne,
cobiça e paixão. E a descortinação surpreendente do Solar dos Guarapes. Quantas
perguntas insaciadas não existem sobre o que ocorreu ali? Os seus fantasmas que
subiam e desciam a colina sob a batuta do senhor de engenho numa cosmovisão ora
polêmica, ora lírica, dentro do abismo da memória? “Tu não mudas o mundo. Mas o
mundo te muda”. Talvez essa frase de Otto Lara Rezende explique e me convença
que o futuro nada tenha a ver comigo, porque o passado está mais presente em
mim do que o próprio presente. Em cada rua onde passo em minha terra revisito
os mortos na lembrança tentando reconstituir os fatos com os quais dividi o
tempo. Adquiri o hábito de rezar por quase todos eles, todas as noites. Faço-os
prolongar no meu convívio pela relembrança. Para mim o chão dos antepassados é
sagrado, mesmo que estejam sepultados nele resquícios enferrujados e rangentes
de um antigo fausto. Mesmo debilitada pela decadência física, da feição das
caras e das coisas, o que mais me dói nele é decadência das mentalidades e dos
antigos costumes, como se fosse hoje um porão cheio de escuro, melancolia e
solidão. Nostalgias, nada mais.
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