terça-feira, 25 de maio de 2021

20 ditados populares explicados por Câmara Cascudo



Quem nunca usou um ditado popular brasileiro, tentou explicá-lo mas não conseguiu?

Os ditados populares são uma parte importante do linguajar de uma cultura, e descobrir a origem destas expressões nunca foi tarefa fácil para os estudiosos.

Muitas vezes ocorrem expressões estranhas sem sentido, mas que são muito importantes para a longevidade da cultura popular.

O escritor potiguar Luís da Câmara Cascudo, maior folclorista brasileiro da história, estudou a origem de vários ditos populares, e aqui está o que ele encontrou:

Maria vai com as outras

(alguém que não tem opinião própria e se deixa convencer com facilidade por outras)

Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro. Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”.

Afogar o ganso

(ato sexual masculino)

No passado, os chineses costumavam satisfazer as suas necessidades sexuais com gansos. Pouco antes de ejacularem, os homens afundavam a cabeça da ave na água, para poderem sentir os espasmos anais da vítima.

Amigo da onça

(amigo falso)

Este termo surgiu quando um caçador mentiroso, ao ser surpreendido sem armas por uma onça, deu um grito tão forte que o animal fugiu. Como quem o ouvia não acreditou, dizendo que, se assim fosse, ele teria sido devorado, o caçador, indignado, perguntou se, afinal, o seu ouvinte era seu amigo ou amigo da onça.

Onde judas perdeu as botas

(lugar bem distante)

Conta a Bíblia católica que, depois de trair Jesus por “30 dinheiros”, Judas caiu em depressão e com a culpa veio a se suicidar enforcando-se numa árvore.

Acontece que ele se matou sem as botas, e os dinheiros não foram encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca as botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro.

A história é omissa daí pra frente. Nunca saberemos se acharam ou não as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou mais de vinte séculos.

Bicho-de-sete-cabeças

(um problema aparentemente complicado de resolver)

Tem origem na mitologia grega, mais precisamente na lenda da “Hidra de Lerna”, um monstro de 7 cabeças que, ao serem cortadas, renasciam.

Matar este animal foi uma das doze proezas realizadas por Hércules, o maior de todos os heróis gregos. A expressão ficou popularmente conhecida, no entanto, por representar a atitude de alguém em colocar uma dificuldade exagerada na resolução de um problema qualquer.

Comer com os olhos

(desejo extremo de comer algo e não ter oportunidade)

Segundo Câmara Cascudo, soberanos da África Ocidental não consentiam testemunhas às suas refeições, comiam sozinhos. Na Roma Antiga, uma cerimônia religiosa fúnebre consistia num banquete oferecido aos deuses no qual ninguém tocava na comida. Apenas olhavam, “comendo com os olhos”. Aliás, Cascudo dizia que certos olhares absorvem a substância vital dos alimentos.

Com a corda toda

(alguém bastante inquieto ou agitado)

Antigamente os brinquedos que possuíam movimento eram acionados torcendo um mecanismo em forma de mola ou um elástico, que ao ser distendido, fazia o brinquedo se mexer. Ambos os mecanismos eram chamados de “corda”. Logo, quando se dava a “corda” totalmente num brinquedo, ele movia-se de forma mais agitada e frenética. Daí a origem da expressão.

Fazer ouvidos de mercador

(alguém não se importar com quem o chama)

O escritor diz que a palavra mercador é uma corruptela de “marcador”, nome que se dava ao carrasco que marcava os ladrões com ferro em brasa indiferente aos seus gritos de dor. No caso, fazer ouvidos de mercador é uma alusão a atitude desse algoz, sempre surdo às súplicas de suas vítimas.

Mais vale um pássaro na mão que dois voando

(melhor ter pouco que ambicionar muito e perder tudo)

É tradição de antigos caçadores. Eles achavam melhor apanhar logo a ave que tinham atingido de raspão, antes que ela fugisse, do que tentar atirar nas que estavam voando e errar o alvo.

“Cor” de burro quando foge

(alguém muito amedrontado)

Esta expressão mudou seu sentido nos dias atuais. A frase original era “corra do burro quando ele foge”. Isto porque o burro enraivecido é muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e “corra” acabou virando “cor”.

Veja também: 11 marcas famosas com expressões Potiguares

Pagar o pato

(paga por algo sem ter qualquer benefício em troca)

A expressão deriva de um antigo jogo praticado em Portugal. Amarrava-se um pato a um poste e o jogador (em um cavalo) deveria passar rapidamente e arrancá-lo de uma só vez do poste. Quem perdia era que pagava pelo animal sacrificado. Sendo assim, passou-se a empregar a expressão para representar situações onde se .

Salvo pelo gongo

(escapar de se meter numa encrenca por uma fração de segundos)

O ditado tem origem na na Inglaterra. Lá, antigamente, não havia espaço para enterrar todos os mortos. Então, os caixões eram abertos, os ossos tirados e encaminhados para o ossário e o túmulo era utilizado para outro morto. Só que, às vezes, ao abrir os caixões,os coveiros percebiam que havia arranhões nas tampas, do lado de dentro, o que indicava que aquele morto, na verdade, tinha sido enterrado vivo (catalepsia – muito comum na época).

Assim, surgiu a ideia de, ao fechar os caixões, amarrar uma tira no pulso do defunto, tira essa que passava por um buraco no caixão e ficava amarrada num sino. Após o enterro, alguém ficava de plantão ao lado do túmulo durante uns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento do braço faria o sino tocar. Desse modo, ele seria salvo pelo gongo.

Estar com a corda no pescoço

(estar ameaçado, sob pressão ou com problemas financeiros)

O enforcamento foi, e ainda é em alguns países, um meio de aplicação da pena de morte. A metáfora nasceu de anistias ou comutações de pena chegadas à última hora, quando o condenado já estava prestes a ser executado e o carrasco já lhe tinha posto a corda no pescoço, situação que, de fato, é um sufoco.

O pior cego é o que não quer ver

(alguém que se nega a admitir um fato verdadeiro)

Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D’Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel.

Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos.

O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.

Casa de mãe Joana

(um lugar onde todo mundo pode entrar e frequentar sem restrições)

Este dito popular tem origem na Itália. Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “Que tenha uma porta por onde todos entrarão”.

O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir para o Brasil a expressão virou “Casa da Mãe Joana”. A outra expressão pejorativa envolvendo Mãe Joana, tem a mesma origem.

Deixar de Nhenhenhém

(largar uma conversa irritante ou cheia de lamúrias)

Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil não entendiam muito bem o que se dizia por aqui, então os índios diziam que os portugueses ficavam de “nhen-nhen-nhen”.

Pensando na morte da bezerra

(estar distante, pensativo, alheio a tudo)

Esta é mais uma bíblica. O bezerro era adorado pelos hebreus e sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos céus e o garoto passou o resto da vida sentado do lado do altar “pensando na morte da bezerra”. Consta que meses depois veio a falecer.

Veja também: 14 expressões faladas no Rio Grande do Norte que confundem o resto do Brasil

Jurar de pés junto

(jurar em exagero)

A expressão surgiu das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para confessar seus crimes.

Testa de ferro

(alguém com poder aparente)

O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como Testa di Ferro, foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder verdadeiro. Daí a expressão ser atribuída a alguém que aparece como responsável por um negócio ou empresa sem que o seja efetivamente.

Gatos pingados

(número extremamente reduzido de pessoas em um evento)

Esta expressão remonta a uma tortura procedente do Japão que consistia em pingar óleo fervente em cima de pessoas ou animais, especialmente gatos.

Existem várias narrativas ambientais na Ásia que mostram pessoas com os pés mergulhados num caldeirão de óleo quente. Como o suplício tinha uma assistência reduzida, tal era a crueldade, a expressão “gatos pingados” passou a significar pequena assistência sem entusiasmo ou curiosidade para qualquer evento.

Queimar as pestanas

(estudar muito)

Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler o que podia dar num momento de descuido queimar o rosto, os olhos, ou as pestanas. Por essa razão, aplica-se àqueles que estudam muito.

Sem papas na língua

(ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios)

A expressão vem da frase castelhana “no tener pepitas em la lengua”. Pepitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo. Quando não há pepitas (papas), a língua fica livre.

Fonte: CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções Tradicionais no Brasil. São Paulo, Editora Global/2008.

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