segunda-feira, 14 de junho de 2021

O Assu de Franklin Jorge

De: https://www.navegos.com.br/

Navegos publica o que Nilto Maciel, um dos grandes escritores cearenses de sua geração, escreveu sobre livro que faz resgate afetivo de personagens da infância e adolescência de Franklin Jorge na chamada “terra dos carnaubais”.


*Nilto Maciel

Toda literatura é feita de memórias. Todo mundo sabe disso. Vem de Jorge Luis Borges a epígrafe de Assu: mitologia e vivências: “Só o passado é verdadeiro”. Sim, a literatura é feita de passado. Em todos os sentidos: o do autor, o dos personagens, o dos livros. Não há literatura sem literatura. Até ficção científica é assim. Impossível contar o futuro, sem um pé no passado. Impossível voar, sem um pé no chão, no telhado, no alto da torre. Ou poderia ser diferente? Só se virássemos o tempo de cabeça para baixo.

Franklin Jorge, com suas mitologias, revira o passado de Assu. E quem é Assu? O que é Assu? Pouca gente no mundo sabe: o Vale do Assu (“prefiro essa grafia a Açu, embora o seu uso nunca tenha sido oficializado”) fica no Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil. Basta olhar os mapas, compulsar enciclopédias, vasculhar a Internet. Entretanto, pouca gente saberá da vida em Assu. E qual a importância disso? Talvez pouca, para chineses, franceses, senegaleses. Se forem bons leitores, porém, não terão perdido tempo. Ou terão apreendido um grão do passado, pelo menos. Um grão da Terra, um fiapo da vida no planeta azul.

Está chegando ao fim o meu tempo aqui. E não escrevi quase nada a respeito da obra de Franklin. Que fazer? Poderia ler, em voz alta, o primeiro capítulo. A narrativa tem aspecto de romance, da primeira à última frase. Encanta ou pega o leitor pelo pé: “A bela senhora olhava através dos vidros embaçados a sucessão de manchas coloridas que prefiguravam a cidade desconhecida sob o céu carregado de nuvens”. Dá no leitor vontade de se afundar, nas páginas dessas mitologias e vivências, de uma vez. Ou de mansinho. São tantos os personagens, tão ricos ou bonitos, tão cheios de vida e sonhos, tão denodados e reais.

Ler o manuscrito de Franklin é ver as paisagens do Nordeste. Ver e delas fazer parte, por um momento. É também surpreender-se, a exemplo da bela e jovem Maria Eugênia, egressa de Minas Gerais para se casar com Nelson Borges Montenegro; ela, escritora e folclorista (depois de madura), nascida em Minas Gerais em 1915; ele, norte-rio-grandense, engenheiro agrônomo, proprietário rural no Vale do Assu e chefe político. A história remonta a 1938. E antes disso, antes dela e dele? De onde vieram os primeiros povoadores? Não contarei mais. É preciso mergulhar nas páginas de Assu: mitologia e vivências.

Fortaleza, 2012.

Em destaque, acima, a escritora mineiro-potiguar Maria Eugênia Maceira Montenegro, amiga e mestra de Franklin Jorge que a transfigurou em personagem de livros seus.

 

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