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Navegos publica o que Nilto Maciel, um dos grandes escritores cearenses de sua geração, escreveu sobre livro que faz resgate afetivo de personagens da infância e adolescência de Franklin Jorge na chamada “terra dos carnaubais”.
*Nilto Maciel
Toda literatura é
feita de memórias. Todo mundo sabe disso. Vem de Jorge Luis Borges a epígrafe
de Assu: mitologia e vivências: “Só o passado é verdadeiro”. Sim, a literatura
é feita de passado. Em todos os sentidos: o do autor, o dos personagens, o dos
livros. Não há literatura sem literatura. Até ficção científica é assim.
Impossível contar o futuro, sem um pé no passado. Impossível voar, sem um pé no
chão, no telhado, no alto da torre. Ou poderia ser diferente? Só se virássemos
o tempo de cabeça para baixo.
Franklin Jorge, com
suas mitologias, revira o passado de Assu. E quem é Assu? O que é Assu? Pouca
gente no mundo sabe: o Vale do Assu (“prefiro essa grafia a Açu, embora o seu
uso nunca tenha sido oficializado”) fica no Rio Grande do Norte, Nordeste do
Brasil. Basta olhar os mapas, compulsar enciclopédias, vasculhar a Internet.
Entretanto, pouca gente saberá da vida em Assu. E qual a importância disso?
Talvez pouca, para chineses, franceses, senegaleses. Se forem bons leitores,
porém, não terão perdido tempo. Ou terão apreendido um grão do passado, pelo
menos. Um grão da Terra, um fiapo da vida no planeta azul.
Está chegando ao
fim o meu tempo aqui. E não escrevi quase nada a respeito da obra de Franklin.
Que fazer? Poderia ler, em voz alta, o primeiro capítulo. A narrativa tem
aspecto de romance, da primeira à última frase. Encanta ou pega o leitor pelo
pé: “A bela senhora olhava através dos vidros embaçados a sucessão de manchas
coloridas que prefiguravam a cidade desconhecida sob o céu carregado de
nuvens”. Dá no leitor vontade de se afundar, nas páginas dessas mitologias e
vivências, de uma vez. Ou de mansinho. São tantos os personagens, tão ricos ou
bonitos, tão cheios de vida e sonhos, tão denodados e reais.
Ler o manuscrito de
Franklin é ver as paisagens do Nordeste. Ver e delas fazer parte, por um
momento. É também surpreender-se, a exemplo da bela e jovem Maria Eugênia,
egressa de Minas Gerais para se casar com Nelson Borges Montenegro; ela,
escritora e folclorista (depois de madura), nascida em Minas Gerais em 1915;
ele, norte-rio-grandense, engenheiro agrônomo, proprietário rural no Vale do
Assu e chefe político. A história remonta a 1938. E antes disso, antes dela e
dele? De onde vieram os primeiros povoadores? Não contarei mais. É preciso
mergulhar nas páginas de Assu: mitologia e vivências.
Fortaleza, 2012.
Em destaque, acima, a escritora mineiro-potiguar Maria Eugênia Maceira
Montenegro, amiga e mestra de Franklin Jorge que a transfigurou em personagem
de livros seus.
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