25/09/2021
Diogenes
da Cunha Lima
[
Escritor, advogado e presidente da ANL ]
Nenhuma
região do país é tão pródiga na inventividade como o Nordeste. A arte do
repente identifica a nossa região. É o exercício da poética popular, do sertão
ao litoral, com versos de fazer inveja a poetas eruditos.
O repente nordestino é duelo verbal de cantadores com o acompanhamento de
viola, rabeca ou pandeiro (embolada). Em todas as suas formas, participa do
rico Patrimônio Imaterial do Brasil. É o diálogo do improviso e da liberdade
vocabular.
Muito se discute sobre a sua origem. Como sempre, Câmara Cascudo vai mais
longe. Para ele é o desafio oriundo do canto amebeu, grego, do tempo de Homero.
É canto alternado, obrigando resposta às perguntas do companheiro.
Muitos poetas cantadores tornaram-se célebres. Pinto do Monteiro (sempre
considerado o mestre da cantoria), um dia, recebeu Lourival Batista, crescente
em versos quentes. Glosaram os dias da semana com o humor produzido por
trocadilho. Pinto: “No lugar que Pinto canta/não vejo quem o confunda. / Que o
rio da poesia/o meu pensamento inunda. /Terça, quarta, quinta e sexta, /sábado,
domingo e segunda”. Lourival respondeu: ”Sábado, domingo e segunda, /quarta e
quinta. / Na sexta não me faltando/a tela, pincel e tinta/pinto pintando o que
eu pinto. /Eu pinto o que o Pinto pinta”.
Ninguém sabe dizer melhor das coisas da região do que o poeta mossoroense
Antônio Francisco. É sempre expressiva a sua linguagem para fazer pensar.
Brevíssimo exemplo: Falando sobre a fome, ele começa: “Engoli três vezes
nada...”.
Fabião das Queimadas, escravo que tangia bem o verso e a rabeca, foi provocado
para falar sobre a paga dos seus vinténs arrecadados. Que seria um poeta? Ele
explicou: “Canta longe um passarinho/do outro lado do rio, /uns cantam porque
têm fome, /outros cantam por ter frio. /Uns cantam de papo cheio, /outros de
papo vazio”.
Não era cantador, mas poeta popular, popularíssimo. Aliás, Renato Caldas foi um
lírico, improvisador, bem-humorado. Pediram-lhe que fizesse saudação ao
escritor e pintor Newton Navarro. Versejou: “Adão foi feito de barro/mas você
Newton Navarro foi feito de inspiração. / Dos passarinhos, das cores/da noite
feita de amores/do luar do meu sertão”. Certa vez, o poeta tomou café em uma
residência na cidade de Angicos e ao guardar suas coisas, distraidamente,
incluiu uma colherinha. Já na sua cidade, em Assu, verificou o equívoco e
voltou. Desculpou-se dizendo: “Eis aqui, dona Chiquinha, /devolvo sua colher. /
De coisa que não é minha/eu só aceito mulher”.
Na função de conselheiro do Iphan, esforçar-me-ei para que o Repente Nordestino
seja reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro.
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