quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

JOÃO LINS CALDAS NA ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL

                                          

                                             Imagem: flickr.com - Antigo vagão da E. F. Noroeste do Brasil.

João Lins Caldas, poeta do Assu, era funcionário público do Ministério do Trabalho, no Rio de Janeiro. Entre 1927-1930, esteve em Bauru, interior de São Paulo, trabalhando na administração da  Estrada de Ferro Noroeste do Brasil - NOB, na função de escriturário da engenharia. A NOB também era chamada popularmente como "Trem do Pantanal". Aquela ferrovia privada, passou a partir de 1917 a ser controlada pela união. O trem partia de Bauru, seguindo em direção noroeste a Mato Grosso. Pois bem, Caldas logo que chegou na terra baruense (ali fez amizade com Rodrigues de Abreu  que o considera como o Vila Vargas da América Latina) assumiu o emprego e logo começou a investigar irregularidades praticadas por pequenos funcionários e diretores daquela companhia. Não aceitando desmando no serviço público começou a denunciar através de ofícios e telegramas enviados ao Ministro da Viação e Obras públicas José Américo de Almeida e ao presidente Getúlio Vargas, cujas denuncias motivou Vargas aposentá-lo precocemente, aos 40 anos de idade, cuja aposentadoria decretada em 1933, somente veio a receber seu benefício, em 1937, conforme decreto publicado no Diário Oficial da União. Queria Vargas, vê-lo distante da capital federal.

Nada intimidava o bravo Caldas que usava até mesmo a sua verve para registrar os apadrinhamentos e os abusos com o erário (público) que o deixava indignado, para denunciar supostas irregularidades praticadas na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, como podemos conferir. Vejamos o poema adiante:

Bauru. Nobreza da Noroeste.
A Cabeça tem corpo e Bauru tem cidade...
Capadácios, com milhares de contos.
Cafezais que vão longe, rumo de Mato Grosso...
 - E quando, enfim, tudo já desbravado...
As madeiras que se perdem, podres nas plataformas
Aqui e ali um assassinato.
Outro, um chefe político...
E mais o tom doutoral de um professo ser termos...
Ah!  Eu conheço isto,
Eu também que tolero tantas cousas.                                           
Vi a barranca do Paraná.
A ponte como torre.
E vi o orgulho da diretoria
Engenheiros sem construções, fardados nos seus empregos.
Eu, pobre de mim, funcionário da engenharia...
Outros professam melhores empregos.
Há a hora da política, com liberdade e compra de votos.
Circulares de armas afeito que ninguém vê nas repartições.
Um voto? Votar não se pode, quando a ideia é um pouco de encontro ao governo.
E o mais que se vê é a musica de pancadaria.
Mas é, um pouco, para armar por fora.
Eu sei, não logro uma promoção.
Não sei, não ouso pedir, tem o filho do senhor diretor.
Guia, quase, um automóvel.
Um pirralho, meu Deus, e eu que não vejo olhos tão inteligentes!
Musica sim, para quase tantas verbas!
Um criado é que sabe ser um ser inteligente.
Aquele, ali, promovido?...
Tem, com certeza, o seu valor...
O valor com certeza é ir a casa de quem se agrada...
Que casa linda, aqui, a do senhor diretor!
Os casamentos se fazem como em nobreza...
Esta terra, que jeito de nobreza ela guarda nos gestos!
Os capitães assassinos de inteligências intensificadas...
E ah! Como bem aqui se paga imposto!/ As ruas estão arruadas...
Um pouco, com as árvores que se cortam das ruas...
Calçamentos, do bom, do dinheiro do povo...
Orçamentos que não se vêem a passar de mil contos...
Anda bem, o povo mesmo é que não sabe nada...
Paga, paga outra vez...
Gritar? Isto é para mais uma vez o calçamento...
Histórias da Noroeste do Brasil
O que se ronca, palavreado por fora.
Regulamentos, leis, para o registro de folhas...
Este que tem a sua casa, ali, num pacote de velas...
Ali, também, aquela casa de comércio.
Essa outra com o seu associado.
Negócios para a estrada e negócios da estrada...
Escritos que me recordam a segunda seção...
Ah, mas no fim que dá certo.
Ó belas cousas da Noroeste!
Propinas da seção de embarque...
Os basbaques lá vão, eu sou bastante que ainda trabalho...
Eu sou basbaque, cumpro um dever.
Eu basbaque, tenho um dever.
Malha, martelo, malha este malho.
Noroeste do Brasil, minha paixão! 
Propinas da seção de embarque
- Os basbaques lá vão, que eu sou basbaque e sem que trabalhem...
Que dirá o diretor do tráfego,
Negócios por esta Noroeste,
Um sobrinho em negócios - Eu sei um pouco da fiscalização -
Mas vamos, sou poeta, e me falta um dever
Tenho um dever, e sem adulação.
Malha, martelo, bata no chão.

(Postado por Fernando Caldas)


Em tempo: O referenciado poema é parte integrante da Tese de Doutorado da professora Cássia Matos, da UERN, bem como está transcrito no livro organizado por aquela profesora intitulado Poeira do Céu, UFRN.

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