Antônio Francisco
8 de novembro de 2020
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Como falar em poesia
norte-rio-grandense nos últimos tempos sem citar Antonio Francisco Teixeira de
Melo? O poeta se tornou uma referência nacional na literatura de cordel. Ao
contrário do que se pensa, Antônio nasceu em 21 de outubro de 1949 em Assu, tinha
que ser na “terra dos poetas”, mas ainda nos primeiros dias foi trazido para
Mossoró, de onde nunca mais saiu. É da geração de Luiz Campos, Onésimo Maia e
outros grandes da poesia mossoroense. Vamos nos deleitar com um dos seus
cordéis clássicos.
AS SEIS MOEDAS DE
OURO
Seu Zequinha era um galego
Do rosto da cor de brasa,
Morava longe da gente,
No Sítio Cacimba Rasa,
Mas foi não foi seu Zequinha
Passava o dia lá em casa.
E numa dessas visitas
Seu Zeca contou pra gente
Que numa estrela do céu
Existia um continente
Com cinco raças de índios
Com uma língua somente.
As cinco tribos viviam
Numa aldeia grande e bela,
Os bairros iguais ao centro,
Sem resquícios de favela,
E a terra dividida
Pra quem trabalhava nela.
Viviam como as abelhas
Na mais completa união,
Nenhum índio conhecia
O vírus da ingratidão,
A peçonha da preguiça,
Nem o veneno ambição.
Nas escolas ensinavam
Antes de ler e contar,
A criança a amar a terra,
O rio, o lago e o mar,
E plantar flores na aldeia,
Um esporte popular.
Uma flor com cinco pétalas,
Era o Deus daquela gente
Cada pétala, um formato
E uma cor diferente,
Unindo as cinco raças
Que tinha no continente.
Apenas uma igreja
Regia aquela nação,
Mas todo índio vivia
A sua religião
Com a cabeça no céu
E os pés firmes no chão.
Quando um índio ia dormir
A seu Deus agradecia
Pelo véu fresco da noite,
Pelo sol quente do dia,
Pelo ar que respirava,
Pelo pão que consumia.
Esse povo amava a terra
Com tanta dedicação
Que andava de pés descalço,
Quase sem pisar no chão
Pra não ferir o lugar,
De onde vinha o seu pão.
A justiça era a espinha
Daquela sociedade,
Todo índio era feliz
Na sua comunidade,
Se lambuzando no mel
Da cana da igualdade.
Mas numa manhã de sol
O filho do feiticeiro
Em vez de ir plantar flores
Foi pra casa do ferreiro
Fez seis moedas de ouro
E deu-lhe o nome “dinheiro”.
O ferreiro quando viu
Disse: “filho tudo bem
Você deixe elas aí
Não diga nada a ninguém,
Enquanto eu não descobrir
O valor que elas têm”.
Quando o menino saiu,
Ele pegou uma meia,
Um pedaço de sabão
E um pouco de areia
Esfregou nas seis moedas
E foi mostrá-las na aldeia.
Quando ele entrou na aldeia
Entrou uma multidão,
De índios trocando tapa,
Pontapé, soco, empurrão
Atrás de verem as moedas,
Brilhando na sua mão.
De repente as cinco tribos
Estavam atrás do ferreiro,
Como um bando de raposas
Correndo atrás dum cordeiro
E numa só voz gritando,
Abra a mão, solte o dinheiro.
O ferreiro já cansado
Foi parando lentamente,
Se voltou pra multidão
E sacudiu de repente
As seis moedas de ouro
No meio daquela gente.
Antes mesmo da primeira
Moeda cair no chão,
Já tinha um índio chamando
Outro índio de ladrão
E quatro índias brigando
Por um pedaço de pão.
Quando a moeda caiu
Bateu num canto de muro,
Pegou num índio chorando
Com medo do seu futuro.
E noutro índio querendo
Emprestar dinheiro a juro.
Bateu no cós da batina
De um índio ajoelhado,
Noutro índio discursando
E noutro manifestado,
E foi parar entre as pernas
De um índio advogado.
A segunda caiu dentro
De uma delegacia,
Bateu no ferro da grade
Pegou no cabo-de-dia
E passou por entre as pernas
Da mulher de um bóia-fria.
Pegou na perna de um índio
Que estava desempregado,
Dirigindo um carro velho,
Com um celular de lado,
Com três recibos de luz
E um de água atrasado.
A terceira caiu perto
Da casa de um cambista,
Pegou num índio fardado
Comendo bola na pista
E numa índia pelada
Na capa de uma revista.
Pegou num índio trocando
Três baleias num batom
E noutro pisando em falso,
E dando uma de bom
Querendo entrar no céu
Com quatro caixas de som.
Bateu num índio comendo
Precisão com água e sal
E noutro comendo um boi
Num jantar especial,
E colocando 100 vacas
Numa árvore de Natal.
A quarta quando caiu
Nada mais valia nada:
Índio com colesterol,
Gordura localizada,
Seqüestro e tráfico de drogas,
Mega Sena acumulada.
Era uns morrendo de fome,
Outros de barriga cheia…
Um lado, doce e asfalto;
O outro, sangue e areia,
E uma guerra civil
Nos quatro cantos da aldeia.
A quinta caiu furada
Por uma bala perdida,
Ficou tremendo nos pés
De um louco homicida
Compondo um quadro grotesco
De um continente sem vida.
A sexta quase não cai
Devido o sujo no ar.
Quando conseguiu cair,
Caiu no meio do mar,
Ficou em cima do óleo,
Sem conseguir se afundar.
Sem sol, sem água e sem ar
Foi morrendo lentamente
A vida que dava vida
À vida daquela gente,
Não restando uma barata
Com vida no continente.
Na noite que seu Zequinha
Contou pra nós essa história,
Ele disse pra nós três,
Vocês guardem na memória,
Nem sempre o pão do dinheiro
Vem com recheios de glória.
Quando seu Zeca saiu,
Nós choramos no terreiro
Com pena dessas pessoas
Que correm atrás de dinheiro
Pra se tornarem fantoches
Nas mãos desse carcereiro.
Hoje, quando eu olho a Lua,
Eu sinto aquela impressão
Que aquela Lua amarela
Tão majestosa e tão bela
Brilhando na amplidão
É uma das seis moedas
Que o velho jogou no chão.
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