sábado, 17 de fevereiro de 2024

 

Antônio Francisco

8 de novembro de 2020

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Como falar em poesia norte-rio-grandense nos últimos tempos sem citar Antonio Francisco Teixeira de Melo? O poeta se tornou uma referência nacional na literatura de cordel. Ao contrário do que se pensa, Antônio nasceu em 21 de outubro de 1949 em Assu, tinha que ser na “terra dos poetas”, mas ainda nos primeiros dias foi trazido para Mossoró, de onde nunca mais saiu. É da geração de Luiz Campos, Onésimo Maia e outros grandes da poesia mossoroense. Vamos nos deleitar com um dos seus cordéis clássicos.

 

AS SEIS MOEDAS DE OURO

 

Seu Zequinha era um galego

Do rosto da cor de brasa,

Morava longe da gente,

No Sítio Cacimba Rasa,

Mas foi não foi seu Zequinha

Passava o dia lá em casa.

 

E numa dessas visitas

Seu Zeca contou pra gente

Que numa estrela do céu

Existia um continente

Com cinco raças de índios

Com uma língua somente.

 

As cinco tribos viviam

Numa aldeia grande e bela,

Os bairros iguais ao centro,

Sem resquícios de favela,

E a terra dividida

Pra quem trabalhava nela.

 

Viviam como as abelhas

Na mais completa união,

Nenhum índio conhecia

O vírus da ingratidão,

A peçonha da preguiça,

Nem o veneno ambição.

 

Nas escolas ensinavam

Antes de ler e contar,

A criança a amar a terra,

O rio, o lago e o mar,

E plantar flores na aldeia,

Um esporte popular.

 

Uma flor com cinco pétalas,

Era o Deus daquela gente

Cada pétala, um formato

E uma cor diferente,

Unindo as cinco raças

Que tinha no continente.

 

Apenas uma igreja

Regia aquela nação,

Mas todo índio vivia

A sua religião

Com a cabeça no céu

E os pés firmes no chão.

 

Quando um índio ia dormir

A seu Deus agradecia

Pelo véu fresco da noite,

Pelo sol quente do dia,

Pelo ar que respirava,

Pelo pão que consumia.

 

Esse povo amava a terra

Com tanta dedicação

Que andava de pés descalço,

Quase sem pisar no chão

Pra não ferir o lugar,

De onde vinha o seu pão.

 

A justiça era a espinha

Daquela sociedade,

Todo índio era feliz

Na sua comunidade,

Se lambuzando no mel

Da cana da igualdade.

 

Mas numa manhã de sol

O filho do feiticeiro

Em vez de ir plantar flores

Foi pra casa do ferreiro

Fez seis moedas de ouro

E deu-lhe o nome “dinheiro”.

 

O ferreiro quando viu

Disse: “filho tudo bem

Você deixe elas aí

Não diga nada a ninguém,

Enquanto eu não descobrir

O valor que elas têm”.

 

Quando o menino saiu,

Ele pegou uma meia,

Um pedaço de sabão

E um pouco de areia

Esfregou nas seis moedas

E foi mostrá-las na aldeia.

 

Quando ele entrou na aldeia

Entrou uma multidão,

De índios trocando tapa,

Pontapé, soco, empurrão

Atrás de verem as moedas,

Brilhando na sua mão.

 

De repente as cinco tribos

Estavam atrás do ferreiro,

Como um bando de raposas

Correndo atrás dum cordeiro

E numa só voz gritando,

Abra a mão, solte o dinheiro.

 

O ferreiro já cansado

Foi parando lentamente,

Se voltou pra multidão

E sacudiu de repente

As seis moedas de ouro

No meio daquela gente.

 

Antes mesmo da primeira

Moeda cair no chão,

Já tinha um índio chamando

Outro índio de ladrão

E quatro índias brigando

Por um pedaço de pão.

Quando a moeda caiu

Bateu num canto de muro,

Pegou num índio chorando

Com medo do seu futuro.

E noutro índio querendo

Emprestar dinheiro a juro.

 

Bateu no cós da batina

De um índio ajoelhado,

Noutro índio discursando

E noutro manifestado,

E foi parar entre as pernas

De um índio advogado.

 

A segunda caiu dentro

De uma delegacia,

Bateu no ferro da grade

Pegou no cabo-de-dia

E passou por entre as pernas

Da mulher de um bóia-fria.

 

Pegou na perna de um índio

Que estava desempregado,

Dirigindo um carro velho,

Com um celular de lado,

Com três recibos de luz

E um de água atrasado.

 

A terceira caiu perto

Da casa de um cambista,

Pegou num índio fardado

Comendo bola na pista

E numa índia pelada

Na capa de uma revista.

 

Pegou num índio trocando

Três baleias num batom

E noutro pisando em falso,

E dando uma de bom

Querendo entrar no céu

Com quatro caixas de som.

 

Bateu num índio comendo

Precisão com água e sal

E noutro comendo um boi

Num jantar especial,

E colocando 100 vacas

Numa árvore de Natal.

 

A quarta quando caiu

Nada mais valia nada:

Índio com colesterol,

Gordura localizada,

Seqüestro e tráfico de drogas,

Mega Sena acumulada.

 

Era uns morrendo de fome,

Outros de barriga cheia…

Um lado, doce e asfalto;

O outro, sangue e areia,

E uma guerra civil

Nos quatro cantos da aldeia.

 

A quinta caiu furada

Por uma bala perdida,

Ficou tremendo nos pés

De um louco homicida

Compondo um quadro grotesco

De um continente sem vida.

 

A sexta quase não cai

Devido o sujo no ar.

Quando conseguiu cair,

Caiu no meio do mar,

Ficou em cima do óleo,

Sem conseguir se afundar.

 

Sem sol, sem água e sem ar

Foi morrendo lentamente

A vida que dava vida

À vida daquela gente,

Não restando uma barata

Com vida no continente.

 

Na noite que seu Zequinha

Contou pra nós essa história,

Ele disse pra nós três,

Vocês guardem na memória,

Nem sempre o pão do dinheiro

Vem com recheios de glória.

Quando seu Zeca saiu,

Nós choramos no terreiro

Com pena dessas pessoas

Que correm atrás de dinheiro

Pra se tornarem fantoches

Nas mãos desse carcereiro.

 

Hoje, quando eu olho a Lua,

Eu sinto aquela impressão

Que aquela Lua amarela

Tão majestosa e tão bela

Brilhando na amplidão

É uma das seis moedas

Que o velho jogou no chão.


 

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