sábado, 27 de abril de 2024

 Assu Antigo


(TEXTO DO JORNALISTA E ESCRITOR CELSO DA SILVEIRA, PUBLICADO NO DIÁRIO DE NATAL, 1983, RECHEADO DE VERDADES, TEMOR, FICÇÃO SOBRE A BARRAGEM ARMANDO RIBEIRO GONÇALVES E O POLÊMICO E INTRANGENTE DEFENSOR DA NÃO CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DO ASSU DA FORMA QUE SE CONTRUIA, VEREADOR ADAUTO LEGÍTIMO BARBOSA, PERSONAGEM PRINCIPAL DO ARTIGO DE CELSO DA SILVEIRA, COMO ABAIXO PODEMOS CONFERIR).
(Fernando Caldas)
A ANTIPORTA DO TERCEIRO MUNDO
Eis a seguir o relato que faço de como se passou a fantasiosa aventura vivida pelo original Cavaleiro Medieval Adauto Legítimo Barbosa, emissário ao Terceiro Mundo do Reino Unido Brasil/Portugal, em território do Assu, onde presenciou e deu testemunha aos índio os santos ali colocado Janduis, dos surpreendentes fenômenos de acomodação de terra decorrente da barragem engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves, cujas águas acumuladas em determinado lugar do rio Piranhas/Assu, deixaram submersa a cidade do arcanjo Rafael, suas jazidas de mármore -e de schelita e sua igrejinha onde, no altar-mor, estava entronizada a imagem pura da santíssima virgem da Conceição e onde chegou o direito cavaleiro-mergulhador a tempo de recolher os lamentos da população, os da padroeira e de todos os santos ali colocados nos altares menores, e as imprecações do povo que perdeu sus casas, seus apetrechos de exploração de minérios, além de fogos de explodir pedreiras e trens de casas, urinós, urupemas, landuás, caçuás e jegues de transporte da produção agrícola – jerimuns, melancias melões, feijões, batatas e algodões em pluma.
O dito cavaleiro surgiu na política da sesquicentenária ex-Vila Nova do Arraial da Princesa e se fez vereador eleito para defesa do povo e sua cultura tradicional e para esse mesmo povo editou o JORNAL PAREDE onde divulgou o seu trabalho em prol da comunidade cívica. É um jornal escrito em letras garrafais, exposta na fachada de sua própria casa, o que justifica o nome, e suas matérias, digo, e suas notícias têm duração de mais de oito dias em exposição para perpétua memória de todos. Nesse jornal, ao mesmo tempo matutino, vespertino e noturno, o vereador Adauto Legitimo Barbosa faz seu proselitismo político e a contesta a construção do maior reservatório dágua do Nordeste brasileiro, justo a BARRAGEM dessas águas do Assu, acumulando dois bilhões e quatrocentos milhões de métricos cúbicos, formando um lago maior do que a Baia da Guanabara e nele cabendo mais de trinta lagoas do Piató cheias pelos beiços – que é o maior ajuntamento dágua natural do estado do Rio Grande do Norte.
Para o vereador Adauto, a parede da Barragem fora construída com material imprestável à sua segurança, e durante a edificação desse colosso se registra um deslizamento de barro, causando desconfiança sobre a tecnologia empregada na obra e desacreditando a competência da empresa Andrade Gutierres, que pela primeira vês construía uma barragem inteiramente de terra seca.
O alarme repercutiu em todo o país, como se aquela massa deslocada tivesse desabado sobre a população sepultando-a sob escombros.
Logo a igreja levantou o seu protesto contra a conclusão da obra. Uma neurose coletiva de inundação e arrasamento de seis cidades começou a invadir e dominar o centro nervoso das pessoas do Vale – Nas cidades do Vale – Assu, Ipanguaçu, Carnaubais, Pendencias, Alto do Rodrigues e Macau – instalou-se o pânico. Qualquer chuva e o povo já se retirava para os pontos mais altos. Muitas pessoas emigraram, desfazendo-se dos próprios bens por pouco-mais-ou-nada. Na igreja os padres maldizem a barragem e incitam as autoridades a não teimarem na sua construção.
- Essa barragem é maldita. É obra do Anti-Cristo. Ela vai arrasar as cidades do Vale.
E outras vozes discordantes completavam:
- Aqui vai se confirmar a profecia de Frei Ibiapina de que “O Assu vai virar cama de Balei”.
Outros divulgavam profecias do Padre Cícero (“No sertão vai haver muito pasto e pouco rastro”), de Antônio Conselheiro e até do Zumbi. Uma dessas profecias a gente trouxe do fundo da cova de Jararaca, cabra de Lampião assassinado em Mossoró, em 1928, com a sentença mais cruel de todas: “O vale não vale nada”, felizmente contestada por um ex-servo de Deus que já abandonara as hostes católicas e gritava sozinho em meio ao vendaval: “vamos ver quanto vale este meu vale”.
Afinal a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves sangrou pelos quatro sangradouros de alvenaria de concreto, eles todos somam 910 metros lineares de comprimento. Chegou a represar três bilhões e duzentos mil metros cúbicos dágua – 800 milhões a mais de sua capacidade de armazenamento.
As águas da sangria invadiram a várzea, estenderam-se até os tabuleiros e entraram na rua. Parte da população retirou-se para as casas dos altos. Alguns desabrigados, em Ipanguaçu, foram deslocados para barracas de lona da Defesa Civil. Houve inquietação, temor, medo.
Em São Rafael a torre da igreja sumiu n espelho do lago. Só a água e o silêncio imperavam sob a cidade desaparecida lá no fundo mais fundo da barragem. Mas, não foi a cidade que desceu, foram as águas que subiram.
Foi aí que a figura misteriosa e enigmática do Cavaleiro/Vereador reapareceu. De escafandro ajustado ao corpo, ele desceu às profundezas do lago, junto à igreja, e foi assuntar as imagens religiosas o que diziam e apreciar a paisagem subterrânea.
Presenciou uma cobra de cipó enroscada no bastão de São José e uma caninana com a presa encravada na batata da perna do Senhor Morto. Viu a imagem da Virgem da Conceição acenando o dedo indicador num gesto de quem o chamava para mais perto. Viu que Santo Antônio estava com a boca colada ao ouvido de São Benedito como se submetesse à uma confissão auricular. Seu espanto maior, porém, foi ver Xicó de Aninha, comprador de ouro quebrado tocando joias e coroas da santa. Afastou o incréu e recolheu beatamente a coroa para entrega-la ao Bispo Xanduzinho, que a consagraria na sua santa igreja brasileira e aí havia por bem ficar sob a bênção “da boa-venturança eterna! Do santificado monsenhor Júlio Alves Bezerra.
Adiante Adauto Legitimo Barbosa encontrou Chico Galego, explorador e comprador de minérios, às voltas com dúzias de bananas de dinamite, tentando trazê-las para a superfície, mas suas forças eram mínimas para a grandeza da carga.
A visão mais terrível o Cavaleiro testemunhou à noite, quando um barco lançou uma sonda luminosa para encandecer os cardumes de peixes, que a essa altura varavam as águas em todas as direções. Um bagre engoliu a tocha e tornou-se transparente ao ponto de atrair florações de tucunarés, pescadas, curimatãs, traíras, Sardinhas, cangatis, corós, piaus e camarões. Vila franca para conduzi-los em procissão até ao patamar da igreja e ali todos eles rugiam como se orassem à Padroeira num ato de solidariedade e de fé cristã.
Outra estranha aparição ao Cavaleiro escafandrista, foi a de um rebanho de galinhas, caipiras, guinés e perús de terreiros, catando com o bico restos de ovas de curimatãs. Enquanto as ovas eram degustadas, espelhos e escamas de peixe reduziam no dorso de serpente prateadas. De repente passou raspando o nariz de Adauto um peixe/fogo, tão transparente em suas cavernas viscerais, que deixava ver, como numa chapa raio-X, os objetos recolhidos nos altares – uma gargantilha de brilhantes em platina, um castiçal e uma miniaturização de um santo homem em oração. Era o Padre Luiz Guimarães, humilde e antigo donatário de um capelania no Itajá do Lopes, situado naquelas redondezas. Tudo a cinquenta palmos de profundidade, com Adauto Legítimo Barbosa cara a cara com a ante porta do Terceiro Mundo.
Postado por Fernando Caldas)
Foto do Diário de Natal, 1983

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