Afonso de Macedo esta antologiado por Ezequiel Wanderley, em Poetas do Rio Grande do Norte, 1922, Panorama da Poesia Norte Norte-Rio-Grandense, 1965, de Rômulo Wanderley. Pena que o antologista Ezequiel da Fonseca Filho, esqueceu de coloca-lo na sua antologia Poetas e Boêmios do Assu, 1984.
Este Afonso, penso eu, depois de deixar o Assu para estudar em Natal e depois no Recife até se formar em direito, nunca mais voltou a sua terra Natal.
Por fim, o livro sob o título “O Amor de um Canário”, feito de um poema só, publicado em 1. edição pela Officinas de G. Robato, Bahia, 1915, e em 2. edição (Fac-símile), editora AZIMUTH, 2021, do escritor e edditor Wandir Villar, é o livro de estreia deste bardo assuense chamado Afonso Soares de Macedo.
Vejamos o longo poema “O Amor de um Canário”, na grafia atual, adiante transcrito:
Livre e feliz no bosque e no espaço vivia
Uma vida, que a excelsa e sábia Natureza,
Nos seus infindos dons de imensa profundeza,
Reservado lhe havia;
Não tinha do ricaço
Esplendoroso paço
Onde fizesse o seu delicioso aposento;
Nem tão pouco possuía
De algum Creso qualquer o vestido opulento,
Joias de alto valor, de fina pedraria.
Tinha, no entanto, tudo
E era o que lhe bastava:
Um bem feito e macio e carinhoso ninho.
Aonde repousava;
Tinha como roupagem,
Não a seda e o veludo
Ou mesmo o próprio linho
Mas a sua amarela e elegante plumagem;
E para procurar
os meios de existência,
A bondosa Omnisciências
Deu-lhe asas para voar.
Nada faltava, pois, ao ditoso canário;
Ao romper da alvorada, ante belo cenário,
Que pouco a pouco, se ia
Desenrolando, além, pelo azul do Nascente,
Alegre desprendia,
Cheio de toda vida, harmonioso, contente,
Hinos de gratidão de alegria,
Operas de alegria,
Ao autor da criação,
E a sua saudação
Era a oração
Do dia.
Depois, cedendo às leis da própria contingência,
Deixava o ninho; e a voar
Pela floresta afora
Na tenaz diligência
De por ali achar
Um pedaço de pão,
Sem culpa muito embora
Da prevaricação,
Da desobediência,
Do nosso pai Adão,
Seu papinho, afinal, enchia grão a grão;
E as azas distendendo além
Pelo horizonte,
Já com sede também,
Achava onde beber uma límpida fonte.
Quantos ricos e reis, por esse mundo vario,
Estão inveja a ter da vida do Canário!
Filosofava agora; aqui e ali soltando
Curtos voos, assim
como quem vai notando
De cada cousa o belo e o seu principal fim;
Ora. à margem, parava, extensa e verdejante
De uma relva florida;
Que bela seiva, ali, quanto vigor pujante
Naquela vegetal e primorosa vida!
Ora a azas batia e, num voo altaneiro,
Ia agora pousar no cimo de um coqueiro;
E ali, naquela altura,
Instantes a passar, via o horizonte inteiro
E as belezas, sem fim, da esplêndida Natura.
Novos cantos, então, soltava à luz do dia,
Agora que o astro-rei, de novo reassumia
Sua ingente missão no espaço americano,
Onde deixa de ser um rei aristocrata,
Mas, puro liberal,
Liberal soberano,
Que, espalhando por tudo um esplendor igual,
Vem a tornar-se, assim, um grande democrata,
Junto conosco ser também republicano;
E’ que tanto se dá ao mais altivo monte,
Quanto â humilde hervasinha a circundar a fonte,
Tanto aquece o condor
No píncaro da serra,
Como vida e calor,
No mais fundo da terra,
N’uma dedicação paterna, indefinida,
Vai dar ao portador mais ínfimo da vida...
E o céu, a terra, o mar, o progresso da ciência,
Tudo, afinal, bem diz do sol a refulgência.
Tu também, avezinha as belezas de Apolo
Canta, que ele quer bem ao nosso amado solo.
Mas, de volta ao seu ninho, à hora do sol posto,
A lhe influir, talvez, a solene tristeza,
Que, então, se desdobrava em toda a Natureza,
O seu peito feria a ponta de um desgosto...
Porém foi o contrário,
Coube-lhe desta vez, subir o seu calvário;
O plano foi certeiro:
E’ que antes de tomar o seu ninho carinhoso
Próximo ali se achando um laço artimanhoso,
O infeliz Canário
De um malvado alçapão, tornou-se prisioneiro.
Misérrimo entre humano! entranhas de pantera!
Que mal algum te fez a inocente avizinha,
Flor – que o livre ar gosava, em plena primavera,
E maldades não tinha?!
Como privar-se assim, num impulso tigrino,
Aquele que nasceu por leis da Divindade,
Para viver no espaço.
Da sua natural e inteira liberdade,
Do seu ninho de amor, do seu natal regaço?
De onde, sempre ao surgir do painel matutino,
Saudava, hinos cantando, as glórias do Divino;
E agora triste assim, qual menino de escola,
Que não soube a lição,
qual um segundo Tasso,
Numa dura prisão;
Outrora hinos soltando à infinita amplidão,
hoje no ambiente cruel de uma estreita gaiola!
E o pobre animalzinho, aos poucos, definhava,
Não mais seu ninho ver,
O seu bercinho amigo,
Onde veio a nascer,
Não ter ali também o seu último abrigo!
E triste sempre assim já pensava em morrer,
pois da saudade a dor, dia a dia, o matava.
Mas a sorte quis dar-lhe uns dias de ventura,
Antes que ele tivesse uma morte prematura.
Um dia o seu algoz para extinguir lhe o mal,
A tristeza sem fim que o pássaro sofria,
Vamos ver, cogitava, se coaduno
Consigo alguma cousa de alegria,
Que lhe desperte um cristalino ideal,
Se faço a troca de Raquel por Lia
Ou da Nuvem por Juno;
Fácil é enganar-se pela vez primeira
Talvez que idealize alguma Companheira,
Talvez desejos tenha de fazer Casal;
E o ardiloso algoz
Ante à gaiola poz
Um enorme e faiscante espelho de cristal.
De certo, produzira essa feliz lembrança
O efeito desejado;
pois que logo notou-se uma grande mudança,
No todo do Canário, um diferente estado;
Surpreendeu-se primeiro;
E, um tanto desconfiado,
entre alegre e tristonho,
Dubio ficou se o fato era, em si, verdadeiro
ou se a igual, que além via, era o emblema de um sonho!
Chegou a crer, por fim, na ditosa verdade,
Tal de uma esposa ter era a sua ansiedade.
Beijos, em cantos, trinos, galanteios,
Sinais de amor, a todos esses meios,
Que lhe fossem provar sua ardente amizade,
O dândi recorria;
E mais a mais, então, ele se convencia
De ser correspondido o seu primeiro amor,
Pois tudo que fazia
Além reproduzia
O espelho enganador.
Quanto és bondoso, ó Deus, exclamava contente,
Quanto és sublime, ó Grande Artista da Criação!
Tal como deste ao rio – essa livre corrente
E o orvalho deste a flor,
Deste também o amor
Ao nosso coração.
E, paulatinamente, essa paixão crescia
E aumentava também
A sua doçura e veemente alegria,
A ânsia de se juntar ao seu querido bem.
Coitadinho, porém, do nosso Leandro,
Mas, desse nosso Leandro, cor de cedro!
Num castigo severo,
Num apertado meandro,
Separado se vê da sua amável Hero
Por tão cruel assim Hellesponto de vidro.
Té que o dia fatal
Do pobre do Canário,
Do louco, visionário,
Despontara afinal.
Um tredo gato, habilidoso artista,
Professor de magia, ilusionista.
Um tredo gato, habilidoso artista,
Professor de magia, ilusionista,
Já concebido o plano e o ardil magico,
Fizera desse amor um episódio trágico:
Assaltando à gaiola, em o momento dado,
Chegara a realizar o seu ideal sonhado.
Forte ilusão! enquanto o canário sofria
Do bárbaro assassino a sanguínea violência,
Tranquila, qual de um Justo, era a sua Consciência,
Mártir de amor, serena era a sua alegria:
E’ que na ocasião de ser assassinado,
Naquele mesmo instante,
Vira por igual dor passar a sua amante,
Chegara mesmo a ver seu corpo ensanguentado
Seu colo virginal, seu amoroso peito...
Num batismo de sangue o seu amor sangrado.
Eis a razão porque o iludido Canário
Afrontara com calma a dor do seu Calvário.
Ao menos, a ilusão causara-lhe este feito:
Morrera satisfeito.
(Há registro, portanto, que uma rua da cidade do Assu. leva o seu nome, porém é mais um dos esquecidos das letras assuenses).
Fernando Caldas
De: Assu Antigo
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