Amanhã, 7, o povo brasileiro vai escolher seus novos prefeitos e vereadores. Vale a pena relembrar João Moacir de Medeiros (doutor Medeiros), publicitário que fez nome na propaganda brasileira (JMM Publicidade), no Rio de Janeiro, onde chegou ainda no começo da sua juventude, vivendo ali durante mais de sessenta anos.. Medeiros era Norte-riograndense, do Assu, um dos municípios brasileiros importantes. Por sinal, ele era primo de meu pai, pelo lado de sua mãe que era membro da família Lins Caldas, de tradição no Rio Grande do Norte e em outros estados brasileiros). Pois bem, em 1954, disputava a eleição para prefeito de Belo Horizonte, Amintas de Barros pelo PSD, que tinha o apoio de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek contra Celso Azevedo pela UDN, com o apoio de Magalhães Pinto, que naquela época era senador da república (Presidente do Banco Nacional), que convidara Medeiros para fazer a propaganda política de Azevedo. Foi, portanto, a primeira campanha política marketizada realizada no Brasil, que teve também a participação do publicitário Cid Pacheco. É de grande importância o seu depoimento, “entrevista realizada na vigência do convênio entre CPDO/FGV, a ABP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROPAGANDA e a SOUZA CRUZ”, conforme adiante::
(...) O Magalhães Pinto. Vamos lá, resumindo. O Magalhães Pinto, político – presidente do Banco, mas político -, foi presidente do Senado e governador depois. Ele me chama a Belo Horizonte, em 1954, se não me engano, queria que eu fizesse uma campanha de propaganda para Celso Azevedo – que era um jovem desconhecido, tinha 40 e poucos anos, engenheiro -, que ia disputar a eleição da prefeitura de Belo Horizonte com o Amintas de Barros, que era o candidato do governador Juscelino Kubitschek e de Getúlio Vargas ainda. Isso foi em 54, antes do suicídio de Getúlio, é claro. Em julho, Getúlio esteve em Minas Gerais e tirou fotografia com o Amintas de Barros, aquela coisa toda. E Juscelino era um homem do PSD e depois esteve associado ao Partido Trabalhista do Getúlio Vargas. Então, eu cheguei lá e ele me entregou essa missão, para ele não perder feio, como ele me disse. Essa história está contada aí em vários cantos. E eu fiquei lá uns 35 dias, estudei os problemas do mercado, vamos chamar assim, dos candidatos e propus ao Celso Azevedo a forma de atuação. Ele não sabia fazer discurso enquanto o adversário era um brilhante advogado, criminalista, daqueles discursos no júri. Fiz uma campanha adequada, mostrando uma coisa que finalmente... Um princípio: em uma cidade, em uma eleição municipal, as pessoas não estão interessadas em ideologias, em partidos, em nada. A coisa que interessa ao cidadão de uma cidade é o seu bairro, a sua rua. Os problemas de sua rua. Então, como eu não podia contratar uma pesquisa, eu comecei a pesquisar, conversar com moradores e, no fim das contas, saber o seguinte: que interessava ao morador daquela rua. Por exemplo, o problema dele era que o ônibus passava a 100m, 200m do ponto de ônibus e ele tinha que ir a pé para casa, mas na verdade a rua não era calçada e, quando chovia, ele se molhava… Como o Celso Azevedo era engenheiro, eu comecei a orientar o Celso Azevedo a conversar sobre os problemas de bairro, de cada bairro. Por que não fazia o calçamento dessa ruazinha com pedra – como se chamava? – pé-de-moleque? Era um tipo de calçamento que os escravos faziam com pedra. Não é uma coisa moderna, não é o paralelepípedo, mas resolve o problema daquela rua. É claro que eu propunha as coisas... Então, as propostas dele eram exatamente as propostas viáveis, em que o povo acreditava. Não faça grandes promessas, faça promessas em que as pessoas possam acreditar. Então, Celso, que também não era um demagogo, passou a ensinar as pessoas a resolver problemas. Tinha um outro problema lá, um exemplo, de uma determinada rua que precisava de uma ponte. Mas a ponte não era uma coisa do outro mundo. Para construir aquela ponte bastavam tantos sacos de cimento. Então, ele ia para o bairro. “E essa ponte aqui? Precisa de tantos sacos de cimento, de tanto não sei o quê disso, daquilo e aquilo outro. Essa ponte se pode construir por tantos reais ou cruzeiros – não importa o nome da moeda na época – e se pode fazer uma obra, não precisa ser uma obra de luxo, e resolver o problema.” Então, ele ia propondo resolver problemas…
L.H. - Pontuais.
J.M. - Nos bairros, aquela coisa toda, e as pessoas começaram a acreditar. E sem discurso, porque ele não sabia falar. Sabia explicar como resolver as coisas. E uma equipe de engenheiros amigos dele também estava presente, sempre para resolver, dar soluções àqueles problemas. As pessoas começaram a acreditar nele, não em promessas mirabolantes. E ele ganhou a eleição. Em 35 dias, ganhou de um candidato, o Amintas de Barros, que era o candidato do Juscelino.
L.H. - Pela segunda vez, o senhor comentou que o senhor mesmo fazia pesquisa. No caso do Café Paulista, o senhor foi conversar com os varejistas, os comerciantes, e dessa vez o senhor foi conversar com a população para diagnosticar qual era o ponto da campanha, onde o senhor ia pegar. Isso, na época, não era feito.
J.M. - Não, eu vou lhe dizer o seguinte. Sempre existiu, sempre existiu... O Ibope de Auricélio Penteado foi a primeira empresa de pesquisa e é de uma pesquisa quantitativa, mais do que qualitativa, que hoje se usa e é formidável. Agora, também existe um tipo de pesquisa que é uma pesquisa qualitativa de maior profundidade. Se você não tem instrumentos de pesquisa, você tem que fazer isso. Eu usei isso muitas vezes, quer dizer, uma pesquisa qualitativa. Por exemplo, lá no caso do Celso Azevedo, não tinha meios nem
verba para fazer isso. Então, comecei a conversar com as pessoas, os problemas de cada bairro e como eles deveriam ser enfrentados, sem enganar as pessoas, chegando à conclusão de que os problemas de uma cidade não são ideológicos. Em uma prefeitura, as pessoas estão interessadas no seu bairro, nos seus problemas locais. Muito bem. Isso eu também acho, e hoje é uma verdade. Mas eu descobri essa verdade por mim mesmo. Da mesma forma, a questão da pesquisa qualitativa, eu fiz nos anos 50... Eu fui chamado pelo Nahum Manela, do sutiã DeMillus. Eles faziam propaganda do sutiã. Era o maior fabricante de sutiãs. Pois bem. Ele já era uma grande marca de sutiã e já tinha estado com a J. Walter Thompson, que era a maior agência da época, agência americana, que fazia propaganda nos Estados Unidos de uma marca famosa de sutiã. Mas depois dessas campanhas que eu andei fazendo em Minas... Isso teve uma repercussão muito grande, a campanha do Celso Azevedo, nos jornais não apenas de Minas, mas também nos jornais do Rio de Janeiro. Era a primeira vez que uma agência de propaganda pegava um ilustre desconhecido, enfrentando o candidato apoiado pelos grandes partidos, pelo governador Juscelino Kubitschek, e ganhava uma eleição. Isso foi importante porque houve muita repercussão. Nessa época também, eu ganhei outros prêmios, ganhei seis vezes. Tinha ganhado um prêmio com uma campanha do Café Paulista: “Café de coador”. Com um testemunhal: “Do coador para o bule, do bule para a xícara, um bom café vale um minuto de espera.” Isso era para enfrentar o Nescafé. Pois bem, essa campanha ganhou também um prêmio.
L.H. - Isso já na sua agência, JMM.
J.M. - Já na minha agência. Então, o Nahum Manela nessa época, estou lhe falando em pesquisa, um dia pegou e me telefonou e disse que queria conversar comigo, se eu aceitava fazer uma campanha – ele estava com a Thompson, a maior agência americana – para concorrer com a Thompson. Eu digo: “Olha, muito bem, sr. Manela. Eu quero lhe dizer o seguinte. Minha agência é muito pequena. Eu não tenho os instrumentos da Thompson, que tem uma experiência internacional de sutiã, mas os problemas são diferentes. Agora, se o senhor quiser me dar uma oportunidade, eu vou fazer.” Aí, novamente a minha pesquisa. Eu não tinha como fazer pesquisa, mas posso lhe dizer o seguinte: eu fiz o que se chama uma pesquisa qualitativa. As mulheres dos meus amigos foram bombardeadas, durante pelo menos umas três semanas, por mim, sobre os problemas do sutiã, sobre o que era bom e o que era ruim no sutiã, em que incomodava o sutiã... Resultado, é claro que eu descobri muitas coisas: um dos problemas é que ele enrola. Quando enrola aqui a alça sai do lugar. Mas isso, em uma conversa... E às vezes faz uma marca aqui no ombro… Machuca, aquela coisa, ou sai do lugar. Pois bem, em vez de fazer uma campanha sexy, como normalmente perder feio, como ele me disse. Essa história está contada aí em vários cantos. E eu fiquei lá uns 35 dias, estudei os problemas do mercado, vamos chamar assim, dos candidatos e propus ao Celso Azevedo a forma de atuação. Ele não sabia fazer discurso enquanto o adversário era um brilhante advogado, criminalista, daqueles discursos no júri. Fiz uma campanha adequada, mostrando uma coisa que finalmente... Um princípio: em uma cidade, em uma eleição municipal, as pessoas não estão interessadas em ideologias, em partidos, em nada. A coisa que interessa ao cidadão de uma cidade é o seu bairro, a sua rua. Os problemas de sua rua. Então, como eu não podia contratar uma pesquisa, eu comecei a pesquisar, conversar com moradores e, no fim das contas, saber o seguinte: que interessava ao morador daquela rua. Por exemplo, o problema dele era que o ônibus passava a 100m, 200m do ponto de ônibus e ele tinha que ir a pé para casa, mas na verdade a rua não era calçada e, quando chovia, ele se molhava… Como o Celso Azevedo era engenheiro, eu comecei a orientar o Celso Azevedo a conversar sobre os problemas de bairro, de cada bairro. Por que não fazia o calçamento dessa ruazinha com pedra – como se chamava? – pé-de-moleque? Era um tipo de calçamento que os escravos faziam com pedra. Não é uma coisa moderna, não é o paralelepípedo, mas resolve o problema daquela rua. É claro que eu propunha as coisas... Então, as propostas dele eram exatamente as propostas viáveis, em que o povo acreditava. Não faça grandes promessas, faça promessas em que as pessoas possam acreditar. Então, Celso, que também não era um demagogo, passou a ensinar as pessoas a resolver problemas. Tinha um outro problema lá, um exemplo, de uma determinada rua que precisava de uma ponte. Mas a ponte não era uma coisa do outro mundo. Para construir aquela ponte bastavam tantos sacos de cimento. Então, ele ia para o bairro. “E essa ponte aqui? Precisa de tantos sacos de cimento, de tanto não sei o quê disso, daquilo e aquilo outro. Essa ponte se pode construir por tantos reais ou cruzeiros – não importa o nome da moeda na época – e se pode fazer uma obra, não precisa ser uma obra de luxo, e resolver o problema.” Então, ele ia propondo resolver problemas…
L.H. - Pontuais.
J.M. - Nos bairros, aquela coisa toda, e as pessoas começaram a acreditar. E sem discurso, porque ele não sabia falar. Sabia explicar como resolver as coisas. E uma equipe de engenheiros amigos dele também estava presente, sempre para resolver, dar soluções àqueles problemas. As pessoas começaram a acreditar nele, não em promessas mirabolantes. E ele ganhou a eleição. Em 35 dias, ganhou de um candidato, o Amintas de Barros, que era o candidato do Juscelino.
L.H. - Pela segunda vez, o senhor comentou que o senhor mesmo fazia pesquisa. No caso do Café Paulista, o senhor foi conversar com os varejistas, os comerciantes, e dessa vez o senhor foi conversar com a população para diagnosticar qual era o ponto da campanha, onde o senhor ia pegar. Isso, na época, não era feito.
J.M. - Não, eu vou lhe dizer o seguinte. Sempre existiu, sempre existiu... O Ibope de Auricélio Penteado foi a primeira empresa de pesquisa e é de uma pesquisa quantitativa, mais do que qualitativa, que hoje se usa e é formidável. Agora, também existe um tipo de pesquisa que é uma pesquisa qualitativa de maior profundidade. Se você não tem instrumentos de pesquisa, você tem que fazer isso. Eu usei isso muitas vezes, quer dizer, uma pesquisa qualitativa. Por exemplo, lá no caso do Celso Azevedo, não tinha meios nem verba verba para fazer isso. Então, comecei a conversar com as pessoas, os problemas de cada bairro e como eles deveriam ser enfrentados, sem enganar as pessoas, chegando à conclusão de que os problemas de uma cidade não são ideológicos. Em uma prefeitura, as pessoas estão interessadas no seu bairro, nos seus problemas locais. Muito bem. Isso eu também acho, e hoje é uma verdade. Mas eu descobri essa verdade por mim mesmo.Da mesma forma, a questão da pesquisa qualitativa, eu fiz nos anos 50... Eu fui chamado pelo Nahum Manela, do sutiã DeMillus. Eles faziam propaganda do sutiã. Era o maior fabricante de sutiãs. Pois bem. Ele já era uma grande marca de sutiã e já tinha estado com a J. Walter Thompson, que era a maior agência da época, agência americana, que fazia propaganda nos Estados Unidos de uma marca famosa de sutiã. Mas depois dessas campanhas que eu andei fazendo em Minas... Isso teve uma repercussão muito grande, a campanha do Celso Azevedo, nos jornais não apenas de Minas, mas também nos jornais do Rio de Janeiro. Era a primeira vez que uma agência de propaganda pegava um ilustre desconhecido, enfrentando o candidato apoiado pelos grandes partidos, pelo governador Juscelino Kubitschek, e ganhava uma eleição. Isso foi importante porque houve muita repercussão. (...).