Discurso do Deputado CORTEZ PEREIRA, representando o Rio Grande do Norte, no II CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSEMBLÉIAS LEGISLATIVAS, realizado em Porto Alegre-RS, em 30 de outubro de 1961.
O SR. PRESIDENTE – Concedo a palavra ao nobre Deputado Cortez Pereira que falará em nome do Nordeste. O Deputado Cortez Pereira pertence à delegação do Estado do Rio Grande do Norte.
O SR. CORTEZ PEREIRA – Exmo. Sr. Presidente João Goulart, Exmo. Sr. Primeiro Ministro Tancredo Neves, Exmo. Sr. Governador do Estado, Leonel Brizola: Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Justiça, Exmos. Srs. Ministros, Autoridades Civis, Religiosas e Militares, Srs. Congressistas.
O nordeste não me perdoaria se numa oportunidade como esta onde se encontra o Brasil, através do comparecimento das delegações de todos os recantos da pátria à face com as autoridades mais altamente responsáveis pelos destinos deste país, o Nordeste, não me perdoaria se aqui, eu viesse para não falar a sua linguagem característica, para não falar o seu dialeto, que não sei se é formado mais de palavras ou de gemidos, mas que escondem o sentimento mais íntimo, para não dizer o ressentimento mais doloroso. Falo em nome do Nordeste, esta vasta extensão de terra onde vivem morrendo 25.000.000 de brasileiros e constitui a mais vasta. A mais extensa região subdesenvolvida do hemisfério ocidental. Eu falo em nome do Nordeste, onde, o Sr. Presidente, a media de vida não vai em alguns Estados, além da idade de 30 anos e onde a mortalidade infantil não é um escândalo, por ser uma tragédia; onde as crianças parecem que nascem para morrerem crianças. (Palmas).
Nordeste esquecido e ressentido, Nordeste castigado pela calamidade da seca, seca que é muitas vezes uma queda na precipitação normal das chuvas, atingindo 90%, constituindo por esta característica no mundo uma originalidade que só se pode comparar às secas que existem no interior de Madagascar. Nordeste terra queimada, terra quase morta, onde vivem 70% dos homens, arrancando desta terra morte sua própria vida.
A economia do Nordeste é uma economia de regresso, quando muito da estagnação. Para que se tenha uma idéia, para que se compreenda o drama do Nordeste, basta lembrar que o período e a fase em que viveu mais intensamente, em que o rendimento “per capita” atingiu seus mais altos limites, foi nos fins do segundo século da colonização do Brasil. De lá pra cá, o andar do Nordeste tem sido sempre um andar pra trás, uma espécie de procura de abismo, uma espécie de destinação para a fome e, através da fome, para a morte. Nordeste que até 1900 teve sua economia inteiramente paralisada para que nestes últimos 50 anos encontrasse um estremeço de vida, através de avanços e recuos que exigem do Poder Público uma exata interpretação das causas e conseqüências.
Para que se tenha uma idéia de como tem regredido e como tem caminhado para trás, a nossa economia, basta que se diga que antes da guerra de 1939, nós do Nordeste, produzíamos 30% da renda bruta nacional, e hoje estamos reduzidos a menos de 10%; basta que se diga que, antes da guerra de 1939, nos produzíamos 18% da renda industrial e estamos reduzidos, hoje, a menos de 8%.
Acreditamos que uma complexa causação nos impõe essa realidade, realidade de uma região que só tem conseguido ser um mercado fornecedor de matéria prima, vivendo um regime de economia primária, criando produtos exportáveis sem termos capacidade de nos defender das esmagadoras leis do capitalismo internacional, que são as mesmas leis que estabelecem o ritmo de desenvolvimento e atraso de regiões como o Nordeste e o Centro Sul quando se encontram para o diálogo das transações.
Nós somos vítimas, não só da seca. Mais grave do que ela é este fenômeno econômico que nos vitima e condena a um atraso crescente. Somos vítimas da lei de concentração de capitais e riquezas. O Centro Sul ao alcançar o estágio da capitalização industrial passou a manter com o Nordeste um relacionamento econômico que o fortalece na proporção em que os enfraquecemos. São relações economicamente colonialistas.
Dizem os economistas que quando um sistema econômico qualquer alcança a fase de debilidade alcançada pelo Nordeste, institucionaliza-se, e qualquer processo de modificação é espontaneamente impossível. Diante dessa impossibilidade, temos só um caminho: esperar a intervenção do Poder Público para que se quebre o círculo vicioso que nos sufoca. Se o capital estrangeiro é impiedoso, mais ainda serão as meias-leis dentro da mesma pátria, dividindo-a. Isto porque, com a concentração dos capitais nos grandes centros, além de se processar a alienação de uma região em favor de outra, processa-se, ainda, o fluxo migratório em direção dos grandes centros. E, com esta vinda de nordestinos para os grandes centros, apenas não perdemos braços, mas braços mais jovens dos mais inteligentes e ousados. Os capitais que precariamente formam no Nordeste seguem também o rumo de seus filhos a procura de mais alto e estáveis multiplicadores.
E o que fez o Poder Público até hoje pelo Nordeste, além de plataformas, de discursos impressionantes, emocionais e inúteis? Não posso dizer que o Poder Público não tenha feito nada por ter feito muito, porém contra o Nordeste. Basta que se diga, Senhores Deputados, que o governo em 1947, quando fixou o preço do dólar, criando um verdadeiro imposto de exportação, através do denominado confisco cambial, o governo de então, condenou-nos a nós do Nordeste, produtores de matéria prima exportável, a termos de um prejuízo anual da ordem de vinte e cinco milhões de dólares, importando apenas quinze milhões.
Para que se pese o que representou a política cambial do governo federal contra o Nordeste, basta que se diga que só a Bahia exortava cento e setenta milhões de dólares, importando apenas quinze milhões.
Mas dirão com certeza: o Poder Público fez açudes no Nordeste. Realmente fez açudes no Nordeste, mas açudes não significam nada se só forem açudes, lâminas d’água exposta ao sol e cobrindo as poucas terras férteis da região. Barrar a passagem da água numa garganta de serra qualquer não representa coisa alguma se só for isto.
Os grandes açudes não têm significação se não forem complementados pela irrigação. (Palmas prolongadas).
O Poder Público construiu açudes no Nordeste armazenando 14 milhões de metros cúbicos. Admitindo a proporção internacionalmente aceita para as irrigações, eu direi: com 14 milhões de metros cúbicos armazenados em açudes, poderíamos ter cerca de 200.000 hectares de terras irrigadas com alta produtividade e diferentemente de 200.000 hectares o governo federal irrigou apenas 5.132 hectares, o que é escândalo de irracionalidade.
Daí, Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, a explicação porque a palavra do nordestino deve ser uma palavra diferente.
Talvez preferível fosse divagar procurando coisas amenas que o Nordeste também possui para não falar do seu drama, quase tragédia. Talvez devesse saudar a bravura do gaucho, mas entendi que o estômago com fome do nordestino impõe-me, neste instante, uma palavra carregada e marcada pela energia. (Palmas demoradas).
Nesta hora não podemos pensar em fazer poesia e se houvesse a imposição de fazê-la, haveríamos de cantar amargamente como o poeta, que viu o Nordeste como “uma paisagem sem folhas verdes, para o vento brincar, toda crivada de espinhos como a fronte de Jesus”.
O certo, todavia, é dizer objetivamente que no Nordeste temos açudes sem irrigação, que somos vítimas de um sistema de espoliação que poderá fomentar o problema mais grave e mais sério da unidade nacional. (Palmas prolongadas).
Ao Centro-Sul do país eu digo, e nome do Nordeste, nosso ressentimento e nossa mágoa não vos atinge. Não temos nenhum rancor, nenhum sentimento de revolta contra o Centro-Sul. Pelo contrário, aplaudimos o seu dinamismo. Registramos apenas, a existência de uma lei de sociologia econômica, que nos esmaga e, através deste registro, pedimos a intervenção do Poder Público, para que estanque as fontes que possam alimentar um grave sentimento de irmão contra irmão.
E por fim, a última palavra do Nordeste à terra que nos recebeu, à terra do rancho gaúcho, o rancho que nos abriga, pertence realmente a todos nós, o rancho é brasileiro. Nesta grande terra muitas e muitas vezes nos inspiramos, no seu povo muitas e muitas vezes aprendemos deste imenso Rio Grande, as grandes lições de bravura, de resistência e de heroísmo.
Do blog Spaço Único, de Rosélia Santos