TRATORISTA BOM DE BRIGA
João Fábio Cabral, ator e autor de peças teatrais de Ipanguaçu, chama atenção por uma ponta no novo filme estrelado por Wagner Moura, A Busca, mas já tem muita bagagem nos palcos paulistas.
Pouca gente sabe, mas o tratorista que troca sopapos com Wagner Moura em seu mais novo filme é potiguar. João Fábio Cabral tanto bate quanto apanha em A Busca, dirigido por Luciano Moura, que estreou nos cinemas de todo o país no último dia 15 de março. Somente em Natal, mais de 4.500 pessoas haviam assistido ao filme em um dos cinemas da cidade até o último domingo. A conta inclui os familiares de Fábio, que se deslocaram de Ipanguaçu para ver o parente na telona. Faltou o fã número 1, Seu Beruca, o pai do ator, que só viu algumas cenas da produção na TV, e quer combinar outra caravana a Natal para ver o filho em alta definição.
Foto: Arquivo Pessoal.
João Fábio Cabral acumula experiências fora do RN
Devoto de umbanda, solteiro e sem filhos, João Fábio Cabral, 39, nasceu no dia 17 de novembro de 1973, sob o signo do Escorpião com ascendente em Escorpião. Filho de pai soldador e mãe auxiliar de serviços, aos 16 anos, após concluir o ensino fundamental, mudou-se de Ipanguaçu para Fortaleza, no Ceará, onde foi perseguir o sonho de ser ator. Morou durante três anos com Ester, sua irmã mais velha. Mais tarde seguiu para São Paulo, onde viveu com a tia, e se formou em teatro pela Escola de Teatro Ewerton de Castro, em 1999.
João conta que o interesse pela dramaturgia surgiu ainda no interior potiguar, por meio da literatura, cinema, circos, e até novelas que via quando adolescente. Como sempre gostou de dançar, seu avô o levava para ver as apresentações dos pastoris no fim do ano. Ele lembra com saudades das novenas típicas do mês de maio, da festa da padroeira da cidade e até da chegada dos circos. Na escola, participava do grupo de teatro e de todas as gincanas, onde se destacava por ser desinibido. “Minha mãe falava que eu ficava imitando os outros”, conta.
Com tantas referências, começou a escrever desde cedo e hoje já contabiliza mais de 50 textos – pelo menos 20 deles encenados em São Paulo e outras praças. Há 20 anos morando na capital paulista, possui um apartamento próprio, com 120 metros quadrados, no Bairro Bela Vista, próximo à conhecida Avenida Paulista. Durante o período na metrópole, chegou a morar com amigos, depois sozinho, e hoje divide o espaço com o irmão Judson Cabral, uma prima de Ipanguaçu e a afilhada Mariana, de três anos.
Mas, apesar de trabalhar na capital, sua residência fixa fica no litoral, em Ubatuba, pois conta que hoje prefere a calmaria à loucura da cidade, aonde vai apenas para compromissos de trabalho. “Hoje prefiro essa tranquilidade da praia, do litoral norte de São Paulo, e encontrei em Ubatuba o lugar perfeito”, explica.
Pai diz que ator puxou ao lado “desenvolvido” dos Cabral
João Batista Cabral, 65, conhecido como seu Beruca, trabalha como soldador em Ipanguaçu desde 1971. O pai de João Fábio conta que o filho puxou ao lado “desenvolvido” dos Cabral. Intelectual desde criança, Fábio teve boas notas nas três escolas que estudou na cidade e, segundo o pai, sempre quis estudar fora. “Filho só puxa ao pai se ele for cego, porque a minha vida é mexer com ferro e meus dois meninos rumaram para a cultura”, brinca.
Apesar da distância, Beruca afirma que o filho sempre foi presente na família, ajudando sempre que preciso. Em sua última visita a Ipanguaçu, no natal de 2012, todos os filhos se reuniram para a ceia na casa do pai, que hoje mora sozinho com a esposa, dona Maria das Graças. “A gente começa sozinho e termina sozinho. Mas para mim meus filhos são a melhor coisa do mundo”.
A cabeleireira Fabia Cabral, de 41 anos, é uma das irmãs de Fábio. Ela conta que o irmão mais novo foi sempre cheio de astúcia, fazendo teatro, dança e futebol, tudo ao mesmo tempo. E quando Fábio resolveu sair de casa, a irmã lembra que toda a família – principalmente a mãe – não queria permitir, pelo apego familiar. Mas cederam por ser o sonho do jovem que, à época, já queria estudar teatro.
Ela conta que hoje sente muito orgulho de Fábio, no que é acompanhada pelos conterrâneos, que sempre perguntam as novidades sobre o ipanguaçuense famoso. “Na cidade da gente todo mundo é deslumbrado com ele. Todo mundo sempre gostou dele, agora muito mais”, garante.
Como autor, sucesso em montagens em São Paulo
Dentre as peças que o potiguar escreveu, destaca-se “Um verão Familiar” (2012), que rendeu o título de melhor atriz para Lavínia Pannunzio, dado no 25º Prêmio Shell de Teatro, um dos mais tradicionais da cena teatral brasileira. A solenidade foi apresentada pelas atrizes Nicette Bruno e Beth Goulart, mãe e filha.
Foto: Arquivo Pessoal.
Fábio Cabral com o pai Beruca em Ipanguaçu
Antes disso, em 2010, escreveu e dirigiu a peça “Da Marginal para a Rua Augusta”, que tinha como um dos atores o irreverente Luiz Fernando Duarte, mais conhecido como Luiz Thunderbird, VJ da MTV Brasil, que teve com a peça sua estreia no teatro. Segundo João Fábio, a peça surgiu do projeto Satyrianas, que acontece em SP anualmente. “Luiz é uma pessoa fenomenal, um cara muito bacana, nunca tinha feito teatro e quando eu fiz o convite, ele topou de cara”, afirma João Fábio.
Apesar de se identificar mais com o teatro, o cinema vem marcando presença na nova fase da carreira do ator. Antes da participação em A Busca, Fábio atuou no longa Getsêmani (2009), de Mario Bortolotto, filme de baixo orçamento produzido em São Paulo. E ainda neste ano se prepara para estrear Jonas e a Baleia, da LO Politi, sócia da Maria Bonita Filmes, que venceu o Edital de Criação e Desenvolvimento de Roteiro da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
O filme vai contar uma história de amor não convencional, que se passa no estacionamento de carros alegóricos, no Sambódromo, durante o desfile das Escolas de Samba Campeãs de SP. “Faço o pai do protagonista, uma história linda, um personagem fantástico”, afirma Fábio.
E ainda no filme A Busca, Fábio explica que o convite veio através de um teste que fez com o produtor Chico Accioly. Com o resultado positivo, veio muito exercício físico para entrar no jogo que a cena pedia, resultado que conta ter sido do seu agrado. A parceria com o ator Wagner Moura também rendeu bastante experiência para o ator, que o conheceu durante as gravações, em Paulínia (SP). Apesar da pancadaria, ninguém saiu machucado. O ator explica que a luta foi preparada por Ariela Goldman, que é especialista no assunto.
“Meu personagem se chama Tratorista e faz aumentar o desespero do pai em encontrar o filho. Os dois confundem tudo e acabam naquela pancadaria, que pelo que tenho ouvido, é uma das cenas mais comentadas do filme”, relata com satisfação.
PROJETOS
Hiperativo, Fábio participou de vários projetos independentes durante a sua carreira, dentre os quais, por brincadeiras entre amigos, surgiu o Fuá Cultural, em parceria com Fabiana Carlucci e Rogério Harmitt, que promovia leituras de textos, shows, apresentações de peças, filmes, e exibição de artes plásticas e fotografia. “Sempre gostei de inventar, hoje até sou mais tranquilo com isso, mas gosto de juntar pessoas, fazer coisas, buscar novos universos”.
Além disso, João Fábio realizou um trabalho durante oito anos em escolas do estado de São Paulo, encenando oito peças com jovens de diversas idades, em parceria com Fabiana Carlucci e Fausto Brunini. As apresentações eram feitas no pátio ou até na própria sala de aula, de maneira improvisada. E o projeto era custeado pelos próprios organizadores, sem ajuda governamental. “Foi a coisa mais genial e mais importante que fiz até hoje”, define.
São projetos assim que Fábio revela ter interesse de realizar para o interior potiguar. Segundo ele, nunca houve um convite concreto para que ele participasse de alguma intervenção no estado, mas seu maior sonho é ter apoio para concretizar algum projeto junto ao poder público, que desse a oportunidade aos jovens de ter um contato maior com a cultura. “É um estado cheio de criatividade, um povo feliz, com brilho nos olhos. Alguma hora acontece algum convite e eu irei com felicidade!”
Além do seu novo filme, João Fábio Cabral deve estrear neste ano também como escritor. Até o segundo semestre desse ano, serão editados e lançados dois livros seus com 18 peças em dois volumes pela NVersos Editora, de São Paulo, em comemoração aos seus 13 anos de carreira.
Mas enquanto isso, após dois anos sem descanso, o artista potiguar resolveu se dar férias prolongadas na Europa. Desde o fim de março já conheceu Madrid e Málaga, na Espanha. Ele ainda pretende ir para a Holanda, França e “para onde mais o vento soprar”.
Do aeroporto em São Paulo, antes de partir, ligou para Ipanguaçu onde seu Beruca atendeu: “No final desse ano, se você não vier, eu é que vou viajar”, garantiu o soldador.