quinta-feira, 6 de novembro de 2014

HENRIQUE CASTRICIANO E O CANGAÇO

Henrique Castriciano de Souza em um flagrante no almoço oferecido em honra a Rafael Fernandes, na antiga Escola Doméstica na década de 1930
Henrique Castriciano de Souza em um flagrante no almoço oferecido em honra a Rafael Fernandes, na antiga Escola Doméstica na década de 1930
Henrique Castriciano de Souza é considerado uma das maiores inteligências que o Rio Grande do Norte já teve. Nascido em 15 de março de 1874, na cidade de Macaíba, exerceu durante sua vida uma enorme gama de atividades; diplomado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1904, foi jornalista, poeta, ensaísta, critico literário, secretário de governo, vice-governador, presidente da Assembléia Legislativa, deputado estadual e outras atuações que mostram um espírito que impressionam os que se debruçam sobre sua vida e sua obra. 
Jornal “A Republica”, em 25 de abril de 1908
Jornal “A Republica”, em 25 de abril de 1908
Foi um incentivador cultural, criando a primeira lei de incentivo cultural no Rio Grande do Norte. Criou escolas, adorava a pesquisa, tendo viajado a Europa buscando os caminhos por onde andou Nísia Floresta, escritora nascida em 1810 em Papary (atual município de Nísia Floresta) e falecida na França em 1885. Nísia, como Castriciano, foi uma autora de vasta obra. 
Em 1908, Castriciano frequentava quase diariamente as páginas do periódico “A Republica”, produzindo suas crônicas, com comentários sobre os mais diversos assuntos. No dia 25 de abril daquele ano publicou uma crônica dedicada exclusivamente ao cangaço. 
Antonio Silvino
Antonio Silvino
Provavelmente este trabalho foi realizado diante da repercussão negativa do ataque promovido pelo bando de Antônio Silvino ao povoado Machados, localizado a 18 quilômetros do município de Bom Jardim, Pernambuco. 
Neste ataque, ocorrido no dia 15 de fevereiro, à uma hora da tarde, em pleno dia de feira, Silvino e seus cangaceiros entraram sem alteração no lugar. O chefe quadrilheiro vinha na intenção de ir a um comércio do lugar e acertar certas contas com o proprietário. 
Silvino estava resolvendo esta situação, quando recebeu voz de prisão do Inspetor policial do lugar. Este chegou à mercearia acompanhado com um grupo de quatro paisanos, que voluntariamente se colocaram prontos a auxiliar o Inspetor para prender o bando. 
Jornal “A Republica”, em 21 de fevereiro de 1908
Jornal “A Republica”, em 21 de fevereiro de 1908
Os jornais da época e os autores que trataram da vida de crimes do cangaceiro Antônio Silvino, não detalham com clareza o que ocorreu, mas o resultado foi o extermínio da tropa voluntária e do Inspetor. Após o tiroteio, Silvino e seu bando saquearam o comércio de Machados em 400$000 réis e fugiram em direção aos Lugares Pedra Fria e Palma (O ataque a Machados foi reproduzido na primeira página do jornal “A Republica”, em 21 de fevereiro de 1908).
Diante deste fato de forte repercussão, principalmente em Pernambuco, na Paraíba e no Rio grande do Norte, Estados frequentados por Antônio Silvino, Castriciano busca mostrar aos leitores do litoral potiguar, as diferenças entre as populações do sertão e do litoral, a dureza das regiões quentes e as origens e peculiaridades do banditismo “boêmio”. 
Comenta de forma clara a figura de Jesuíno Brilhante, que a época cada vez mais se mitificava, assumindo a figura de um “Dom Quixote vermelho”, que “andava por toda a região sertaneja, distribuindo justiça a seu modo”. Observava como o tempo fazia o povo esquecer suas atitudes de um bandoleiro não tão romântico assim e apontava como “as gentes do centro”, como Castriciano designava o sertanejo e o sertão, via esta singular figura de bandido. Interessante é o comentário que Castriciano faz, quando narra sua experiência ao segurar o crânio de Jesuíno Brilhante. 
Antonio Silvino em desenho a bico de pena
Antonio Silvino em desenho a bico de pena
Já sua visão de Silvino é de um sanguinário, um terror dos sertões, tacha-o de “moralmente muitíssimo inferior”, de gostar da atenção da platéia popular e comenta a sua brutalidade. 
Em uma época em que Virgulino Ferreira da Silva, o futuro “Lampião”, ainda brincava de baladeira na região da Serra Vermelha, Castriciano já apontava as diferenças e as sutilezas entre os cangaços de Brilhante e Silvino. Da mesma forma que, anos depois, muitos apontariam as diferenças entre Silvino e Lampião, apresentando “O rifle de ouro” quase como um “gentleman” e o “cego de Vila bela”, como a encarnação do “cão do quinto livro”. 
O mais interessante da crônica de Henrique Castriciano é a sua analise sobre a popularidade do Antônio Silvino, através do livreto de cordel do cantor popular Francisco das Chagas. 
Denominando esta obra apenas de “folheto”, Castriciano aponta este material como o “melhor espelho do estado mental e moral das nossas populações”. Mostra (às vezes de forma preconceituosa) a visão dos sertanejos ante o fracasso das perseguições do aparato governamental a Silvino, destacando a “ironia, a gargalhada do povo rude em face da impotência dos governos”. 
Silvino após sua captura em 1914
Silvino após sua captura em 1914
Entre irônicas tiradas contra a justiça oficial de então, existe espaço neste cordel para “planos de governo” de Antônio Silvino, com apontamentos socialistas, divisão da terra e até criticas a atuação de estrangeiros pelo sertão afora, no caso os ingleses e suas estradas de ferro. 
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Neste maravilhoso trabalho, Henrique Castriciano utilizou como era normal no período, o pseudônimo de “Mario Valle”. Segundo Manoel Rodrigues de Melo, no livro “Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte 1909 – 1987”, página 259, Castriciano era pródigo em criar pseudônimos. Este autor narra nove deles, desde um simples “H.C.” ao interessante “Erasmo van der Does”. 
Henrique Castriciano faleceu em 26 de julho de 1947. 
CRÔNICAS – Jornal “A Republica”, sábado, 25 de abril de 1908. 
O Nosso clima, as brutas arestas do sertão, o solo escalvado que constituem grande parte da zona do Norte, todo este conjunto de fatores ásperos, gera, de quando em quando, tipos totalmente sintéticos, recapitulações da psicologia por vezes mórbida da sub-raça que se agita nessa parte do território brasileiro. 
São interessantíssimos os representantes máximos e diretos da plebe entre nós: os cantadores ambulantes, o vaqueiro heróico, e, mais do que todos, devido à agilidade perversa e a concepção anarquista que forma do mundo, os criminosos boêmios que, às vezes durante anos, percorrem léguas matando e destruindo a vontade. 
Há uma grande diferença física entre a gente do agreste e do sertão; diferença que se afirma na singular energia da população da última destas zonas, em contraste com a meiguice humilde dos habitantes da primeira. 
Todos os criminosos notáveis aparecidos nos Estados setentrionais do Brasil são gerados nas plagas sertanejas, produto agressivo de gerações e gerações em eterno combate com a natureza, casos teratológicos de uma gente até no crime forte e excepcional. 
Eles são bons filhos das terras em que nasceram. Assim como nestas, ao lado das várzeas e dos rios pródigos, existem a montanha pedregosa e a campina estéril, assim também, na sociedade que lá vive, surge de quando em quando, dentre centenas de seres educados na bondade enérgica e sofredora, as almas tingidas de vermelho, os corações golpeados de ódio que se chamam Jesuíno Brilhante e Antônio Silvino, símbolos da anarquia física desse meio hostil, cardos humanos nascidos entre aquela branca seara de almas, como os espinhos do mandacaru entre os imbuzeiros carregados de frutos e ninhos. 
Henrique Castriciano
Henrique Castriciano – Fonte –blogeloydesouza.blogspot.com
E, fato singular; quaisquer dos bandidos acima citados são, como o solo sertanejo, uma perene contradição, uma extraordinária messe de coisas que se repelem. 
A vida do primeiro surpreende pelo contraste, pela diversidade dos meios postos em prática, pela serie infinita de atos profundamente maus e de ações reveladoras de profundo desprendimento. 
Jesuíno brilhante é uma figura típica do herói popular, de Dom Quixote vermelho. A existência desta singularíssima figura representa o que a de mais doce na alma humana e o que a de mais feroz. 
Alguém poderoso ou não, tentara contra a honra da desvalida moça? 
Ei-lo em campo, armado até os dentes. 
O sedutor reparava a falta ou morria. E andava por toda a região sertaneja, distribuindo justiça a seu modo, justiça absolvente de animal primitivo, girando entre o roubo e a morte. 
Para ele, como para todos que cumprem igual destino, a propriedade era da comunhão. Daí o grande ódio que votava as autoridades constituídas, especialmente aos soldados, como representantes da lei. 
Um médico do centro, o meu distinto amigo Dr. Almeida Castro, guarda o crânio deste desgraçado.  Vi-o a cerca de doze anos, estive com ele entre as mãos, como Hamlet sustentando nos dedos a caveira de Iorick e, como o desditoso príncipe, filosofei acerca do miserando ser, sentindo no intimo um frêmito de compaixão. 
Quem sabe até onde iria a coragem deste rebelado se outros fossem o meio e o tempo em que viveu? 
Os heróis não são feitos de temperamento diverso; creio que foi Victor Hugo que os chamou de uma variedade de assassino…. 
O tempo tornou a sua figura legendária; das depredações que fez já ninguém se recorda; e as gentes do centro falam dele como de um justo que, nos dias de fome, assaltava as tropas guardadoras dos comboios que conduziam a farinha destinada pelo rei ao seu povo, mas que os magnatas das aldeias queriam transformar em fortuna própria.   
Com Antonio Silvino, moralmente muitíssimo inferior, está se dando o mesmo. O celerado anda por aí quase à vontade, sentido em torno de si o respeito e a estima da plebe, com quem reparte cavalheirescamente o que recolhe dos inimigos. 
Este é brutal, sem um raio de estrela na sua alma tenebrosa, sem as crises de bondade do outro, sem penas de garça nas asas de corvo. 
Mas as multidões o acarinham, porque vem nele um forte. E sem perceber que a sua generosidade é apenas um gesto hábil, já o está glorificando pela boca dos poetas campônios. Tenho sob a vista um folheto do cantor popular Francisco das Chagas. Há muito não vejo melhor espelho do estado mental e moral das nossas populações; as 16 páginas a que me refiro, valem um compendio de psicologia. 
Quem, de futuro, quiser saber o pensamento da gente analfabeta, que povoa o nosso solo não tem mais do que abrir este livrinho; aí encontrará a ironia, a gargalhada do povo rude em face da impotência dos governos que ele vaia gostosamente, na sua qualidade de mosquito zumbidor. 
Encontrará o ódio que vota ao empregado público, aos partidos, as autoridades, colocando-se, já se vê, ao lado de Antonio Silvino, em quem contempla a síntese da anarquia que lavra no seio das sociedades incultas do centro. 
Não sei se os senhores sabem que o bandido teve por companheiro uma fera de nome Cocada. Teve. 
E um dia, desconfiado dele, expulso-o do rebanho maldito.  
A fera, perseguida pela polícia, não pode ser alcançada, vindo a morrer as mãos de um senhor Pica-pau, sequioso de vingança, e de sangue. 
O poeta Chagas narra o fato com a sua meia língua de trovador rural e, legitimo interprete do zé-povo, termina com esta gargalhada cuspida a face da justiça; 
Na povoação da Serrinha,
Aonde a morte se deu,
A polícia, por milagre,
Ao tal Pica-pau prendeu,
E encontrou as orelhas
De Cocada em poder seu,

Não conseguindo a polícia
Prender o ex-valentão,
Ao pegar suas orelhas
Meteu-as numa prisão:
Encarceradas num frasco
Ficaram elas então….

Dizem os filhos da Candinha
Que já estão processadas
As orelhas do bandido,
Que em breve serão julgadas
E que as galés perpétuas
Elas serão condenadas. 
Dificilmente um poeta culto encontraria sarcasmo tão pungente para caracterizar o seu desprezo em face de uma justiça que o não garante bem. 
O livrinho termina com a exposição da Política de Antonio Silvino: 
Há doze anos que vivo
Com o governo em questão
Sem que ele conseguisse
Vencer minha oposição:
Vou agora experimentar
Se ganho-lhe uma questão.

Ao meu lado tenho todos
Os chefes oposicionistas:
Já pleiteei mais vinte
Candidatos governistas,
E antes das eleições
Farei inda outras conquistas. 
O programa seria o tentado por qualquer pessoa do povo se viesse a governar; 
Mesa de rendas uma só
Não deixarei, isso eu juro!
Livros de arrecadação
Mando deitar no monturo. 
Intendência em município
Acabarei com as que houverem:
Empregado pede esmolas!
Os que assim não fizerem
Vão trabalhar alugados
Para bacalhau comerem! 
Promotores, delegados,
Inspetor de quarteirão,
Todos eu demitirei
Com uma surra de facão…. 
Inglês onde eu dominar
Não contará pabulagem;
Para o trem poder correr
Há de pedir-me homenagem,
Consentirei que o trem corra
Mas ninguém paga passagem. 
É a tendência igualitária dos vencidos, o socialismo inconsciente das classes pobres. 
A terra será comum
Todos se apossarão
Ninguém pagará mais foro
Para fazer plantação;
Não haverá nesse tempo
Nem criado, nem patrão. 
Será geral a igualdade
Todos hão de ter direitos
O que foi rico terá
Ao que foi pobre respeito
O grande senhor de engenho
Irá trabalhar no eito. 
A nota característica da poesia popular no Brasil é o sarcasmo; porém á neste livrinho alguma coisa que não é somente isto. 
E não entristece ver, em mais de um Estado e na hora presente, o povo do centro encarnando os seus ideais na pessoa de Antônio Silvino? 
Mario do Valle
Fonte:  http://tokdehistoria.com.br/ ´Rostand Medeiros

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Programação do Natal em Natal 2014 é lançada oficialmente


Nunca se investiu tanto em cultura nessa cidade como agora”, foi com estas palavras que o prefeito Carlos Eduardo anunciou oficialmente a programação da edição 2014 do Natal em Natal em café da manhã realizado nesta quarta-feira (05), na presença de secretários municipais, jornalistas, além de representantes dos mais variados segmentos culturais da capital potiguar. Na oportunidade, também foi apresentado o projeto de iluminação natalina da cidade que terá investimentos de R$ 4 milhões de reais. A programação oficial do evento está disponibilizada no site: www.natalemnatal2014.com.

A população terá opções para todos os gostos ao longo dos mais de quatro meses de duração do evento que começou em outubro com a 16ª edição do salão de Artes Visuais e vai até o dia 6 de janeiro com a celebração da festa de Santos Reis. Nesse meio tempo a cidade vai receber eventos nas mais diversas manifestações culturais como dança música, teatro, cinema, literatura, audiovisual, artes plásticas, fotografia e gastronomia.
Carlos Eduardo iniciou o seu pronunciamento elencando alguns avanços nesse quase dois de gestão na área cultural. Ele lembrou que foi criada a secretaria municipal de Cultura que dotada de orçamento próprio vai ampliar ainda mais as políticas públicas no setor, democratização do acesso aos recursos por meio dos editais, adesão ao Plano Nacional de Cultura, Reabertura do Memorial de Natal e do Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão e abertura de proposta para a criação do Museu Aberto de Esculturas no Parque da Cidade, além de várias outras ações em prol da valorização do segmento que somam mais de R$ 14 milhões de reais de investimentos em recursos próprios, renuncia fiscal e parcerias com entidades.
Todos os eventos que compõe a programação do Natal em Natal merecem destaque, mas o Festival Literário de Natal (FLIN) que será realizado de 6 a 8 de novembro na Praça Augusto Severo, na Ribeira, teve uma atenção especial do prefeito em seu discurso. O chefe do executivo municipal enfatizou a importância da realização do FLIN, pois o evento se constitui em um importante fórum para o debate sobre a produção literária brasileira e conta com a participação de mais de 53 escritores locais e nacionais dentre eles Eucanaã Ferraz, Alberto Cícero, Adriana Calcanhoto, Jorge Mautner, Mario Magalhães e Arnaldo Antunes.
O prefeito concluiu agradecendo o apoio das entidades parceiras e fazendo um convite à população natalense a ir para ruas aproveitar o que o Natal em Natal de 2014 tem a oferecer. “O Natal em Natal é uma festa plural, transita entre o erudito e o popular, aumenta a autoestima do nosso cidadão e reflete diretamente no incremento do turismo que é a nossa principal atividade econômica”.
O secretário municipal de Cultura, Dácio Galvão, também falou sobre o Natal em Natal e agradeceu a confiança e o apoio que a gestão do prefeito Carlos Eduardo tem pelo segmento cultural. O principal ponto destacado por ele foi à valorização do artista e da produção local imprimida nessa administração. “Estamos promovendo uma política cultural de vanguarda, consistente e que da voz e vez aos entes principais desse processo que são os artistas. O prefeito acerta mais uma vez ao robustecer o Natal em Natal 2014 que será um sucesso”, afirmou.
Durante a solenidade o secretário municipal de Serviços Urbanos, Ranieri Barbosa fez a apresentação oficial do projeto de iluminação natalina que vai embelezar as principais vias das quatro regiões da cidade com destaque para a iluminação diferenciada da ponte Newton Navarro. Ele anunciou que o projeto de iluminação também prevê um trabalho diferenciado para o bairro do Alecrim e para o Centro da Cidade com o objetivo de alavancar o comércio nessas regiões. “Teremos o Natal Iluminado e o Natal Encantado com tudo que a população tem direito”.
O Natal em Natal é organizado pela Prefeitura Municipal do Natal e conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, Moinho Dias Branco, Arena das Dunas, Grupo Guararapes, Cosern, Banco do Brasil, Café Santa Clara e Oi.
http://natalemnatal2014.com/

AS ESCAPADAS DE DOM PEDRO

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O imperador era bem menos casto que sua imagem séria nos retratos faz supor
TEXTO Paulo Rezzutti | 28/10/2014 17h17
Na calada da noite, três cidadãos, aparentemente alterados pela bebida, foram apanhados pela ronda policial tentando invadir a residência de uma senhora no Rio de Janeiro. O incidente ocorreu entre o final de 1870 e o início de 1871. Poderia ser só mais uma tentativa de invasão seguida de roubo, mas não era o caso. O inspetor do quarteirão se lembraria dessa noite para toda a vida. Ao intimar os invasores que se identificassem, reconheceu um deles como o imperador dom Pedro II. Depois de milhares de pedidos de perdão, o inspetor foi bater na casa do subdelegado às 2 horas da madrugada e contou-lhe o ocorrido, julgando que sua carreira policial terminara naquela noite. O historiador norte-americano Roderick J. Barman revelou o nome da dama em questão: Carolina Bregaro. Ela era filha do dono do Real Teatro São João, atual João Caetano, no Rio de Janeiro, e sobrinha de Paulo Bregaro, o mensageiro despachado do Rio de Janeiro que chegou a São Paulo em 7 de setembro de 1822 com cartas da corte para d. Pedro I.
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O marido de Carolina, Rodrigo Delfim Pereira, era um diplomata brasileiro educado na Inglaterra com ordens dadas por seu ilustre pai de “não voltar para o Brasil falando ‘minha pai’, ‘minha cavalo’”. Ele era meio-irmão de dom Pedro II, filho do primeiro imperador brasileiro com Maria Benedita de Castro do Canto e Melo, Baronesa de Sorocaba, irmã da Marquesa de Santos. Barman acredita que o relacionamento amoroso entre dom Pedro II e sua cunhada – ele não desconhecia seu parentesco com Delfim Pereira – durou uma década.
Ninho de amor
Dom Pedro II tinha fama de sábio. Conhecia aramaico, além de diversas línguas vivas. Correspondia-se com a maior parte dos cientistas de seu tempo, bem como com compositores, cantores e atores. Mas sua famosa biblioteca no Rio de Janeiro também tinha outra finalidade. Servia de ninho para seus amores clandestinos.
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Quando jovem, o imperador foi criado em uma monarquia sem qualquer brilho após a abdicação de seu pai, dom Pedro I, em 7 de abril de 1831. Ele e suas irmãs herdaram uma corte que, segundo testemunho de um de seus primos europeus que o visitaram, era “a mais miserável do universo”. Essa austeridade também foi a grande marca da criação do futuro imperador, que, além da pobreza da corte, herdou o pesado fardo da lembrança dos escandalosos relacionamentos extraconjugais de seu pai.
Seus tutores cuidariam para que tivesse uma educação esmerada. Queriam que dom Pedro II, diferentemente do pai, se tornasse uma pessoa regrada, controlada, ilustrada e também, de acordo com a historiadora Mary Del Priore, fosse um notório “come-quieto”, ao contrário do espalhafatoso dom Pedro I, que assinava suas cartas para a Marquesa de Santos como “Demonão”.
De 1831 até 1834, quando dom Pedro I morreu, em Portugal, várias alas da política brasileira tinham verdadeiro pavor de que o ex-imperador retornasse ao Brasil e assumisse a regência em nome do filho. Uma campanha de desmoralização pública teve início assim que o navio que o levava ao exílio deixou de ser visto no horizonte. As críticas ao ex-monarca tornaram-se públicas, afinal, a Constituição que protegia a figura do imperador não dizia nada a respeito de ex-governantes. No Primeiro Reinado, os jornais utilizava-se de expressões sutis e satíricas, por exemplo, “o nosso caro Imperador”, onde o caro não era para ser lido como caríssimo ou querido, e sim como dispendioso. Na época das Regências, elas foram trocadas por “assassino da esposa”, “amante dissoluto”, “devasso corrupto”, entre outros qualificativos.
Domitila de Castro
Domitila de Castro
A nódoa moral de seu reinado, seu caso de sete anos com a Marquesa de Santos, foi relembrado ao limite nessas folhas, e logo a sua ex-amante, a paulista Domitila de Castro do Canto e Melo, acabou elevada a símbolo máximo da corrupção e da devassidão do Primeiro Reinado nos jornais da época, sobretudo no periódico Sete de Abril. “O primeiro imperador era figura mais visível nos seus desajustes conjugais, tendo deixado aos historiadores abundante documentação sobre suas infidelidades”, afirma Mary Del Priore. Era assunto diferente das famosas amantes dos reis franceses, da época do absolutismo. “A vida sexual dos monarcas do Antigo Regime sempre foi sinônimo de virilidade e poder do rei. Depois da Revolução Francesa, amantes e concubinas só revelavam governantes fracos e manipuláveis. Dom Pedro foi severamente criticado quando desembarcou em Salvador levando Leopoldina e Domitila. A sociedade se fechou, e nos muros da cidade panfletos e caricaturas enxovalhavam o casal. Quando a imperatriz faleceu, a casa de Domitila foi alvo de ataques de populares, obrigando-a a fugir. Sem contar as caricaturas que se multiplicaram ao final de seu reinado: ele montado pela amante!”
Noites atenienses
Para que o Império e o futuro imperador dom Pedro II passassem uma imagem mais séria, a educação moral do jovem príncipe foi rígida. Desde o princípio, ele sabia o quanto o romance escancarado de seu pai com a fogosa paulista jogara lenha na fogueira moral ateada pelos inimigos da monarquia, e assim a discrição amorosa do imperador virou lei.
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Como afirma o historiador Renato Drummond Tapioca Neto, “o sexo para as mulheres das classes mais abastadas tinha apenas uma função: produzir filhos, a maior alegria para o casal. O prazer não entrava nesse jogo. Dessa forma, no leito conjugal, a lei que ditava o desempenho dos homens era a perpetuação da linhagem, enquanto a paixão e o desejo carnal eles reservavam a outras mulheres, as amantes. Mas tudo por baixo dos panos. Afinal, qualquer escândalo poderia vir a prejudicar a imagem da família perante a sociedade”.
Quem olha para as pinturas e fotos daquele senhor sisudo, bochechudo e com longas barbas brancas não imagina que ele abalou tantos corações, de maneira muito mais discreta que seu pai. O mais famoso relacionamento extraconjugal de dom Pedro II foi com Luísa Margarida de Barros Portugal, a condessa de Barral, exposto por Mary Del Priore em Condessa de Barral, a Paixão do Imperador. Ela era uma rica dona de engenho casada com um nobre francês e foi preceptora das princesas imperiais, Leopoldina e Isabel. O relacionamento durou 34 anos de ânsias e suspiros apaixonados em cartas interatlânticas, nas quais dom Pedro II relembrava com carinho das “noites atenienses” ou de quartinhos de hotéis em Petrópolis. Porém havia também nesse relacionamento uma certa paixão intelectual.
Nada, ao menos da correspondência amorosa que sobreviveu entre ele e a condessa, lembra o fulgor do pai, que tratava com paixão a Marquesa de Santos, ora com versinhos mal construídos, ora com palavras das mais vulgares, chegando a enviar pelos pubianos à amante e sentir saudades de “ir aos cofres” dela.
Existe na historiografia brasileira a lenda de que o historiador Tobias Monteiro teria encontrado cartas picantes envolvendo dom Pedro II, e as depositou na Biblioteca Nacional, porém um arranjo na numeração as teria feito ficar desaparecidas por muito tempo no arquivo. Afinal, não pegava bem para a imagem do ex-imperador ter sua vida amorosa exposta de maneira indecorosa, como aconteceu com seu pai.
Quem conhece um pouco de organização de bibliotecas e arquivos sabe que uma pasta, caixa, ou livro posto em outro lugar que não o seu é uma atrocidade, pois se perdem sua localização no acervo e as formas de desarquivar a informação. Assim, periodicamente, esse acervo de cartas era “redescoberto”. Finalmente, o historiador José Murilo de Carvalho conseguiu catalogá-lo, o que acabou por revelar um dom Pedro II menos morno que sua figura bonachona. Como diz um ditado holandês: a fruta não cai longe do pé. O velho imperador também teve seu lado “Demonão”.
“Te amo e sou tua”
Se as cartas da condessa de Barral para dom Pedro II são mornas, o mesmo não acontece com a sua correspondência com a condessa de Villeneuve. Nascida Ana Maria Cavalcanti de Albuquerque, era casada com Júlio Constâncio de Villeneuve, conde de mesmo nome, proprietário do Jornal do Commercio. Ana era nove anos mais nova que dom Pedro II.
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Em suas cartas para o imperador, ela lembra que “cada uma de tuas expressões tão apaixonadas me fazem estremecer de amor” e declara: “Eu te amo e sou tua de toda a minha alma. Eu te abraço tão ardentemente como tu desejas”. A pedido do imperador, enviou-lhe uma foto com vestido decotado, diante da qual dom Pedro II delira, em carta de 13 de maio de 1884: fantasia uma tórrida cena de amor no sofá da casa da condessa, com corpos entrelaçados, desfalecendo de prazer. Em carta de 7 de maio, afirma: “Que loucuras cometemos na cama de dois travesseiros!”, e, adiante, como se estivesse para atingir o clímax, declara que não consegue mais segurar a pena: “Ardo de desejo de te cobrir de carícias”.
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Uma testemunha da época do Segundo Reinado, o diplomata espanhol Juan Valera, confidenciou a um amigo que “a imperatriz do Brasil (dona Teresa Cristina) é tão virtuosa quanto feia, e dom Pedro II lhe é infiel de vez em quando. O teatro de suas infidelidades é a biblioteca do palácio; o que acontece é que as damas se instruem…”. Outra característica que dom Pedro II herdou do pai era a sovinice: esbanjava com esmolas e bolsas de estudo, mas era miserável com as amantes. Valera chega a comentar que não foram poucos os homens que acabaram falindo para manter as esposas frequentadoras assíduas da corte e da “biblioteca” do imperador.
Em 1882, um escândalo público envolvendo a família imperial abateu-se contra dom Pedro II. Alguns dias após a comemoração do aniversário de 60 anos de dona Teresa Cristina, o casal imperial deixou o Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e partiu para Petrópolis. As joias usadas pela imperatriz e pela princesa Isabel foram entregues ao camarista. Como não encontrou a chave do cofre, ele deixou a caixa que recebeu dentro de um dos armários do palácio, de onde ela desapareceu. Três pessoas foram presas, dois funcionários do palácio e um ex-funcionário, Manuel Paiva. Este, afastado do serviço imperial por suspeita de roubo, morava de favor em uma casa dentro do terreno do palácio de São Cristóvão e possuía as chaves da residência do imperador.
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Uma carta anônima revelou o paradeiro das joias: estavam dentro de uma lata enterrada no fundo da casa de Paiva. Após a solução do caso, dom Pedro II resolveu deixar as coisas como estavam. Os acusados foram postos em liberdade, e Manuel Paiva retornou para casa. Os jornais contrários ao imperador e à monarquia diziam que a Justiça do Brasil havia sido enterrada no mesmo “lamaçal” onde as joias haviam sido encontradas. Enquanto alguns diários louvavam a benevolência do imperador em relação aos acusados, os mais exaltados o criticavam: se ele era tão negligente com a administração da casa, como cuidava do Império?
O jornal O Mequetrefe afirmou que o imperador era refém de Manuel Paiva. O ex-servidor teria sido seu alcoviteiro, servindo de facilitador com as damas pelas quais dom Pedro II se interessava e de acompanhante em suas aventuras amorosas noturnas. O pasquim também afirmava que, além das senhoras, o imperador era “doido por um caldinho de franga”. Os autores José do Patrocínio, Raul Pompeia e Artur Azevedo criaram peças e contos publicados na Gazeta de Notícias, na Gazetinha e na Gazeta da Tarde a respeito do caso. A correspondência da Barral com o imperador revela que algo de verdade deveria haver no meio de tanta suspeita. A condessa alertou dom Pedro para “modificar seu modo de vida, porque na mocidade desculpa-se muita coisa, mas na velhice nada, e Vossa Majestade deve dar o exemplo”.
SAIBA MAIS
Livros
Pedro II, José Murilo de Carvalho, Cia. Das Letras, 2007
Condessa de Barral, a Paixão do Imperador, Mary Del Priore, Objetiva, 
De: tokdehistoria.com.br, de Rostand Medeiros



Já viu a natureza assim?

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

 foto de Yara Darin.
________Deixo - te a minha saudade, a melhor parte de mim.
*Cecília Meireles
photo>Pentti Sammallahti

EU...TU Eu sou doçura, Mas o mel és tu A imagem é minha, Mas a cor é dada por ti A flor sou eu, Mas tu és a fragrância Eu sou felicidade, Ma...