terça-feira, 13 de janeiro de 2009

É TARDE, MAS ARDE A ESPERANÇA

Paulo Sérgio Martins
Jornalista e pesquisador
Especial para o Nasemana

Nada embriaga mais a vida do que o vinho da verdade. E verdade seja dita: Machado de Assis foi, indubitavelmente, o maior escritor brasileiro. Fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, a forma inconcistente como teve celebrado oficialmente o seu centenário de morte, neste controvertido e terminal 2008, é, na realidade, mais uma das injustiças que marcaram a densa biografia do "bruxo".

Ele faleceu num quarto térreo do sobradinho alugado em que vivia na rua Cosme Velho, número 18, no Rio de Janeiro. Machado de Assis andava muito doente. Enxergava mal e sofria com as dores de uma antiga infecção intestinal. As convulsões epiléticas eram mais frequente. Por causa delas, seus dentes abriram um ferimento na língua que virou úlcera cancerosa. Não podia mais mastigar e comer - passou seus últimos dias à base de leite levado pelos amigos.

O autor de "Dom Camurro" estava afastado havia dois meses do cargo de diretor-geral de contabilidade do Ministério da Viação. "Ele evitava transmitir expressões de dor aos que o cercavam", recordaria mais tarde o escritor Euclides da Cunha. Na hora da morte, alguns colegas famosos faziam parte do grupo que estava ao lado de machado - o próprio Euclides, Coelho Neto, José Veríssimo e Raimundo Correia. Alguém, ali, lembrou de chamar um padre. Machado, um ex-coroinha, repudiou a idéia. "Não creio, seria hipocrisia", susurrou.

Ele estava esperando a morte, tanto que deixou tudo arrumado. Não ficou nada para incomodar os amigos. Pagou as contas e chegou mesmo a preparar o quarto de morte. Ainda assistiu o lançamento de "Memória de Ayres", seu último romance, e transferiu em testamento todos os seus bens a uma sobrinha da mulher Carolina, morta quatro anos antes e com quem não teve filhos.

Tinha pouco - doze apólices, uma conta na Caixa Econômica Federal, móveis e biblioteca. Viveu 69 anos assim. Amigos de verdade? Raros. Preferia trocar cartas e bilhetes com eles. depois de 1881 - ano em que sai "Memórias Póstumas de Brás Cubas" -, marca a segunda fase de sua obra que consagra o definitivamente.

Ainda existia muita contradição na biografia desse escritor brasileiro - para não dizer " da língua portuguesa". Ninguém garante, por exemplo, que Maria Leopoldina, a mãe do escritor, foi lavadeira, nem confirma se ele teria tido em seguida relações conflituosas com a madrasta Maria Inês. Há insinuações também, que a salvação literária de Machado foi o casamento com Carolina Xavier Novais, uma portuguesa do Porto, quatro anos mais velha que ele. Ela seria a autora de correções gramaticais e de alguns reparos de estilo na obra do marido o que, na realidade, não passa de um exagero histórico.

Fala-se também de outras mulheres na vida de Machado. A atriz Ismênia dos Santos, para quem o então crítico teatral fizera algumas traduções de peças como "O barbeiro de Sevilha", um romance às vésperas do casamento com Carolina, e Inês Gomes, outra atriz que ele conheceu já quarentão e casado. "Tive três amores, mas só você não é vulgar", escreveu ele a Carolina.

O consagrado escritor viveu também constrangido e explorado. Emprestou dinheiro de amigos para se casar e teve de assinar dezenas de péssimos contratos com seu editor, o francês Hypolittee Garnier, tradicionalmente conhecido como "o bom ladrão". Fazia adiantamentos, mas pagava mal. E o velho mestre, ainda por cima, tinha inimigos gratuitos. Os desafetos jamais o deixaram sossegado.

Sagacíssimo mas calado, tornou-se alvo fácil de Sílvio Romero e Luiz Murat. Até o poeta-maior, Carlos Drummond de Andrade, na juventude, escreveu um artigo agressivo contra Machado, mas depois reparou a ofensa gratuita e injustificada, publicando o poema "A um bruxo, com amor".

Os hábitos discretos de Machado de Assis enlouqueceram biógrafos e geraram lendas. Machado escondia tudo. Havia, porém, duas tragédias pessoais incontornáveis. A primeira era a epilepsia, sua doença mais grave. Ela o traiu várias vezes em plena rua. Certa vez, num impulso depressivo, ele se comparou a um cão contorcido em espumas. Sequer pronunciava o nome da moléstia, que lhe deixara irascível, a ponto de expulsar de casa um médico amigo que o socorrera depois de um ataque dentro de um bonde. "Eis o meu pecado original", sempre afirmava o escritor.

O outro drama estava na pele. Seu cabelo também não negva a origem - bisneto de escravos, nascido no Morro do Livramento, onde ainda hoje é o bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro. Não consta que tenha frequentado escola, e suas fronteiras geográfica não foram além de Fiburgo, Petrópolis e Minas Gerais. Mesmo assim, transformou-se no melhor romancista da língua portuguesa até hoje.



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