Neste domingo – dia dos pais – recordo-me da figura do meu pai como forma de homenagear todos os pais do RN. Católico fervoroso, moreno, estatura mediana, cabelos lisos bem penteados, voz mansa, simples, solidário, gostava de olhar nos olhos e apertar com firmeza as mãos das pessoas. O seu maior orgulho era ter nascido no Assu, onde passou a infância e a juventude. Visitava com freqüência a sua terra. Observador, gostava de poesia como todo assuense, opinava sobre tudo que ocorria ao seu redor. Josias de Oliveira Souza, era o seu nome. Mesmo com as névoas do tempo, lembro-me quando completei oito anos. Morávamos na rua Presidente Quaresma, 363, bairro do Alecrim, Natal. Ele e mamãe comemoraram a data de forma especial por gostarem da poesia de Casimiro de Abreu (“Meus oito anos”). Na festinha, tinha até “guaraná champagne”, o que não era comum na minha casa. “Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais! - Que amor, que sonho, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras Debaixo dos laranjais!”
(Casimiro de Abreu) Estudava no Colégio São Luiz, dirigido pelo Padre Eymard, onde recebi da professora Leonor as primeiras lições na vida. Quando fui fazer o exame de admissão ao ginásio de então, papai obrigou-me a freqüentar as aulas preparatórias do professor Batalha, conhecido pelo uso da palmatória a cada resposta errada do aluno. Cheguei em casa algumas vezes com as mãos vermelhas. Fui um dos primeiros colocados no exame de admissão do Colégio Marista e devo isto ao Mestre Batalha, um excelente professor e homem de bem. A história de vida de papai teve a marca da luta e do cumprimento do dever. A tragédia o atingiu criança com a morte do seu pai, Francisco Justino de Souza, com quem praticamente não conviveu. Cursou até o atual segundo grau e contou com o amor e o carinho de sua mãe, Mafalda, caicoense de origem, que adotara Assu como a sua terra natal. Trabalhou no comércio. Gostava de conservar as amizades. O seu primeiro patrão foi o honrado comerciante Leonardo Pinheiro (já falecido), dono de loja no Assu, por quem ele tinha grande estima e consideração. “Seu Leonardo” quando visitava Natal era convidado permanente da nossa casa. Lembrava Cláudio, colega de juventude no Assu, que também veio morar em Natal, como um dos seus maiores amigos. Conversavam sempre. Nunca mais o vi. Já morando em Natal, casou aos 22 anos (a mesma idade que casei) com a minha mãe, Neuza, com quem viveu até a morte prematura aos 56 anos de idade. Além de mim, o filho mais velho, os meus irmãos Gileno e Gilson. Aprendeu, durante a II Guerra, a arte de alfaiataria. Cortava o tecido, mas não sabia costurá-lo. Nos anos cinqüenta, instalou a Alfaiataria Globo, no Alecrim. Era uma mini-empresa com vários empregados, regra geral homens que costuravam os paletós e as mulheres as calças. Mensalmente, ia ao Recife e comprava tecidos para roupas masculinas e aviamentos para alfaiataria na loja “Fortunato Russo”, de quem foi cliente muitos anos. Detestava dinheiro emprestado e pagava pontualmente as suas obrigações. Esta lição, também me ensinou. As pessoas mais próximas dele diziam que “atravessava um rio a nado para fazer um favor”. Repetia sempre as máximas: “a única coisa duradoura que os pais dão aos filhos é o estudo”; “o trabalho, qualquer que seja, não envergonha a ninguém”. Era rigoroso com os estudos. Mamãe fiscalizava os meus “deveres de casa”. Quando ela tinha outros afazeres, ele exigia que ficasse estudando sob a sua vista na alfaiataria. O seu sonho era que fosse “guarda marinha” (oficial da Marinha de Guerra). Depois, quando decidi ser advogado, afirmava que morreria tranqüilo, se eu chegasse a procurador federal. Fui procurador federal. (Hoje ganha menos da metade dos procuradores estaduais e municipais). Ele acompanhava tudo de política. Quando lhe dizia que um dia seria político, aconselhava: “no RN isto é um clube fechado. Não lhe deixarão entrar. E se entrar irá sofrer muita injustiça”. Citava como exemplo as perseguições contra Café Filho, a quem admirava. Ele tinha razão. Sonhava com oportunidades para mais os pobres. No final dos anos cinqüenta, surgiram em Natal as primeiras roupas feitas. Seria o momento para papai transformar a sua alfaiataria numa fábrica. Estimulado, negou-se a pedir dinheiro emprestado em bancos ou pedir favores ao Governo. Resultado: os seus clientes deixaram de fazer roupa sob medida e a Alfaiataria Globo fechou. Muitas vezes, com lágrimas nos olhos, antecipava as dificuldades financeiras, caso eu tivesse que cursar a Faculdade de Direito no Recife. A iniciativa pioneira do Professor Onofre Lopes (também da família por parte de minha mãe) tranquilizou-o com a instalação da nossa Universidade. Fechada a alfaiataria, mamãe, eu e meus irmãos, ainda pequenos, procuramos trabalhar e ajudá-lo na manutenção da casa. Mamãe ingressou no serviço público, no qual aposentou-se. Eu fui revisor de jornal aos 14 anos. Recordo a aflição em família para compra de material escolar no início do ano e na hora de pagar a mensalidade dos filhos no colégio.Por esta razão, quando assumi uma cadeira na Câmara Federal em 1975, o primeiro projeto que apresentei foi o da criação do crédito educativo, hoje FIES. Aposentado com um salário mínimo, ele sofria muito por não ter vida ativa no trabalho. Lembro-me das suas últimas alegrias: a minha formatura em 1967 em que fui o orador oficial da Turma da Liberdade e quando, dias depois, casei-me com Abigail, que ele considerava “uma moça excelente e de boa formação ”. Morreu em 1972 de um pós-operatório. Esteve internado no navio-hospital norte-americano (“Hope”), ancorado em Natal. Nada adiantou. Transferiu-se para o então Hospital das Clínicas. Supersticioso com o número 9 ou numeração que desse “nove fora nada”, faleceu, por ironia do destino, no dia 9 de maio, no apartamento número 9, às 7 horas e 11 minutos da manhã. Toda família herdou essa superstição. Autorizei a doação das córneas dos seus olhos para transplante no navio “Hope”, sob a condição de nunca saber quem se beneficiou. Até hoje, a família desconhece quem passou a enxergar com elas. Neste Domingo – dias dos pais – lembro de “seu Josias”, homenageando-o com parte da música de Sérgio Bittencourt, cantada pelo insuperável Nelson Gonçalves: “ Naquela mesa ele sentava sempre ; e me dizia contente o que é viver melhor..... Naquela mesa tá faltando ele; e a saudade dele tá doendo em mim”.
Coluna Publicada aos domingos nos jornais O POTI e GAZETA DO OESTE Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte |
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