terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Bar doce lar


Leonardo Sodré

Leonardo Sodré*

Alguns bares de Natal ficaram famosos pelo que ofereciam. Outros, talvez a maioria, pelo comportamento e esquisitices dos seus donos. Quem não se lembra de Nazi, da esquina do Beco da Lama com a rua Coronel Cascudo, que preparava uma famosa “meladinha”, que consistia de uma mistura de cachaça com mel de abelha e limão?

Famoso por ser pão-duro, foi surpreendido por uma pedinte que entrou no seu bar intempestivamente gritando:

- Me dê uma esmola ai!

Calmo, ensinou demoradamente como ela deveria se dirigir às pessoas para conseguir esmolas e ressaltou a importância de tentar ser extremamente educada, de falar baixo, etc. Cheia de esperanças, ela refez o caminho de volta e entrando novamente no bar, dizendo baixinho, como havia aprendido:

- Seu Nazi, por favor, faça a gentileza de me dar uma esmolinha.

Aparentemente distraído, concentrado na lavagem de uns copos, ele respondeu:

- Perdoe...

Não sei se o maior cronista das histórias da Confeitaria Atheneu, o engenheiro Augusto Leal sabe desta, mas existe um grupo que não perde um último capítulo de novela das oito naquele bar. Durante todo o decorrer da novela, pedem tudo o que é possível a Odeman, que, novelista convicto, segundo a minha fonte, enfurece-se a cada cerveja ou tira-gosto pedido. Quando termina a novela eles pedem a conta e vão embora. Essa história acontece há anos...

O bar “Beleleu”, do músico Paulo Sarkis e da bela Simone Betoni, começa a colecionar algumas histórias engraçadas e o jeito invocado de Paulo, que no fundo é uma pessoa muito sensível, está começando a formar a “personalidade” do ambiente. Nas quartas e domingos, por exemplo, tem sempre um trio tocando blues. Baixista, ele geralmente compõe o grupo. Mas se alguém se arriscar a pedir uma música, a resposta é sempre um sonoro “não”. Ele termina tocando, mas sempre diz não antes. Na hora que quer fechar o bar, um acordo é quase impossível. E ele sempre anuncia:

- Aqui o cliente nunca tem razão.

Outro dia cheguei por lá e estava tocando o disco teste de uma CD que sua banda, Mad Dogs, irá lançar brevemente. Gostei muito e pedi:

- Paulinho coloque no inicio, pois o CD está muito bom...

Ele respondeu:

- Coloco não! Todo mundo chega aqui pedindo a mesma coisa.

Bruna Simone e Elione Medeiros, que atendem as mesas e o balcão já pegaram o jeito. Os clientes tradicionais, já entendem que o “não” delas quer dizer, na verdade, um sim.

Inventor de sanduíches criou somente para ele, um especial, com pão francês, que tem como ingredientes básicos, mortadela e vinagrete. A iguaria não consta do cardápio, mas um dia, abriu uma concessão para mim. Achei o sanduíche maravilhoso, mas ficou somente neste. Sempre que vou pergunto se não dá para sair “unzinho”. A resposta é sempre não. Perguntado por que não coloca no cardápio, recusa-se a dar muitas explicações e no máximo disse apenas uma vez que “ninguém iria gostar mesmo”. Eu gostei.

Louco por futebol, uma vez estava vendo um jogo sem futuro na televisão, de um campeonato de um país europeu. Alguém pediu para ver o Jornal Nacional. A resposta foi rápida:

- Somente depois do jogo, que ainda vai demorar um bocado. Leia os jornais amanhã...

A cerveja do Beleleu é impecável, os pratos são bons e variados e os banheiros estão sempre limpos. Ele vez por outra sustenta uns “preguinhos”. Talvez por isso ele use a máxima da razão unilateral.

Outro dia um cliente foi pagar uma continha de dezesseis reais. Para não ficar sem nenhum dinheiro na carteira, combinou que iria dar dez e que pagaria o restante no outro dia. Ele não perdeu tempo:

- Eu nunca ouvi falar que se pagasse prego de bar à prestação...

* Jornalista e escritor
Texto publicado no "O Jornal de Hoje" em julho de 2003.

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