Por Gilberto Freire de Melo
Na periferia de Mossoró, estado
do Rio Grande do Norte, duas famílias se envolveram tragicamente num
episódio amoroso de um casal que, olvidando o controle de seus instintos
sexuais, fez valer o império dos seus desejos, sem qualquer preocupação
com as consequências.
Eram cinco os filhos varões de
Joaquim Teixeira, um representante da classe média alta da localidade.
Frequentaram e frequentavam as melhores escolas, e os mais desenvolvidos
ambientes sociais e de trabalho, numa acurada preocupação
profissionalizante de seu pai. Enfim, todos com promissor desempenho na
vida futura. Além de destacados representantes da sociedade local, eram
dotados de relativa apresentação pessoal, tendo compleição física para
além das exigências mínimas das moças casamenteiras da região,
considerados se não ótimos, mas bons partidos para os olhos de
familiares que queriam, para suas filhas, algo mais que os dotes da
beleza pessoal.
Sem saber como, um dos filhos de
Joaquim, chamado Lourival, inventou de namorar com Maria das Graças,
de virtudes e conduta ilibadas, pertencente a uma família que igualmente
se mantinha sob o respeito e a consideração da localidade e de onde
pudesse chegar o conhecimento da postura de seus componentes, nada
deixando a desejar com relação à nobreza de Lourival.
Não decorreu grande espaço de
tempo e Maria das Graças, que, é bom salientar, era uma graça de mulher,
embora a precocidade de sua formação, representando aquilo que se chama
uma criança com gosto de mulher, queixou-se aos pais, através de uma
senhora da vizinhança, que, não resistindo às investidas do namorado,
tinha passado o pé adiante da mão e se encontrava desvirginada. Pedia
que levasse ao conhecimento da família, pois sentia que Lourival estava
espaçando as suas visitas, como se quisesse fugir da responsabilidade e
afastar-se do distrito da culpa.
Dito e feito.A vizinha, a que
Maria das Graças confidenciara o seu erro, não esperou por nada. Foi à
casa de Antônio Borja, pai da ofendida, e passou todo o ocorrido para a
esposa deste que, no mesmo dia, antes mesmo de passar a filha em
confissão, contou ao marido que selou o cavalo e se mandou para a
fazenda de Joaquim, a exigir reparação.
A conversa com o pai de Lourival deixou Seu Antônio
preocupado pelo fato de não se configurar o propósito, como ele queria,
de remiedar imediata e amistosamente a situação. Joaquim lhe prometera
conversar com o filho para saber as suas intenções e daria ciência a
ele, o pai da ofendida.
Não havendo a resposta prometida dentro do prazo estabelecido, Seu Antônio
voltou a visitar a casa de Joaquim, ocasião em que os ânimos se
alteraram e a conversa passou a ser menos amistosa. Lourival, que estava
presente a tudo, alegou que não era dele a autoria, pois a própria
Maria das Graças lhe confessara um erro anterior, não vendo qualquer
pecado de sua parte na questão.
Humilhado, porém inconformado, Seu Antônio
voltou para casa, sozinho, pensando no que seria de seus brios quando a
população tomasse conhecimento. Nesses casos, a solidão se torna uma
péssima conselheira. E durante todo o trajeto, parecia-lhe ouvir algumas
vozes que, de tanto repetir a expressão acabou sendo utilizada por ele
mesmo, falando sozinho, imitando a suposta voz que insistia. E se ouviu
dizendo bem alto:
- Ou casa com ela ou comigo!
Chegou à casa, chamou a mulher e
os quatro filhos homens e Maria das Graças que, dada a gravidade do
momento, deixara de ser a Gracinha de seus quindins, Comunicou a todos
que estava ciente do que ocorrera, que não tinha outro remédio além do
casamento, e que estava disposta a enfrentar quem se atravessasse a
contrariar os seus propósitos. Após sentir a aprovação de todos, repetiu
o que lhe induzira aquela voz, durante a viagem:
- Ou casa com ela ou casa comigo.
Outras diligências se efetivaram
sem, contudo, se manifestar qualquer disposição de Lourival para
reparar a ofensa praticada que não seria digerida ou perdoada naquelas
circunstâncias e naquelas paragens. Já se sabe que ofensa maior não
existia, pois não estava em jogo apenas a virgindade da jovem, mas
degradada, desmoralizada estava e ficaria toda a família e o nome que, a
muito custo, se fazia respeitar desde priscas eras.
Assim, passaram-se os dias e num amanhecer qualquer, Seu Joaquim,
o pai de Lourival, foi assassinado em sua residência por um
desconhecido - quem sabe? - um pistoleiro de aluguel cuja frequência não
era tão rara nos arredores.
A loucura tomou conta de todos os habitantes e conhecidos da família de Seu Joaquim
que lamentavam o fato, porém, não tinham como o reprovar pois o apoio
dado por ele à conduta de Lourival não podia conduzir a outro destino.
Até aí estava apagado o estopim, apesar de azeitado. Sepultado Seu Joaquim,
os ânimos se acirraram e não houve mais sossego. Desapareceram, ou
foram encontrados mortos, todos quantos se relacionaram com a aventura
de Maria das Graças que provocara o assassino do pai de Lourival. Pai,
irmãos, parentes de Maria das Graças pistoleiros envolvidos ou supostos
de envolvimento não foram poupados. O próprio Lourival que fora o
principal causador da morte de seu pai não foi perdoado e foi executado
sem choro nem vela.
Assim, dando essas lições que se
apagam facilmente da memória dos habitantes, resistiu bravamente esta
honrada área geográfica, chamada Nordeste Brasileiro, sem contribuir,
enquanto pôde, com a extinção desse legado de culturas medievais,
transmitido por exigentes tradições e condutas religiosas praticadas
ainda hoje por onde quer que se façam prevalecer o judaísmo, islamismo ou seus remanescentes.
Gilberto Freire de Melo
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