quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

CHACINA PROVOCADA POR UM DESVIRGINAMENTO

Por Gilberto Freire de Melo

Na periferia de Mossoró, estado do Rio Grande do Norte, duas famílias se envolveram tragicamente num episódio amoroso de um casal que, olvidando o controle de seus instintos sexuais, fez valer o império dos seus desejos, sem qualquer preocupação com as consequências.
 
Eram cinco os filhos varões de Joaquim Teixeira, um representante da classe média alta da localidade. Frequentaram e frequentavam as melhores escolas, e os mais desenvolvidos ambientes sociais e de trabalho, numa acurada preocupação profissionalizante de seu pai. Enfim, todos com promissor desempenho na vida futura. Além de destacados representantes da sociedade local, eram dotados de relativa apresentação pessoal, tendo compleição física para além das exigências mínimas das moças casamenteiras da região, considerados se não ótimos, mas bons partidos para os olhos de familiares que queriam, para suas filhas, algo mais que os dotes da beleza pessoal.
 
Sem saber como, um dos filhos de Joaquim, chamado Lourival, inventou de namorar com Maria das Graças, de virtudes e conduta ilibadas, pertencente a uma família que igualmente se mantinha sob o respeito e a consideração da localidade e de onde pudesse chegar o conhecimento da postura de seus componentes, nada deixando a desejar com relação à nobreza de Lourival.
 
Não decorreu grande espaço de tempo e Maria das Graças, que, é bom salientar, era uma graça de mulher, embora a precocidade de sua formação, representando aquilo que se chama uma criança com gosto de mulher, queixou-se aos pais, através de uma senhora da vizinhança, que, não resistindo às investidas do namorado, tinha passado o pé adiante da mão e se encontrava desvirginada. Pedia que levasse ao conhecimento da família, pois sentia que Lourival estava espaçando as suas visitas, como se quisesse fugir da responsabilidade e afastar-se do distrito da culpa.
 
Dito e feito.A vizinha, a que Maria das Graças confidenciara o seu erro, não esperou por nada. Foi à casa de Antônio Borja, pai da ofendida, e passou todo o ocorrido para a esposa deste que, no mesmo dia, antes mesmo de passar a filha em confissão, contou ao marido que selou o cavalo e se mandou para a fazenda de Joaquim, a exigir reparação.
 
A conversa com o pai de Lourival deixou Seu Antônio preocupado pelo fato de não se configurar o propósito, como ele queria, de remiedar imediata e amistosamente a situação. Joaquim lhe prometera conversar com o filho para saber as suas intenções e daria ciência a ele, o pai da ofendida.
Não havendo a resposta prometida dentro do prazo estabelecido, Seu Antônio voltou a visitar a casa de Joaquim, ocasião em que os ânimos se alteraram e a conversa passou a ser menos amistosa. Lourival, que estava presente a tudo, alegou que não era dele a autoria, pois a própria Maria das Graças lhe confessara um erro anterior, não vendo qualquer pecado de sua parte na questão.
 
Humilhado, porém inconformado, Seu Antônio voltou para casa, sozinho, pensando no que seria de seus brios quando a população tomasse conhecimento. Nesses casos, a solidão se torna uma péssima conselheira. E durante todo o trajeto, parecia-lhe ouvir algumas vozes que, de tanto repetir a expressão acabou sendo utilizada por ele mesmo, falando sozinho, imitando a suposta voz que insistia. E se ouviu dizendo bem alto:
- Ou casa com ela ou comigo!
 
Chegou à casa, chamou a mulher e os quatro filhos homens e Maria das Graças que, dada a gravidade do momento, deixara de ser a Gracinha de seus quindins, Comunicou a todos que estava ciente do que ocorrera, que não tinha outro remédio além do casamento, e que estava disposta a enfrentar quem se atravessasse a contrariar os seus propósitos. Após sentir a aprovação de todos, repetiu o que lhe induzira aquela voz, durante a viagem:
- Ou casa com ela ou casa comigo.
 
Outras diligências se efetivaram sem, contudo, se manifestar qualquer disposição de Lourival para reparar a ofensa praticada que não seria digerida ou perdoada naquelas circunstâncias e naquelas paragens. Já se sabe que ofensa maior não existia, pois não estava em jogo apenas a virgindade da jovem, mas degradada, desmoralizada estava e ficaria toda a família e o nome que, a muito custo, se fazia respeitar desde priscas eras.
 
Assim, passaram-se os dias e num amanhecer qualquer, Seu Joaquim, o pai de Lourival, foi assassinado em sua residência por um desconhecido - quem sabe? - um pistoleiro de aluguel cuja frequência não era tão rara nos arredores.
 
A loucura tomou conta de todos os habitantes e conhecidos da família de Seu Joaquim que lamentavam o fato, porém, não tinham como o reprovar pois o apoio dado por ele à conduta de Lourival não podia conduzir a outro destino.
 
Até aí estava apagado o estopim, apesar de azeitado. Sepultado Seu Joaquim, os ânimos se acirraram e não houve mais sossego. Desapareceram, ou foram encontrados mortos, todos quantos se relacionaram com a aventura de Maria das Graças que provocara o assassino do pai de Lourival. Pai, irmãos, parentes de Maria das Graças pistoleiros envolvidos ou supostos de envolvimento não foram poupados. O próprio Lourival que fora o principal causador da morte de seu pai não foi perdoado e foi executado sem choro nem vela.
 
Assim, dando essas lições que se apagam facilmente da memória dos habitantes, resistiu bravamente esta honrada área geográfica, chamada Nordeste Brasileiro, sem contribuir, enquanto pôde, com a extinção desse legado de culturas medievais, transmitido por exigentes tradições e condutas religiosas praticadas ainda hoje por onde quer que se façam prevalecer o judaísmo, islamismo ou seus remanescentes.

Gilberto Freire de Melo

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